Terapias alternativas para câncer: qual o problema?

Nestes tempos de histeria fosfoetanolamínica, com um bocado de gente que deveria estar mais bem-informada embarcando na onda do "que mal que tem", do "se querem usar, que usem, e daí" e (meu favorito pessoal) "é só uma última esperança para quem já tentou tudo", chega dos Estados Unidos um trabalho que -- com uma boa dose de otimismo -- pode trazer alguma sobriedade à conversa. Fundamentalmente, é mais uma evidência de que terapias sem comprovação científica, toleradas como "alternativas e complementares" acabam, na prática, se tornando "substitutivas", com resultados trágicos.

Falando em resultados: mulheres que usam suplementos alimentares como uma forma de terapia alternativa têm mais chance de adiar -- ou, até, de rejeitar -- o início da quimioterapia contra câncer de mama, mesmo depois de o tratamento ser indicado como necessário pelo médico. Em estudo realizado pela Universidade de Columbia e publicado em JAMA Oncology, de um grupo de quase 700 mais de 300 mulheres com câncer de mama em estágio inicial e indicação de quimoterapia, 11% não iniciaram o tratamento. Dessas, 88% eram usuárias de suplementos alimentares, sendo a maioria (71%) de suplementos baseados em vitaminas e minerais. Entre as que iniciaram quimioterapia, uma taxa menor( 62%) eram consumidoras de suplementos, e uma menor ainda (27%) de usuárias de suplementos de vitaminas e minerais. A diferença entre os grupos  foi considerada estatisticamente significativa.

O artigo do JAMA Oncology segue  apontando uma correlação mais geral entre o número de tratamentos alternativos usados pela mulher e a probabilidade de ela não iniciar a quimioterapia. Os únicos tratamentos alternativos que parecem não reduzir a disposição da paciente a se submeter à terapia recomendada pelos médicos foram os classificados como "práticas mente-corpo", categoria que inclui meditação, yoga, massagens e acupuntura.

Os autores do artigo chamam atenção para o fato de que suplementos alimentares têm mais "cara de remédio" (são apresentados sob a forma de cápsulas, por exemplo) do que as práticas mente-corpo, que muitas vezes assumem a forma de comportamentos ou exercícios físicos. Além disso, muitos suplementos são vendidos "para" um órgão específico (fígado, estômago, coração), o que reforça sua identidade simbólica com medicamentos reais. "Até o momento, no contexto da oncologia de mama a maioria das intervenções baseadas em suplementos alimentares não se provou benéfica", lembra o artigo. Esse "maioria", aí no texto publicado pelo JAMA Onc., é diplomático: imagino que "totalidade" seja uma descrição mais precisa.

Os autores concluem sugerindo que os médicos perguntem às pacientes sobre o uso de terapias alternativas, e que encarem o consumo de suplementos alimentares como um indicador de que há uma chance alta de que a paciente vá se recusar a iniciar a quimioterapia, mesmo quando clinicamente indicada.

Trocando em miúdos, isso tudo quer dizer que mulheres que acreditam que tomar pílulas inúteis de vitaminas faz bem para a saúde (e, também, que abraçam coisas como florais e ervas) estão predispostas a abrir mão de um tratamento que pode salvar suas vidas.

O trabalho de Columbia não investiga a causa da predisposição, e é óbvio que recusar tratamento médico é um direito humano fundamental -- em minha opinião, até mesmo a eutanásia é -- mas um direito de livre escolha só é realmente exercido quando as opções são apresentadas de modo claro e honesto: qualquer outra coisa representa indução ao erro, talvez até fraude. E é difícil não imaginar que boa parte dessas mulheres que preferem suplementos e vitaminas à quimioterapia toma a decisão enganada: enganada por amigos, parentes, terapeutas, vendedores, pela mídia, até pelo governo.


Comentários

  1. http://genereporter.blogspot.com.br/2016/05/medicina-vs-terapias-alternativas-mal.html

    []s,

    Roberto Takata

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