Postagens

Mostrando postagens de 2015

A culpa é da falta de assunto

Imagem
Na mídia de língua inglesa, o período do verão -- onde os parlamentos e universidades se encontram em recesso, parte da população urbana fugiu para a praia e as empresas costumam conceder folgas e férias -- é chamado de silly season , ou "estação da tolice": confrontados com a crise aguda de falta de assunto causada pelo sumiço das principais fontes de pauta (políticos, pesquisadores, empresários) os jornalistas começam a apelar para qualquer tipo de bobagem a fim de vencer a angústia da página (ou tela) em branco.  O Brasil, claro, também tem sua silly season , situação agravada pelo encolhimento radical das redações, encolhimento ainda mais acentuado durante a vigência do esquema tradicional de folgas e plantões de Natal e Ano-Novo. Uma característica da estação das tolices da mídia nacional é sua queda pelo esoterismo. Você sabe que a imprensa brasileira está sem assunto quando videntes e astrólogos tomam conta dos cadernos ditos "de cultura". Lá se vão dez ano

Postagem 666: Madre Teresa

Imagem
Estava aqui dando tratos à bola em busca de uma postagem adequada para ser a 666ª deste blog, e eis que me vem a notícia de que foi autorizada a canonização de Madre Teresa de Calcutá .  Não sei que fração (se alguma) da mídia brasileira vai se lembrar da investigação que Christopher Hitchens realizou sobre o trabalho dessa freira albanesa, radicada na Índia, então deixo aqui o link para o livro e, imediatamente abaixo, o documentário em que apresentou suas conclusões (fundamentalmente, de que ela estava muito mais preocupada em salvar almas do que em salvar vidas, uma postura que teve consequências cruéis e trágicas).  E, para completar, reproduzo, abaixo, uma postagem bem antiga deste blog sobre o processo de validação de "milagres" da Igreja Católica (lembrando que já escrevi um livro inteiro sobre o assunto): "A notícia de que o Vaticano reconheceu a cura de uma freira, supostamente portadora do Mal de Parkinson, como sendo um milagre operado por intercessão

Papai Noel faz mal?

Imagem
Krampus, o demônio de Natal Entrando no clima da temporada, resolvi ler The Myths that Stole Christmas  ("Os Mitos que Roubaram o Natal") , do filósofo David Kyle Johnson. O livro apresenta alguns fatos já razoavelmente bem conhecidos: por exemplo, que os festejos do solstício de fim de ano nunca foram e nem são uma exclusividade cristã, que Papai Noel tem muito mais a ver com divindades pagãs como Pã e Odin e, até mesmo, com demônios medievais, como o Krampus , do que com São Nicolau (que, aliás, provavelmente nunca existiu, sendo uma versão cristianizada do taumaturgo pitagórico Apolônio de Tiana ). Johnson, no entanto, vai além desses mitos mais conhecidos, tecendo argumentos contra o "mito" de que as compras desenfreadas de Natal são boas apara a economia -- não são, diz ele, já que envolvem desperdício de recursos e abuso do crédito -- e atacando o caráter estressante e compulsório dos rituais de troca de presentes. Quando ele define a compra de presentes

Outro lado, controvérsias e certezas na ciência

Durante o último fim de semana, participei, em Porto Alegre, da I Jornada de Divulgação e Jornalismo Científico , organizada pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados (ILEA) e pelo Instituto de Física da UFRGS. Tinha muita gente boa lá, entre jornalistas e cientistas, e muitas questões importantes sobre a popularização da ciência no Brasil foram levantadas e discutidas, mas nas participações que fiz -- uma delas, uma mesa-redonda com outros jornalistas de ciência e cientistas que ocupam espaços na mídia -- uma questão recorrente foi a do tal "outro lado". A plateia (formada por estudantes e cientistas) queria saber, por que essa obsessão com "outro lado"? Por que a imprensa insiste em dar voz a criacionistas toda vez que fala em evolução, a negacionistas, toda vez que fala do aquecimento global antrópico, a anti-vaxxers (gente que diz que vacinas causam câncer ou autismo), toda vez que surge uma nova campanha de saúde pública? E não se trata apenas de

Livro da Astrologia: lançado!

