Por que a evolução é verdade?
Graças à magia do Kindle, terminei de ler por estes dias Why Evolution Is True, do biólogo americano Jerry Coyne, que há cerca de três anos mantém também um blog muito interessante com o mesmo nome do livro. Foi um respiro muito bem-vindo em meio às toneladas de religião e mitologia que ando digerindo ultimamente, numa espécie de ressaca bibliográfica do Livro dos Milagres (pesquisa-se uma coisa, surge uma referência a outra, e quando se nota você está lendo os evangelhos gnósticos de Nag Hammadi e especulando sobre a relação entre Dositheus e Simão Mago).
O livro de Coyne é uma exposição cuidadosa, para leigos, do estado atual da teoria da evolução e uma longa argumentação contra o criacionismo em geral. Funciona muito bem nas duas frentes.
Claro, no meu caso o autor está pregando para os convertidos, mas mesmo assim encontrei muitas informações interessantes ali, incluindo alguns casos de (aparente) seleção sexual que complementam muito bem a linha de argumentação de Jared Diamond em O Terceiro Chimpanzé e uma bela narrativa sobre
ilhas oceânicas, os tentilhões de Galápagos e os pobres pássaros sem voo da Oceania, hoje extintos.
Mas o principal mérito do livro, ao menos a meu ver, é mostrar como a evolução pode ser usada para fazer previsões -- exorcizando de vez um velho espantalho criacionista, o de que a ideia de evolução das espécies é tautológica e estéril, não-popperiana. Eu não sabia, por exemplo, que Darwin já havia previsto, com base no princípio da descendência de ancestrais comuns, que as origens da espécie humana seriam encontradas na África.
Para quem compartilha da minha ignorância: décadas antes da descoberta do primeiro australopiteco, Charlie deduzira a origem africana da humanidade ao ponderar que o ancestral comum do homem, do chimpanzé e do gorila deveria ter sido um animal africano, já que chimpanzés e gorilas são animais africanos. Subtraia-se a noção de "ancestral comum" e o raciocínio, cuja conclusão se viu confirmada pelos fatos, se desmancha.
Outras previsões confirmadas são o ordenamento do registro fóssil (formas mais simples por baixo, mais complexas por cima), a descoberta de fósseis de transição -- que abundam, a despeito da propaganda contrária -- e a confirmação, por meio da biologia molecular, do parentesco entre espécies, oras, aparentadas.
Falando em espécies, Coyne também conta como o famoso biólogo Ernst Mayr encontrou 137 espécies de pássaros na Nova Guiné, definidas de acordo com os critérios taxonômicos da ciência ocidental -- sendo que os nativos tinham 136 nomes diferentes para distinguir entre os tipos de aves da área. "Essa concordância entre dois grupos culturais com contextos muito diferentes convenceu Mayr, bem como deveria convencer-nos, de que as descontinuidades da natureza não são arbitrárias, mas um fato objetivo".
(Lendo esse trecho, não pude deixar de pensar no que diriam a respeito os meus amigos "das humanas" que se quedam embevecidos com a "enciclopédia chinesa" de Jorge Luis Borges, supostamente a prova de que "toda classificação do universo é arbitrária".)
É uma pena que o livro de Coyne não esteja disponível em português (ao menos, não o encontrei no catálogo da Livraria Cultura), enquanto que bobagens desacreditadas como A Caixa-Preta de Darwin saltitam por aí. Sei que há muita coisa legal de Richard Dawkins sobre evolução disponível no Brasil, incluindo o belo A Magia da Realidade, mas a apresentação de Coyne é, no geral, mais compacta e concisa do que, por exemplo, a de O Maior Espetáculo da Terra. Com perdão pelo trocadilho, Why Evolution Is True poderia muito bem encontrar um nicho nas estantes nacionais.
O livro de Coyne é uma exposição cuidadosa, para leigos, do estado atual da teoria da evolução e uma longa argumentação contra o criacionismo em geral. Funciona muito bem nas duas frentes.
Claro, no meu caso o autor está pregando para os convertidos, mas mesmo assim encontrei muitas informações interessantes ali, incluindo alguns casos de (aparente) seleção sexual que complementam muito bem a linha de argumentação de Jared Diamond em O Terceiro Chimpanzé e uma bela narrativa sobre
ilhas oceânicas, os tentilhões de Galápagos e os pobres pássaros sem voo da Oceania, hoje extintos.
Mas o principal mérito do livro, ao menos a meu ver, é mostrar como a evolução pode ser usada para fazer previsões -- exorcizando de vez um velho espantalho criacionista, o de que a ideia de evolução das espécies é tautológica e estéril, não-popperiana. Eu não sabia, por exemplo, que Darwin já havia previsto, com base no princípio da descendência de ancestrais comuns, que as origens da espécie humana seriam encontradas na África.
Para quem compartilha da minha ignorância: décadas antes da descoberta do primeiro australopiteco, Charlie deduzira a origem africana da humanidade ao ponderar que o ancestral comum do homem, do chimpanzé e do gorila deveria ter sido um animal africano, já que chimpanzés e gorilas são animais africanos. Subtraia-se a noção de "ancestral comum" e o raciocínio, cuja conclusão se viu confirmada pelos fatos, se desmancha.
Outras previsões confirmadas são o ordenamento do registro fóssil (formas mais simples por baixo, mais complexas por cima), a descoberta de fósseis de transição -- que abundam, a despeito da propaganda contrária -- e a confirmação, por meio da biologia molecular, do parentesco entre espécies, oras, aparentadas.
Falando em espécies, Coyne também conta como o famoso biólogo Ernst Mayr encontrou 137 espécies de pássaros na Nova Guiné, definidas de acordo com os critérios taxonômicos da ciência ocidental -- sendo que os nativos tinham 136 nomes diferentes para distinguir entre os tipos de aves da área. "Essa concordância entre dois grupos culturais com contextos muito diferentes convenceu Mayr, bem como deveria convencer-nos, de que as descontinuidades da natureza não são arbitrárias, mas um fato objetivo".
(Lendo esse trecho, não pude deixar de pensar no que diriam a respeito os meus amigos "das humanas" que se quedam embevecidos com a "enciclopédia chinesa" de Jorge Luis Borges, supostamente a prova de que "toda classificação do universo é arbitrária".)
É uma pena que o livro de Coyne não esteja disponível em português (ao menos, não o encontrei no catálogo da Livraria Cultura), enquanto que bobagens desacreditadas como A Caixa-Preta de Darwin saltitam por aí. Sei que há muita coisa legal de Richard Dawkins sobre evolução disponível no Brasil, incluindo o belo A Magia da Realidade, mas a apresentação de Coyne é, no geral, mais compacta e concisa do que, por exemplo, a de O Maior Espetáculo da Terra. Com perdão pelo trocadilho, Why Evolution Is True poderia muito bem encontrar um nicho nas estantes nacionais.
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