Ô da Folha, cadê os muçulmanos, os judeus, os mórmons, os ateus?
O jornal Folha de S. Paulo publica, neste domingo, um caderno sobre o catolicismo no Brasil. Uma das principais atrações é o resultado de uma pesquisa (divulgada também pelo irmão popular do grupo, o Agora) indicando queda na proporção de brasileiros que se declaram católicos -- não exatamente uma novidade, mas algo bom de lembrar nestes tempos de oba-oba vaticanício. Há, no entanto, algo curioso no gráfico: ele aponta "católicos", "evangélicos pentecostais", "evangélicos não pentecostais" e "espíritas kardecistas".
Por alguma mágica do Datafolha, sumiram do Brasil os judeus, os muçulmanos, os budistas, as pessoas sem filiação religiosa definida e, claro, os agnósticos e ateus.
Ora, ora. Deixe de ser implicante, seu ateu pentelho. Esses grupos não aparecem porque "dão traço" na população, como, por exemplo, faz a audiência dos canais de TV católicos. São irrelevantes demais para serem contados.
O problema com essa explicação, em tese perfeitamente razoável, é que ela é falsa. Os próprios números do Datafolha mostram isso: somando-se os valores apresentados -- 57%, 19%, 9%, 3% -- o total é de 88%. Oitenta e oito por cento. Se 12% da população, uma parcela quatro vezes maior que a de kardecistas e três pontos superior à de evangélicos não-pentecostais é "traço", alguém precisa rever seus conceitos, para citar uma frase popular. Ou esses 12% desapareceram do mapa. Milagre do papa Chico? Mas, espere um pouco, eu ainda estou aqui. No mapa. Então, não deve ser.
Ah, sim: é importante notar que a tabela publicada pela Folha (e pelo Agora) tem como título "Evolução da Religião entre os Brasileiros". Não "Evolução da Religião Entre os Cristãos Brasileiros", ou "Evolução do Cristianismo no Brasil", mas "da Religião", assim, em geral. Da onde se depreende que, para o editor do caderno, só cristianismo conta como religião, ou só os cristãos -- parte deles, na verdade -- contam como brasileiros.
Felizmente, há outras fontes de dados, menos viciadas, como o Censo 2010 do IBGE e o Pew Forum on Religion and Public Life, que durante a semana publicou uma análise honesta da evolução da religiosidade no Brasil. De acordo com o Pew, em 2010 eram cerca de 8% os brasileiros "sem religião" e 5% os de "outras religiões", incluindo-se aí os espíritas. Sendo que, na parcela mais jovem da população -- de 15 a 29 anos -- 10% já se declaram sem religião.
Os números do IBGE são bem mais detalhados. O instituto registra 8% da população em geral, ou mais de 15 milhões de brasileiros, como sendo "sem religião", grupo formado, em sua maioria, por pessoas sem filiação religiosa (mais de 14 milhões) ateus (615 mil) e agnósticos (124 mil). Para pôr essas miudezas em perspectiva, o total de ateus é 17 vezes maior que o de muçulmanos, mais de duas vezes maior que o de budistas, seis vezes maior que o de judeus, o triplo do de mórmons e ainda cerca de 20% maior que o de praticantes da umbanda e do candomblé somados.
Agora, mesmo se o uso da frase "Evolução da Religião entre os Brasileiros" tenha sido apenas um lapso -- quando, na verdade, o que se pretendia medir era a "evolução do cristianismo" -- dois problemas: um, o de que a ausência de, pelo menos, uma categoria "outros" torna a leitura deficiente, já que o pobre leitor que quiser saber qual a proporção de cristãos que pulou do barco terá de ler o caderno com uma calculadora do lado. Outro, a categoria "evangélicos não pentecostais", que está longe de ser clara.
O texto diz que ele se refere a "igrejas protestantes com séculos de existência". Mas onde essa categorização -- "evangélicos pentecostais" ou "não pentecostais" -- deixa as testemunhas de Jeová e os mórmons? Há mais de 1 milhão de testemunhas de Jeová no Brasil, afinal. E os católicos ortodoxos, que são poucos mas estão aí, entram exatamente aonde?
Seria curioso saber quantos desses 12% apagados da realidade nacional pela Folha são leitores do jornal. De acordo com o Pew Forum, 16% dos brasileiros com, pelo menos, ensino médio completo pertencem às categorias "outras religiões" ou "sem religião". É de se supor que leiam jornais -- ou que leriam, se fossem respeitados. #Ficaadica.
