A arte da da profecia, aplicada ao impeachment


Ofereço uma previsão a respeito do desfecho da tragicomédia nacional em andamento: qualquer que seja ele, algum perscrutador de horóscopos ou interrogador de baralhos será "bombado" pela ala mais irresponsável da mídia como tendo adivinhado, certeiro, o rumo atabalhoado do país. Uma busca no Google por "previsões para Dilma Rousseff" traz mais de 590 mil resultados e, surpreendendo ninguém, eles cobrem todo o mapa de possibilidades. O tema passou a crescer a partir de abril último, quando ficou claro que a abertura do processo de impeachment pela Câmara era uma possibilidade forte, e  explodiu em maio.

Começando pelas apostas dilmistas, há o registro, feito pelo iG em maio, da previsão de que Rousseff dará a volta por cima e retomará seus mandato. O autor, Yub Miranda, "bombou" (olha o verbo aí de novo) quando a súbita decisão do deputado Waldir Maranhão, de anular o processo de impeachment, pareceu validar um vaticínio seu. Acrescento que o iG não parece ter sentido necessidade de pedir a Miranda que comentasse a reversão dessa anulação, ocorrida, aliás, um dia antes da publicação da entrevista laudatória.

Sim, você leu corretamente: o portal deu ao astrólogo-tarólogo-numerólogo crédito por ter acertado uma previsão um dia depois de o efeito supostamente previsto ter sido cancelado. Mas, enfim, a palavra final de Miranda ao iG foi: "considero que ela continuará exercendo o seu direito de governar o país".

Escrevendo em outro site, logo após o pleito de 2014 que reconduziu Dilma ao Planalto -- e bem antes, portanto, da possibilidade de um impeachment se materializar --, Miranda previa que 2016 seria um ano marcado por questões financeiras (" provavelmente os maiores desafios de seu governo estarão na área da economia", escreveu ele). A grande crise do governo viria apenas em 2017, mas ainda sim Dilma estaria no poder, possivelmente reunindo "esforços de uma maneira mais enfática para cuidar dos pobres, dos doentes e dos idosos".



Na mesma época em que dava destaque a Miranda e a seu otimismo pró-Dilma, o iG publicava também as apostas mais catastróficas do médium Robério de Ogun. Dilma iria renunciar, ele disse em maio, mas Temer não governaria o país. "Não consigo ver o Michel como presidente. Isso é certeza absoluta, não erro essa previsão: ele não fica no poder muito tempo", disse. Alguns meses antes, em dezembro de 2015, ele afirmava à revista IstoÉ que "Dilma não será derrubada. Mas não deverá terminar o mandato", e que a renúncia da presidente ocorreria em agosto.

Ele se mostrou otimista com a economia, no entanto, dizendo que as "informações do plano espiritual" prometiam um 2016 "próspero para a economia e também para a sociedade brasileiras. O setor econômico deve retomar seu crescimento logo depois de passados os primeiros meses de 2016. O brasileiro de bem poderá usufruir de estabilidade em todos os campos. O pior já passou". Da onde se deduz que plano espiritual é mal informado pra caramba.

No que talvez seja um indício de influência de política editorial sobre as dimensões esotéricas, a revista Veja São Paulo publicou, em março, uma série de previsões catastróficas para Dilma e otimistas para o país -- e com quatro astrólogos se esforçando um bocado em apontar relações de causa e efeito entre uma coisa e outra.

Exemplos: "a saída dela [Dilma] antes do fim do mandato é inevitável. A partir daí, a crise econômica pode ser aliviada"; "após decisões muito importantes da Justiça, entra uma melhoria econômica bem agradável ao país"; "Baseado na astrologia horária, o mapa mostra uma oposição forte, como se ela tivesse indo na contramão dos interesses do próprio país, o que aumenta a tensão. Há uma dificuldade de manter o governo. Se ela ficar, a tendência é de um clima mais difícil, uma forte oposição que tende a aumentar". Astrólogos que buscam destaque nas publicações da família Veja, anotem a dica.



Adivinhos comprometem-se com previsões de todo tipo porque contam que as acertadas serão lembradas e as erradas, esquecidas. Como escreve o mágico Milbourne Christopher, em seu clássico ensaio sobre a matriarca e santa padroeira dos videntes midiáticos, a americana Jeane Dixon, "dispare tiros suficientes e um dia você acaba acertando na mosca".

Mas mesmo as previsões aparentemente firmes muitas vezes não são nada disso. Prestando atenção, vemos que vêm embaladas em termos evasivos, aqueles que na língua inglesa às vezes são chamados de "palavras-fuinha" -- "deve", "pode", "possível", "alguns", etc. -- que, se usados com habilidade, permitem transformar uma afirmação em seu próprio desmentido, ou vice-versa. Há ainda "frases fuinha", que parecem definitivas mas que, devidamente examinadas, querem dizer tudo, ou nada.

Por exemplo, a afirmação de que Michel Temer "não fica no poder por muito tempo". Parece uma previsão ousada, mas espere: o que "muito tempo" quer dizer, nesse contexto? Dois anos (a duração restante de seu mandato como vice-presidente) certamente não é "muito tempo". Ou isso significa que ele será derrubado antes? Ou que não disputará a eleição de 2018? Ou que, disputando-a, vai perder? Ou que, ganhando, será derrubado? A resposta é que significa exatamente o que vai acontecer, seja lá o que for.

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