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Primeiros testes: "fosfo da USP" não funciona e não é "fosfo"

O pó produzido na USP de São Carlos, encapsulado e distribuído como "fostoetanolamina sintética" para pacientes de câncer, contém no máximo 32% da molécula pura; e essa molécula é completamente inútil, mesmo em testes in vitro , contra tumores de pâncreas e melanoma. As conclusões estão em relatório publicado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, MCTI  e que, temo, será ignorado pelas vítimas do verdadeiro culto que se formou em torno da substância, e pelos abutres, de diferentes plumagens, que esperam transformar o desespero dos doentes em votos ou dinheiro. Os testes que produziram os resultados desapontadores -- mas não inesperados -- foram conduzidos como parte da iniciativa desencadeada ano passado, em resposta ao forte lobby pró-liberação da "fosfo", formado depois que uma combinação de jornalismo irresponsável, pusilanimidade oficial, ignorância e populismo criou o mito de que a a substância seria uma espécie de cura milagrosa para qualquer ...

Detector de raios cósmicos no porão da universidade

No subsolo do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, quatro pirâmides metálicas – dispostas como um par de ampulhetas, ocupando todo pé-direito da sala, onde se encontram também bancadas e computadores – coletam múons, partículas invisíveis geradas por raios cósmicos e que passam através das lajes de concreto do prédio e dos corpos humanos sem se fazer notar. “Em um metro quadrado, a cada segundo, passam mais ou menos 140 múons”, explica o pesquisador Anderson Fauth, responsável pelas “ampulhetas” que formam o telescópio Muonca [acrônimo para Múons em Campinas]. Leia a íntegra da entrevista no Jornal da Unicamp .

Cuidado com o valor-p

A Associação de Estatística dos Estados Unidos (ASA, na sigla em inglês) publicou, no início do mês, uma nota advertindo cientistas contra o uso indiscriminado do “valor-p”, uma ferramenta estatística tradicionalmente adotada para determinar a “significância” de uma descoberta: considera-se significativo um achado cujo valor-p seja igual ou menor que 5%. Esse limiar de 5% acabou se tornando uma espécie de pré-requisito para publicação no meio acadêmico. A nota da ASA condena tanto as interpretações informais do valor-p – muitas vezes visto como equivalente à probabilidade de o resultado do estudo ser falso – quanto o uso indiscriminado do limiar de 5%. ( Leia a íntegra desta nota, e outras, no Telescópio da semana )

As aventuras de Hieron de Zenária

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Entre as (poucas) pessoas que acompanham com atenção minha obra ficcional, várias costumam se queixar do que consideram um "desperdício" de cenários: neste mundo de dodecalogias com volumes de 500 páginas cada, eu insisto em criar universos ficcionais aparentemente complexos e detalhados que são descartados depois de aparecer em um único mísero conto. "Você não vai voltar àquele mundo?", perguntam. E não é que eu me recuse a revisitar cenários por princípio, teimosia ou algo do gênero: é que, para mim, o mundo serve à história. Contada a história, ele perde sua razão de ser. No entanto, existe um mundo que já revisitei algumas vezes: Darach, o continente em que baseei meu cruzamento pós-apocalíptico entre a Era Hiboriana e Zotique , e onde se passam as aventuras de Hieron de Zenária, um cientista errante que percorre os reinos da Terra numa espécie de paralelo com as andanças de um certo cimério. Até hoje, visitei Darach e Hieron três vezes, em uma novela e...

Nos tempos do óleo de cobra

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Quem tem alguma familiaridade com westerns conhece a figura do vendedor de óleo de cobra: um tratante que vai de cidade em cidade, a bordo de uma carroça vistosa e colorida, vendendo preparados de composição misteriosa e duvidosa salubridade, com a promessa de curas milagrosas. Os "óleos de cobra" dos Estados Unidos representaram um desdobramento dos chamados "remédios de patente" britânicos, que originalmente deviam o nome ao fato de terem recebido cartas-patente de figuras ilustres (por exemplo, membros da família real) autorizando o uso do nome da celebridade em material publicitário. Depois, a expressão passou a ser aplicada a qualquer gororoba que tivesse um nome ou marca registrado. Os primeiros remédios de patente, datados do século XVIII, eram "elixires", soluções de ervas amargas "medicinais" em álcool. Muitos sobrevivem até hoje, mas agora vendidos cono licores, bitters ou cordiais. No lado não-alcoólico do espectro, a coca-col...

Considerações sobre a polarização

Uma coisa que costumo dizer, quando me convidam para dar palestras sobre divulgação científica, é que é possível encontrar pesquisa feita sobre praticamente qualquer tema relevante que se possa imaginar. Digo isso para sugerir às pessoas que debates acalorados não precisam ser baseados só em afeto e palavrão, mas que dá pra trazer dados à mesa. Mesmo que os dados sejam falhos, inconclusivos ou passíveis de distorção, eles pelo menos ajudam a mapear o terreno em disputa. Por exemplo: existe uma literatura ampla sobre o fenômeno social e psicológico da polarização , quando pessoas assumem atitudes extremas e se veem incapazes de levar o adversário a sério -- qualquer pessoa menos extrema ou está vendida ou é idiota. E quem está no polo oposto é vendido e idiota. É verdade que muito dessa literatura tem como foco a situação norte-americana, mas do jeito que andamos mimetizando as dinâmicas e o jargão de lá, tanto à esquerda ("empoderamento", "blackface") quanto à ...

Reprodutibilidade na economia, racismo na justiça

O Projeto Reprodutibilidade: Psicologia , que no ano passado reportou falhas na tentativa de reprodução de cerca de metade de 100 importantes experimentos da área, gerou um filhote, na economia: tentativa de reprodução de 18 experimentos laboratoriais da área  -- em que voluntários são divididos em grupos e, em interações que lembram jogos, têm de tomar decisões econômicas sob diferentes circunstâncias -- é reportada na edição mais recente da Science , e com resultados bem mais promissores que os da psicologia. Por sua vez, o periódico    Journal of Quantitative Criminology  traz um   levantamento sobre os resultados de 17 mil julgamentos realizados no Estado da Carolina do Sul, e conclui que réus negros primários, acusados de crimes leves, tendem a ser condenados a penas mais pesadas que brancos nas mesmas condições. A disparidade racial desaparece quando os réus já têm extensa ficha criminal e cometem delitos mais graves. Essas e outras notas estão no Tele...