Ficção científica e eu



Eu às vezes escrevo ficção científica. Já escrevi mais, é verdade, mas já faz um tempo que ando espaçando (sem trocadilho) minha produção no gênero. Já falei sobre essa pausa em postagens anteriores, mas, resumindo: a ficção científica, para mim, entrou na fase de retornos reduzidos, em que a energia gasta na produção da história acaba superando as recompensas (materiais e outras) da publicação. De qualquer maneira, ainda tem muita gente que me identifica com o gênero, o que é perfeitamente compreensível: não dá pra passar mais de 20 anos fazendo uma coisa sem que a "coisa" acabe grudando na sua pele, por assim dizer.

Por conta disso, às vezes me convidam para palpitar a respeito. A oportunidade mais recente veio da Revista ComCiência da Unicamp, para a qual produzi o artigo A Veia Obscurantista da Ficção Científica, uma chance fantástica de refletir sobre algo que me incomoda há tempos: por que um gênero -- literário, cinematográfico, quadrinístico, radiofônico, etc. -- que tem "científica" no nome gasta tanto tempo e energia apresentando cientistas como vilões ou a ciência como causadora, e não solucionadora, de problemas?

Claro, nem toda ficção científica é assim, etc., e há inúmeros livros fantásticos com uma visão nuançada da ciência e cientistas protagonistas, não antagonistas, mas a sombra do Dr. Frankenstein -- não o original de Mary Shelley, mas a caricatura construída pelo cinema --, o arquetípico vilão que, por megalomania, faz uma descoberta que seria melhor não fazer, ainda paira sobre boa parte da produção popular do gênero. Por quê? Leiam o artigo linkado acima para descobrir o que penso a respeito.  

Uma coisa que não mencionei no artigo, mas gostaria de ter mencionado -- mas aí seria uma digressão a mais --, é o que eu chamaria de "obscurantismo suave", que ao mesmo tempo em que reconhece o potencial positivo da ciência, deixa o subtexto de que ela não vê as coisas "realmente importantes".

Você conhece o tipo: é aquela história em que uma solução técnico-racional altamente complexa  para o destino da civilização é posta de lado em favor (ou requer uma ajuda crucial) do poder da intuição, da força do amor, da fé das criancinhas. Este é um apelo evidentemente populista -- pouca gente entende cálculo integral, mas qualquer imbecil é capaz de "seguir a voz do coração". E geralmente segue. E dá no que dá.

Pesquisar o artigo para a ComCiência me fez rever um pouco da minha obra dentro da ficção científica. Por uma curiosa coincidência, ao mesmo tempo em que o texto saía, a edição de 2015 de minha coletânea de contos Tempos de Fúria ganhava algum destaque como livro mais vendido da categoria para Kindle no Brasil (distingo as edições de 2005 e 2015 porque a segunda contém mais histórias e, o que é mais importante, do meu ponto de vista, ainda paga direitos autorais).

Já o romance Guerra Justa continua em sua carreira "polêmica", atraindo tanto admiradores (ele foi até tema de um podcast de cientistas alguns anos atrás) quando detratores ferozes (é só ver as resenhas de uma e duas estrelas na página da Amazon). Campo Total, livro de contos que achei que seria minha contribuição definitiva ao gênero, segue sendo mais ou menos ignorado por aí. Já o conto avulso Diamante Truncado vai, por vias transversas, encontrando seu público.

Ultimamente tenho tido mais sucesso -- e prazer -- lendo e escrevendo mistérios. Ficção científica e policial são gêneros, sob vários aspectos, até que complementares, e não é raro que fãs e autores de um acabem migrando para o outro, ou se dividam entre ambos. Anthony Boucher, por exemplo, foi editor do Magazine of Fantasy and Science Fiction e o responsável por lançar a carreira de Philip K. Dick, mas hoje é mais lembrado como um importante crítico de literatura policial.

 Por conta disso, às vezes volto a flertar com o gênero. O último conto de fc que escrevi em português está numa edição recente do fanzine Somnium, e confesso que não sei quando virá outro. Mas, de qualquer modo, ainda é agradável ser lembrado.

Comentários

  1. Sinto falta mesmo é do Hieron de Zenária. Ainda tenho que ler seus livros de ficção científica.

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