Por alguma mágica do Datafolha, sumiram do Brasil os judeus, os muçulmanos, os budistas, as pessoas sem filiação religiosa definida e, claro, os agnósticos e ateus.
Ora, ora. Deixe de ser implicante, seu ateu pentelho. Esses grupos não aparecem porque "dão traço" na população, como, por exemplo, faz a audiência dos canais de TV católicos. São irrelevantes demais para serem contados.
O problema com essa explicação, em tese perfeitamente razoável, é que ela é falsa. Os próprios números do Datafolha mostram isso: somando-se os valores apresentados -- 57%, 19%, 9%, 3% -- o total é de 88%. Oitenta e oito por cento. Se 12% da população, uma parcela quatro vezes maior que a de kardecistas e três pontos superior à de evangélicos não-pentecostais é "traço", alguém precisa rever seus conceitos, para citar uma frase popular. Ou esses 12% desapareceram do mapa. Milagre do papa Chico? Mas, espere um pouco, eu ainda estou aqui. No mapa. Então, não deve ser.
Ah, sim: é importante notar que a tabela publicada pela Folha (e pelo Agora) tem como título "Evolução da Religião entre os Brasileiros". Não "Evolução da Religião Entre os Cristãos Brasileiros", ou "Evolução do Cristianismo no Brasil", mas "da Religião", assim, em geral. Da onde se depreende que, para o editor do caderno, só cristianismo conta como religião, ou só os cristãos -- parte deles, na verdade -- contam como brasileiros.
Felizmente, há outras fontes de dados, menos viciadas, como o Censo 2010 do IBGE e o Pew Forum on Religion and Public Life, que durante a semana publicou uma análise honesta da evolução da religiosidade no Brasil. De acordo com o Pew, em 2010 eram cerca de 8% os brasileiros "sem religião" e 5% os de "outras religiões", incluindo-se aí os espíritas. Sendo que, na parcela mais jovem da população -- de 15 a 29 anos -- 10% já se declaram sem religião.
Os números do IBGE são bem mais detalhados. O instituto registra 8% da população em geral, ou mais de 15 milhões de brasileiros, como sendo "sem religião", grupo formado, em sua maioria, por pessoas sem filiação religiosa (mais de 14 milhões) ateus (615 mil) e agnósticos (124 mil). Para pôr essas miudezas em perspectiva, o total de ateus é 17 vezes maior que o de muçulmanos, mais de duas vezes maior que o de budistas, seis vezes maior que o de judeus, o triplo do de mórmons e ainda cerca de 20% maior que o de praticantes da umbanda e do candomblé somados.
Agora, mesmo se o uso da frase "Evolução da Religião entre os Brasileiros" tenha sido apenas um lapso -- quando, na verdade, o que se pretendia medir era a "evolução do cristianismo" -- dois problemas: um, o de que a ausência de, pelo menos, uma categoria "outros" torna a leitura deficiente, já que o pobre leitor que quiser saber qual a proporção de cristãos que pulou do barco terá de ler o caderno com uma calculadora do lado. Outro, a categoria "evangélicos não pentecostais", que está longe de ser clara.
O texto diz que ele se refere a "igrejas protestantes com séculos de existência". Mas onde essa categorização -- "evangélicos pentecostais" ou "não pentecostais" -- deixa as testemunhas de Jeová e os mórmons? Há mais de 1 milhão de testemunhas de Jeová no Brasil, afinal. E os católicos ortodoxos, que são poucos mas estão aí, entram exatamente aonde?
Seria curioso saber quantos desses 12% apagados da realidade nacional pela Folha são leitores do jornal. De acordo com o Pew Forum, 16% dos brasileiros com, pelo menos, ensino médio completo pertencem às categorias "outras religiões" ou "sem religião". É de se supor que leiam jornais -- ou que leriam, se fossem respeitados. #Ficaadica.
Carlos, um pequeno off-topic, mas é possível adquirir o livro "pura picaretagem" diretamente com você? Queria presentear meu pai com uma versão autografada. Abraço.
ResponderExcluirRodrigo, me mande um comentário com o seu e-mail (eu não o publicarei, mas verei na página de administração do blog) que entro em contato...
ExcluirCarlos, aqui está o link para a pesquisa completa do Datafolha. Provavelmente algum editor resolveu "cortar" os números e os deixou mancos.
ResponderExcluirhttp://media.folha.uol.com.br/datafolha/2013/07/22/religiao.pdf
Um abraço