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Mostrando postagens de junho 12, 2011

Tarados por um segredo

Pessoalmente acho que já há blogs demais tratando de política no Brasil, mas como a questão das liberdades de informação e expressão me interessa profundamente, decidi abrir uma exceção temática por aqui e fazer uma postagem a respeito da paixão, quase que soviética, pelo segredo de Estado que parece ter se apossado do governo brasileiro. Primeiro, a questão do "sigilo eterno" dos documentos ultrassecretos. Se entendi direito, a preocupação seria com a reação de países vizinhos ao comportamento do Brasil em situações como a anexação do Acre e a Guerra do Paraguai . Não sei exatamente o que dizer desse argumento -- se devo encará-lo como dissimulação canhestra (isto é, o que se pretende esconder é na verdade outra coisa) ou se como um indicador real do tipo de visão de mundo que nossos líderes têm. Difícil saber qual a situação mais assustadora. Digo, quando eu estava no ensino médio a Dona Berenice, nossa professora de História do Brasil, já ensinava que a tomada do Ac

Utopia na porrada

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Como você convence as pessoas a cooperar com estranhos? Esta é uma pergunta fácil de formular, mas bem difícil de responder. O sucesso da espécie humana é resultado direto da capacidade do Homo sapiens de confiar em, fazer sacrifícios por e cooperar com pessoas que não fazem parte de sua família.  Não se trata, é claro, de uma capacidade ampla e ilimitada -- como a epidemia de nepotismo e patrimonialismo que assola o Brasil, desde sempre, mostra -- mas o fato é que ela existe. E é, no fim, o que nos distingue das formigas. Uma explicação comum para o que permite a extensão da solidariedade humana para além dos indivíduos geneticamente ligados a cada um de nós apela para dois fatores: a evolução do cérebro e a centralização do poder. A parte sobre evolução do cérebro propõe que, quando a evolução desenvolveu, em nossa espécie, a capacidade de simpatizar com nossos pais, filhos e irmãos, ela não fez um trabalho muito bom na hora de definir limites estritos para essa simpatia. Ass

O eclipse e a forma da Terra

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Hoje ao entardecer tem eclipse da Lua: a sombra da Terra vai passar pela face de nosso satélite natural, obscurecendo-a (mas não apagando-a de todo: um pouco de luz refratada pela atmosfera terrestre ainda vai chegar à Lua, que deve assumir uma coloração de tom vermelho-escuro). Eclipses lunares são menos interessantes, do ponto de vista astronômico, que os solares, mas o eclipse da Lua tem um importante valor histórico: a forma arredondada da sombra da Terra, projetada sobre a Lua, era uma das provas de que o planeta devia ter formato esférico, citadas pelos antigos gregos. Faz sentido: se a Terra  fosse chata, como um disco, a sombra só seria redonda em ocasiões especiais -- na maior parte das vezes, ela deveria aparecer meio alongada, como uma elipse. Essa observação não só revela o prodigioso poder dos gregos para raciocínio dedutivo (determinar a forma da Terra a partir da sombra na Lua é um feito sherlockiano), como aparece numa frase geralmente atribuída ao navegador Fernã

Vamos estudar a Bíblia? (2)

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Em uma postagem anterior minha sobre o estudo não-religioso da Bíblia  (uma das mais populares do blog, aliás; sinal de que há uma demanda reprimida por esse tipo de coisa) um comentarista chamou atenção para a duplicação do milagre da multiplicação dos alimentos no Evangelho de Marcos. O primeiro trecho abaixo vem do capítulo 6: 38. Jesus perguntou: “Quantos pães tendes? Ide ver”. Eles foram ver e disseram: “Cinco pães e dois peixes”. 39. Então, Jesus mandou que todos se sentassem, na relva verde, em grupos para a refeição. 40. Todos se sentaram, em grupos de cem e de cinqüenta. 41. Em seguida, Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia dando-os aos discípulos, para que os distribuíssem. Dividiu, também, entre todos, os dois peixes. 42. Todos comeram e ficaram saciados, 43. e ainda encheram doze cestos de pedaços dos pães e dos peixes. 44. Os que comeram dos pães foram cinco mil homens. Já este aqui vem do capítu

Usando o cérebro para prever sucesso

Estúdios de cinema fazem exibições para plateias de teste; escritores, cada vez mais, apelam para "beta readers", amigos que leem as obras e dão opiniões -- espera-se -- sinceras, antes que os textos cheguem às mãos de um editor; editoras de livros têm uma reserva de "leitores profissionais" que tentam determinar as qualidades dos livros em perspectiva; editores de jornais, revistas e de websites apresentam suas propostas de reforma editorial a grupos de foco. Todos esses métodos têm como objetivo reduzir o risco envolvido no lançamento de uma obra, criando um modelo que permita prever a reação do mercado (e, eventualmente, matar um projeto destinado ao fracasso antes que ele vire um buraco negro de recursos). As falhas desse sistema são notórias: abundam casos de obras rejeitadas seguidas vezes que acabaram virando sucesso, bem como trabalhos aprovados com honra e distinção pelos grupos de teste e que acabaram fazendo tanto sucesso quanto um steak tartare numa