O texto abaixo corresponde aos parágrafos inicias do meu e-book 'O Livro da Astrologia', que está sendo lançado hoje pela Amazon.com.br. Você pode adquirir e baixar o livro neste link . Para encontrá-lo nos sites internacionais da Amazon, basta fazer a busca pelo título.  Alguém certa vez disse numa rede social, e não faz muito tempo, que criticar a astrologia, nos dias atuais, é “chutar cachorro morto”. Essa é uma impressão, creio, bastante comum entre cientistas e jornalistas científicos: imagino que praticamente todo divulgador de ciência já cometeu pelo menos um artigo desmontando pelo menos um dos muitos aspectos – sem trocadilho – da falácia astrológica e, dando o serviço por terminado, foi cuidar de coisas mais relevantes, como a fobia contra os transgênicos ou a negação da mudança climática.  O problema, no entanto, é que, quando o assunto é astrologia, o serviço nunca está realmente terminado. Cícero (106 AEC-46 AEC) já havia exposto a prática ao ridículo ain

Divulgação Científica em Porto Alegre!

Imagem
Nesta quinta-feira a começa a 1ª Jornada de Divulgação e Jornalismo Científico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da qual participo com uma palestra, no fim da tarde de quinta, e depois numa mesa redonda na sexta-feira. A programação completa pode ser vista aqui , e tem um bocado de gente boa. O público-alvo da minha palestra, Divulgação e Jornalismo em Ciência: Riscos e Oportunidades , são basicamente estudantes e jovens cientistas. Quem assistiu à minha intervenção no Simpósio de Biodiversidade da Universidade Federal de Viçosa (campus Rio Paranaíba), em maio, provavelmente tem uma boa ideia do que vou abordar. É o mesmo argumento, mas com mais exemplos e ilustrações. O cartaz do evento é este, bonitão, aí embaixo:

O segundo Argos a gente nunca esquece!

Imagem
Neste último fim de semana estive no Rio de Janeiro para a cerimônia de entrega dos Prêmios Argos -- concedidos aos melhores trabalhos de fantasia, ficção científica ou terror publicados em língua portuguesa no ano anterior à premiação. Essa escolha dos "melhores" é feita pelos sócios do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) . Tive a honra de ser premiado na categoria conto, por Clitoridectomia . Esse foi um reconhecimento triplamente especial: primeiro, por se tratar de um conto publicado em formato digital; segundo, por ser uma história sobre mutilação genital feminina (o que não é o tipo de assunto que a maioria das pessoas associa à ficção científica); terceiro, porque este é o meu segundo Argos. O primeiro, de 2013, me foi concedido por No Vácuo, Você Pode Ouvir o Espaço Gritar , que de certa forma tinha uma temática mais "normal" dentro do gênero (contato com tecnologias alienígenas) e havia saído numa antologia de papel, a Space Opera 2 . Ess

Generosidade e desigualdade

Pessoas ricas são menos generosas em sociedades onde a desigualdade econômica é mais acentuada, sugere levantamento realizado nos Estados Unidos e publicado no periódico PNAS . Os autores, das universidades de Toronto e Stanford, analisaram os resultados de uma pesquisa realizada com mais de mil americanos, e que incluía a opção de se fazer uma doação real, e ainda um segundo estudo com mais de 700 voluntários e que também permitia doações. Os resultados indicam, segundo os autores, que pessoas mais ricas são, em média, menos generosas que as demais apenas em situações de desigualdade exacerbada ou de percepção exacerbada de desigualdade. “Isso desafia a visão de que os indivíduos de renda elevada são necessariamente mais egoístas”, diz o artigo, “e sugere um modo, até então não documentado, pelo qual a distribuição desigual de recursos prejudica o bem-estar coletivo”. ( Esta é uma das notas da coluna Telescópio, do Jornal da Unicamp ).

Qual seu signo?

Os signos zodiacais – a posição do Sol, da Lua e dos planetas em relação ao pano de fundo do zodíaco, tal como registrada na hora do nascimento de uma pessoa – estão entre as características mais populares da astrologia. O signo solar (a posição do Sol) é um favorito. Perguntar “qual é o seu signo?” virou um jeito de quebrar o gelo numa conversa quase tão batido quanto comentar sobre o tempo; eu apostaria que todo mundo tem pelo menos uma colega de trabalho que se declara “perfeccionista como toda boa virginiana” ou coisa parecida, e não é difícil encontrar blogueiros e colunistas de publicações “de comportamento” que assinam seus textos como “Fulano de tal, signo tal”. Poder ser um choque, portanto, descobrir que a importância dos signos zodiacais em geral, e do signo solar em especial, é o aspecto da astrologia mais consistentemente desprovado e invalidado, teste após teste, em trabalhos realizados tanto por céticos quanto por astrólogos. “Falando francamente, os signos do zodíaco nã

Fenda dupla, consciência, mente, matéria... que papo é esse?

