Assassinatos em massa: a ciência

Publicada em 2014 pela editora acadêmica John Wiley & Sons, The Encyclopedia of Criminology and Criminal Justice traz um verbete de duas páginas e meia sobre "Mass Murders", isto é, "assassinatos em massa". Ali aprendemos que o termo é aplicado cientificamente "à matança, não-sancionada pelo Estado, de pelo menos três vítimas durante um único episódio", é às vezes considerado um sinônimo de "massacre" e se distingue de outros fenômenos de violência de vítimas múltiplas, como guerras, linchamentos, assassinatos em série e genocídios por uma série de características.

Entre elas, estão fatos como o de que o assassino em massa "tem alta probabilidade de conhecer pessoalmente as vítimas, utiliza armas de fogo e vê seus atos como um 'gesto definitivo de revolta', sem a intenção de realizar matanças futuras". Além disso, o assassino em massa tem uma chance muito maior do que outros tipos de criminoso de terminar seu crime cometendo suicídio, seja pelas próprias mãos ou sob a forma de "suicídio por policial", quando o criminoso armado ameaça as autoridades de modo a induzir a polícia a alvejá-lo.

O verbete prossegue delineando uma espécie de taxonomia dos assassinos em massa.Somos apresentados a categorias como "cidadão revoltado", "funcionário revoltado" e "atiradores escolares", mas o texto nota que a maioria dos matadores em massa -- responsáveis por 40% do total de massacres -- são os "aniquiladores de família", que "matam diversos membros da própria família. Esses crimes são frequentemente cometidos pelo chefe masculino da casa", embora também haja registros de mulheres e crianças "aniquiladoras". De qualquer modo, o caso típico citado no verbete é o de um pai de família que matou 14 parentes durante o Natal de 1987, no Arkansas (EUA).

Encyclopedia nota que esses crimes têm causas complexas, em que fatores sociais, pessoais e comunitários interagem, mas que de uma perspectiva individual parecem desencadeados pela percepção de uma "ofensa catastrófica" que "frequentemente leva a fantasias violentas de vingança".

Em artigo publicado no periódico Men and Masculinities, o mesmo pesquisador responsável pelo verbete, Eric Madfis, da Universidade de Washington, aponta que, nos Estados Unidos, assassinatos em massa são cometidos por um número desproporcionalmente grande de "homens brancos heterossexuais de classe média", adolescentes ou de meia-idade.

Analisando as possíveis causas dessa desproporção, Madfis sugere que "a relação da masculinidade heterossexual com a violência", somada à perda de posição social e de privilégios até então vistos como naturais e automáticos dessas três categorias -- homem, branco, hetero -- pode servir de gatilho para casos de assassinato em massa. Citando: "entre muitos assassinos em massa, os triplos privilégios da masculinidade branca heterossexual, que tornam as perdas  subsequentes ao longo da vida mais inesperadas e, portanto, mais vergonhosas, acabam cedendo sob os fracassos da mobilidade social descendente, e resultam num ato final de violência para evitar a masculinidade subordinada".

Também existe bastante pesquisa sobre o efeito copycat -- quando a divulgação de um crime acaba incentivando atos semelhantes -- em assassinatos em massa. Uma apresentação feita durante conferência da Associação de Psicologia dos Estados Unidos (APA, na sigla em inglês), no ano passado, levantou a questão de que fantasias violentas de vingança são bastante comuns, mas muito poucas são executadas; portanto, algum fator deveria ser responsável por "desequilibrar a balança" e levar o crime da imaginação para a realidade.

Os autores sugerem que "a identificação com assassinos anteriores, que se tornaram famosos por conta da extensa cobertura midiática (...) é um incentivo mais poderoso à violência que o estado de saúde mental ou mesmo o acesso a armas de fogo". O painel reconhecia, no entanto, que o "modelo do contágio da violência pela mídia" historicamente não era levado muito a sério, mas argumentava que estudos recentes deveriam levar a uma revisão dessa posição. O trabalho não sugeria censura, mas sim a elaboração de um guia de boas práticas para a cobertura desse tipo de evento.

Um dos artigos citados no painel como base para essa revisão foi Contagion in Mass Killings and School Shootings, publicado em 2015 na PLoS ONE. Esse trabalho aplicou dois modelos matemáticos a séries históricas de assassinatos em massa nos Estados Unidos,  um utilizando um "termo de contágio" -- que faz com que a probabilidade de novos crimes seja mais alta em períodos próximos a um massacre já consumado -- e outro, sem esse termo.

A conclusão é de que o "termo de contágio" faz com que o modelo se ajuste melhor aos dados. "Encontramos evidência significativa de que assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incentivados por eventos similares no passado imediato. Em média, esse aumento temporário em probabilidade dura 13 dias, e cada incidente incita pelo menos 0,3 novos incidentes". Os autores reconhecem, no entanto, que essa conclusão não equivale à afirmação de que a cobertura midiática é o fator desencadeante do "contágio".

"Embora nossa análise tenha sido inspirada, inicialmente, pela hipótese de que a atenção da mídia dada a eventos violentos sensacionais pode promover ideação em indivíduos vulneráveis, na prática o que nossa análise testa é se os padrões temporais nos dados indicam evidência de contágio, por quaisquer meios", diz o artigo, acrescentando que, como muitos desses eventos terminam com o suicídio do criminoso, "provavelmente nunca saberemos quem foi inspirado por atos anteriores, particularmente já que a ideação pode ser subconsciente".

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