Ficção bizarra

Cuddly Cthulhu dá as boas-vindas aos colegas
A foto acima mostra o meu Great Old One doméstico saudando duas peças de "weird fiction", "ficção bizarra", que saíram agora em abril e que, coincidentemente, têm participação minha: à esquerda, o livro A Ascensão de Cthulhu, da editora gaúcha Argonautas, que traz um conto que escrevi -- Caos e Eternidade, passado numa estação espacial -- e, à direita, a edição brasileira de O Rei de Amarelo, na qual colaborei com uma introdução, além de uma série de notas explicativas e comentários.

Agora, alguém pode estar se perguntando: que papo é esse, "weird fiction"? A expressão hoje está mais associada ao chamado new weird de China Miéville & colegas, mas trata-se de uma denominação mais antiga -- senão, é claro, não haveria por que usar o "new" -- e se refere a um tipo de ficção que mistura terror, fantasia e ficção científica em doses nem sempre iguais, e nem sempre de modo homogêneo, muitas vezes bastando apenas o uso de elementos de um gênero -- digamos, viagens espaciais -- para produzir um tipo de efeito emocional ou estético mais associado a outro, como o medo, geralmente associado ao terror, ou um clima de conto de fadas mais comumente ligado à fantasia.

Dá, suponho, para argumentar que a weird fiction na verdade antecede os três gêneros que entram em sua composição: é só pensar, por exemplo, no romance Frankenstein, em vários contos de Edgar Allan Poe ou no meu candidato favorito ao papel de pedra angular e obra-prima do weird, o conto Horror das Alturas, de Arthur Conan Doyle.


O new weird atraiu muita atenção alguns anos atrás, o que é bom, mas isso, de certa forma, teve o efeito de eclipsar um pouco os praticantes do old weird, o que não é tão bom assim. Talvez o maior cultor do weird old-school na segunda metade do século 20 -- e mais um candidato ao triste título de "grande escritor de quem quase ninguém ouviu falar" -- foi o britânico Basil Copper, cuja morte completou um ano, também agora em abril.

Copper escreveu um pouco de tudo: de uma série de romances policiais calcada em Raymond Chandler, a do detetive Mike Faraday, a inúmeras aventuras de Solar Pons, mas seu principal legado são seus contos e romances macabros, muitos deles na encruzilhada entre o terror e a ficção científica. Já que temos uma foto de Cthulhu na postagem, não custa lembrar que Basil Copper é o autor de Shaft Number 247, possivelmente o mais assustador conto lovecraftiano escrito depois da morte de Lovecraft -- e que ainda tem o mérito de conseguir isso sem citar (ou mostrar) nenhum monstro de nome impronunciável.

Há alguns anos saíram, na Inglaterra, três volumes com toda ficção curta da obra fantástica de Copper, que aparecem na foto acima. Um de seus contos, Camera Obscura, chegou a ser adaptado para a série Night Gallery, de Rod Serling, e outro foi lido num especial de Dia das Bruxas da rádio BBC.

Em termos estéticos, ele era um tradicionalista, quase um vitoriano: não aderia nem aos malabarismos formais tão caros à literatura "séria" moderna, mas também não caía nos truques típicos da literatura comercial. Era, na forma, um narrador à moda antiga, à la M.R. James, ainda que no conteúdo revelasse uma capacidade de mesclar temas e tropos de modo surpreendente -- o romance Necropolis, por exemplo, consegue ser gótico, holmesiano e ainda trazer algumas pitadas de steampunk reminiscentes do seriado James West.

Duas antologias de Copper publicadas pela Arkham House, From Evil's Pillow e  And Afterward, the Dark, são bem importantes em minha história literária pessoal. Tenho um apreço especial por narradores à moda antiga, e Basil Copper foi um dos maiores. Pena que não esteja mais conosco.

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