Imagem
O físico brasileiro Gabriel Guerrer alcançou alguma notoriedade com a promoção de sua campanha no Catarse para financiar um estudo sobre a capacidade da mente humana de influenciar a trajetória de um feixe de raios laser. Segundo Guerrer, essa capacidade, se comprovada, de algum modo levaria a "uma revolução científica e cultural", permitindo "questionar se a consciência ao invés de produto final, não seria o próprio motor da evolução biológica", gerando indícios de que "não estamos limitados aos contornos do corpo humano e que em um certo sentido, o mundo de fora é uma extensão de nós mesmos". O modelo do experimento proposto pelo brasileiro é uma série de trabalhos realizada pelo parapsicólogo americano Dean Radin: parte do dinheiro requisitado por Guerrer tem por objetivo financiar um estágio no laboratório do americano. Em 2012, Dean Radin publicou, no periódico  Physics Essays, uma série de seis testes em que voluntários tentavam usar o poder da

Para explicar o mundo

Imagem
Terminei neste fim de semana uma das leituras mais fascinantes do ano, o livro To Explain the World: The Discovery of Modern Science , de Steven Weinberg. Weinberg, um dos ganhadores do Nobel de Física de 1979, que traça uma história do esforço humano para compreender a realidade física. Ele vai dos filósofos pré-socráticos a Isaac Newton. A principal linha condutora é a astronomia, e Weinberg inclui uma boa descrição dos quatro grandes modelos do sistema solar propostos ao longo dos séculos -- aristotélico, ptolomaico, tychoniano e copernicano -- e os argumentos levantados contra e a favor de cada um deles, até a vitória final de Copérnico. Essa disputa é muito discutida em certos círculos de historiadores e filósofos da ciência que se perguntam se, afinal, o modelo copernicano era mesmo o mais plausível, dados os conhecimentos disponíveis no momento em que foi finalmente adotado, no século XVII. Weinberg discute, de modo vivo, o jogo entre observação, teorias e modelos matemát

"Mercado" prevê resultado de testes científicos

Um mercado de apostas sobre quais estudos escolhidos para o “ Projeto Reprodutibilidade: Psicologia ”, que buscou confirmar as descobertas anunciadas em dezenas de artigos científicos da área psicológica – e que concluiu que menos da metade das conclusões anunciadas na literatura era reprodutível – se saiu melhor em prever esse resultado do que uma pesquisa de opinião realizada entre especialistas, aponta estudo publicado na PNAS. Enquanto o Projeto Reprodutibilidade ainda estava em andamento, cerca de 40 pesquisadores envolvidos responderam a uma pesquisa de opinião sobre qual a chance que viam de cada estudo sob escrutínio ser reproduzido. Esses mesmos pesquisadores participaram de uma bolsa de apostas, onde receberiam US$ 1 se apostassem num estudo que acabaria reproduzido, ou nada, se apostassem num estudo “errado”. A pesquisa de opinião previu o resultado do Projeto Reprodutibilidade com apenas 50% de precisão, mas a bolsa de apostas se saiu bem melhor, com o preço médio de fecham

Flores e Fúria: e-books à venda!

O editor Erick Sama me avisa de que os dois livros que lancei na Bienal do Rio deste ano -- o volume de contos Tempos de Fúria e a novela de fantasia Flores do Jardim de Balaur -- já estão disponíveis em formato e-book, para Kindle, e em breve estarão à venda em outros formatos eletrônicos, também. Os links para adquiri-los na Amazon.com.br já estão ativos nos títulos ali em cima. Quem tem conta Kindle nas "outras" Amazon (dos EUA, Reino Unido, etc.) também pode encontrá-los, basta buscar pelo título. E o que são esses livros? Escrevi sobre eles na época da Bienal, e dá pra achar a postagem inteira aqui . Mas, lá vai um resumo: Tempos de Fúria : publicado originalmente em 2005, este foi o livro que fez a minha "fama" -- seja lá o quanto disso que tenho. Foi adotado como leitura obrigatória numa importante escola de ensino médio do interior paulista, garantiu-me participação num documentário de TV sobre ficção científica nacional e rendeu minha primeira resenh

