Aniversário da Ciência?



Dizem que Isaac Asimov certa vez disse (não consegui confirmar isso nas fontes primárias) que o dia 28 de maio deveria ser celebrado como o Aniversário da Ciência. Isso porque, segundo algumas fontes do mundo antigo (Heródoto é o mais citado, mas também há Diógenes Laércio e outros), este dia marca a dramática confirmação da primeira "previsão científica"  registrada na história: a de um eclipse solar, ocorrido em 28 de maio de 585 AEC e que teria sido previsto por Tales de Mileto. Tales (624-546 AEC) é muitas vezes citado como o "primeiro cientista", por ter proposto explicações para fenômenos naturais sem apelar para a linguagem da religião e do mito -- usando apenas a natureza para falar da natureza.

Há, no entanto, diversas razões para duvidar de que a previsão do eclipse por Tales tenha mesmo ocorrido -- e, se ocorreu, que tenha sido realmente baseada em algo semelhante a princípios científicos, e não pura sorte. Se sorte foi mesmo o caso, Tales, além de primeiro cientista, também foi a primeira vítima de um Erro Tipo I, ou falso positivo.

Há um bom apanhado do argumento cético a respeito neste artigo, mas resumindo: as pessoas só se deram conta de que eclipses solares são causados pela sombra da Lua séculos depois de Tales ter vivido, e a hipótese de que ele teria deduzido uma espécie de ritmo dos eclipses a partir do estudo de anotações astrológicas da Babilônia força bem a barra. Além disso, Heródoto diz que Tales previu o ano do eclipse -- o que não faz muito sentido: qualquer método razoável para prever eclipses fornece a data completa, ou pelo menos uma aproximação bem melhor do que uma faixa de 365 dias.

Defensores da realidade da previsão apontam que diversos autores antigos citam esse feito de Tales, incluindo um discípulo de Aristóteles, e que não era assim tão pouco plausível que o filósofo tivesse acesso a registros que lhe permitissem pressupor uma certa periodicidade na ocorrência de eclipses, ainda que com margens de erro enormes.

Também se especula que talvez o eclipse previsto por Tales fosse outro, não o de 28 de maio de 585 AEC. Este foi um eclipse que ficou famoso por ter interrompido uma guerra na Ásia Menor. Não é impossível que as memórias dos dois eclipses históricos, o que acabou com a guerra e o que confirmou a sabedoria de Tales, tenham se fundido numa lembrança comum, à medida que as narrativas eram repassadas à frente.

No fim, a história do Aniversário da Ciência ganha mais contornos de mito do que de ciência, situação que não deixa de conter uma curiosa ironia. Mas mitos são valiosos, especialmente quando não os levamos ao pé da letra e nos concentramos em seu caráter simbólico: e este símbolo -- o homem postado na aurora do conhecimento, tentando explicar e prever a natureza com as palavras e os meios da natureza -- continua tão poderoso hoje quanto era há quase 3 mil anos.

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