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Mostrando postagens de setembro 9, 2012

Religião, política e seus instrumentos

Desconfio de que existem duas ou três teses de doutorado, em História ou Ciências Sociais, esperando para serem escritas, espreitando nas entrelinhas da entrevista concedida pelo cardeal Raymundo Damasceno, presidente da CNBB, e publicada no Estadão deste sábado . Seria possível presumir que, depois de o Princípe da Igreja emitir frases como "não se pode instrumentalizar a religião para obter voto" e "A Igreja não pode ter pretensões de poder", veremos o Padre Marcelo Rossi ser proibido de oferecer o púlpito a candidatos católicos , ou presidenciáveis serem barrados da missa de Aparecida ? Melhor ainda, já que a Igreja não pode ter pretensões de poder, será que o Vaticano passará a não palpitar mais na escolha de ministros do STF ? E, já que estamos nessa, vamos rasgar a concordata entre Brasil e Santa Sé ? Improvável, temo. Muito improvável. Mas, um pouco de contexto. As declarações do cardeal surgem em reação aos ataques à Igreja Católica feitos por líderes

Alavancando placebos pela acupuntura

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Anda fazendo sucesso um estudo publicado no prestigiado periódico médico  JAMA, com o título  Acupuncture for Chronic Pain , e que conclui que a acupuntura é uma intervenção "útil" no combate a certos tipos de dor crônica. Pus o "útil" entre aspas porque o efeito é extremamente sutil, com uma vantagem de meros 5% sobre o placebo -- no caso, tratamento com acupuntura falsa (usando agulhas sem ponta, enfiando as agulhas em pontos do corpo escolhidos ao acaso, etc.).  Mas, ei, 5% é melhor do que nada, certo? Bom, devagar com o andor. O trabalho lançado no JAMA  é uma meta-análise , o que quer dizer que representa uma análise estatística de diversos outros estudos anteriores, em busca de algum padrão comum presente em todos. Meta-análises são fundamentais para a Medicina, mas também é muito fácil pisar na bola ao fazê-las. Sempre há o risco de misturar estudos bons e ruins de um modo que os segundos mascarem os primeiros, ou de tentar comparar bananas com abacaxis.

Padres poloneses criam revista mensal de exorcismo

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Capa da revista, com cena do filme 'O Ritual' A fonte original da notícia parece ser a agência France Presse (AFP) . Em termos de bizarrices, ela costuma ser um pouco mais confiável que a EFE , e o negócio saiu até no Huffington Post , então, de repente, é mesmo coisa séria: uma explosão no número de ocorrências de possessão demoníaca na Polônia levou uma grande editora do país, em parceria com prelados católicos, a lançar uma revista sobre exorcismo, a Egzorcysta , nome que eu, do alto da minha profunda incompetência linguística, suponho significar " Exorcista ". O número de estreia tem Anthony Hopkins na capa. Ela sai com tiragem inicial de 15 mil exemplares. Isso é menos de 4% da circulação da Superinteressante no Brasil mas, ei, a Polônia não é lá um país tão grande assim! De acordo com os sacerdotes ouvidos pela AFP , o número de exorcismos oficiados na Polônia saltou de quatro para 120 ao longo dos últimos 15 anos, e atualmente há uma lista de espera de t

Uma agenda política humanista secular?

Cheguei há pouco de Porto Alegre, onde participei do 1° Congresso Humanista Secular do Brasil, organizado pela Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS) , onde tomei parte numa mesa sobre ceticismo, ao lado de Kentaro Mori e Horácio Dottori.  Minha avaliação geral do evento? Versão curta: quem não foi, perdeu. E muito. Perdeu, para ficar em dois dos muitos pontos altos do evento, a oportunidade de ouvir Desidério Murcho declamando Fernando Pessoa. E de ouvir o depoimento da professora transexual Marina Reidel. Ouvi-la dizer, em referência à vida pré-transformação, e dizer com a frieza factual de quem descreve o almoço da véspera -- "Nunca fui feliz" -- deveria bastar para fazer corar de vergonha multidões de pastores e ainda outros tantos arcebispos. Minha participação, para quem tem alguma curiosidade a respeito, tratou, mais ou menos como antecipei , da questão da ética da crença. Bem rapidinho: a razão não opera num vácuo. A racionalidade é como um programa de compu