Carl Sagan versus Astrologia: uma lição

Hoje é aniversário de Carl Sagan: o astrônomo americano, idealizador original da série de TV Cosmos  e um dos mais importantes popularizadores da ciência no século 20, estaria completando 81 anos nesta data, se o câncer não o tivesse levado em 1996 . Além de divulgador da ciência, Sagan foi uma das principais vozes do movimento cético americano, que ganhou fôlego renovado a partir dos anos 70 do século passado. Quem assistiu a Cosmos  provavelmente se lembra do duro ataque desferido por ele à astrologia, no início do terceiro episódio da série (há vários clipes dessa passagem online, como, por exemplo, este aqui ). É curioso, portanto, que ele tenha se recusado a participar do manifesto contra a astrologia assinado por 186 cientistas, incluindo dezoito ganhadores do Nobel, publicado na revista The Humanist em 1975 e enviado a todos os jornais dos Estados Unidos e do Canadá: esta foi a manifestação antiastrológica mais contundente desde a publicação de Disputationes adversus ast

Videntes, "falsos" e outros

No último domingo, a Folha de S. Paulo trouxe reportagem sobre um empresário português que teria sido lesado em pelo menos R$ 50 milhões por uma falsa vidente. A primeira questão que emerge daí é qual o critério para se distinguir entre uma vidente "falsa" e uma "verdadeira". Se for o poder de ver o futuro ou de realizar operações mágicas eficazes, afirmar que existem videntes "verdadeiros" cai na mesma categoria  de afirmar que há um alienígena, vivendo na galáxia de Andrômeda, que psicografa peças de Shakespeare: uma intrigante possibilidade teórica, mas que, na ausência de provas, deve ser tratada como ficção ou bobagem, dependendo do contexto. Outra acepção possível para "vidente verdadeiro" seria alguém que, mesmo sem ter poderes reais, acredita sinceramente possuí-los. Há quem sustente que essa sinceridade, essa validação subjetiva, isenta o vidente "verdadeiro" de culpa pelos eventuais danos e prejuízos causados por sua práti

Astrologia!

Imagem
O título desta postagem ia ser "precisamos falar sobre astrologia", mas aí me lembrei de que esse "precisamos falar", além de ser um tremendo dum clichê, soa arrogante e pomposo, então desisti. Mas, enfim: falar sobre astrologia, neste momento, se não chega a ser necessário, pode ser bastante pertinente.E por uma série de motivos. O primeiro é que ela representa, com alto grau de probabilidade, a mais antiga superstição criada pela raça humana e que ainda se mantém viva e ativa, tendo deixado para trás, nas areias do tempo, colegas e concorrentes como a leitura das entranhas de pombos, a interpretação da urina dos cães e os vaticínios de pitonisas viajandonas. As mais antigas previsões astrológicas conhecidas estão gravadas em tábuas de argila da Babilônia. Compreender a longevidade desse fenômeno traz pistas importantes para o entendimento da psique humana e das relações sociais. A segunda razão, intimamente relacionada à primeira, é que, em seu duelo milena

E a tal "cura do câncer" do ex-professor da USP?

Treze anos atrás, perdi alguém muito próximo por causa de um câncer. Não vou entrar em detalhes aqui porque há sentimentos de outras pessoas a preservar, mas enfim: mesmo se fosse válido (não é), o argumento "você não pode condenar porque não sabe como é passar por isso" não se aplicaria. Então, tendo tirado esse bode da sala, sigamos em frente. "Condenar", escrevi acima. Condenar o quê? A promoção irresponsável, a distribuição inconsequente e a inacreditável liberação, em altas instâncias do Judiciário, da droga fosfoetanolamina para o tratamento do câncer.  A história toda é longa, mas em resumo: nos anos 90, um então professor de Química da USP de São Carlos (hoje aposentado), Gilberto Orivaldo Chierice, convenceu-se de que essa molécula, a fosfoetanolamina, poderia combater o câncer. Ele passou, então, a produzi-la e a distribuí-la de graça, aparentemente usando recursos e instalações da própria USP. A produção e a distribuição continuaram mesmo após a