Cidades perdidas, alfabetos estranhos



Geralmente, quando se fala em pseudoarqueologia, as pessoas pensam em deuses astronautas pairando sobre as pirâmides, egípcios ruivos emigrando para o México (ou o Peru), Atlântida, templários ou tribos perdidas de Israel na América do Norte ou, um clássico moderno, pirâmides na Bósnia. O brasileiro pode se sentir meio desvalorizado diante de tanta exuberância lá fora. Mas não há razão: existe, sim, uma pequena, porém operosa, indústria de "mistérios do passado" baseada em artefatos nacionais. Ela só é pouco conhecida.

O primeiro desses artefatos é o chamado Documento 512 da Biblioteca Nacional (de onde vem a imagem que abre esta publicação, aliás). Supostamente escrito na década de 1750, mas só vindo a público em 1839, ele narra a descoberta, por um grupo de bandeirantes, dos vestígios de uma civilização perdida no interior da Bahia.

Como relata o historiador Johnni Langer em artigo publicado na Revista Brasileira de História, a mera possibilidade de o Brasil ter abrigado um povo "avançado" de possível extração grego-romana -- a descrição da cidade perdida inclui pórticos e estátuas com coroas de louros -- causou entusiasmo na elite imperial. Citando: "Ao início da formação do novo império, a elite intelectual já demonstrava um interesse objetivo em vincular vestígios monumentais com o reinado de D. Pedro II. E essas tão almejadas ruínas poderiam simbolizar a perenidade da nação brasileira. Ao mesmo tempo, rompendo a nossa vinculação histórica com Portugal, ao demonstrar que outras civilizações europeias estiveram em nosso solo muito tempo antes".

" (...) sobre o pórtico principal da rua está huma figura de meio relevo talhada da mesma pedra e despida da cintura para cima, coroada de louro: reprezenta pessoa de pouca idade, sem barba, com huma banda atraveçada, e hum fraldelim pela cintura: debaixo do escudo da tal figura tem alguns characteres já gastos com o tempo (...)" [transcrição completa aqui]

Com isso, lançam-se diversas expedições em busca da cidade perdida ao longo da década de 1840, mas os seguidos insucessos transformam o assunto em piada. Em 1865, no entanto, uma tradução do manuscrito para o inglês aparece num livro do explorador britânico Richard Francis Burton. Quase um século mais tarde, uma paráfrase dramatizada do conteúdo do Documento 512 comporá o primeiro capítulo do livro Exploration Fawcett, reunião póstuma dos escritos do coronel britânico Percy Fawcett, que desapareceu no interior do Brasil em 1925 procurando, exatamente, uma cidade perdida.

O segundo capítulo do livro de Fawcett trata de outro artefato brasileiro -- ou supostamente brasileiro -- a "Estatueta do Brasil":


Essa curiosa peça teria sido dada de presente ao coronel por ninguém menos que H. Rider Haggard, o autor de As Minas do Rei Salomão, um prolífico e talentoso autor de fantasias sobre civilizações perdidas. A origem da peça é incerta; Fawcett diz apenas que Haggard a obteve "do Brasil", mas como o escritor, até onde se sabe, nunca esteve no país, a procedência é incerta. Se o leitor acha que a estatueta (com cerca de 30 centímetros de altura) parece muito ser uma obra moderna feita por alguém que estava tentando emular (ou parodiar) uma forma genérica de "arte nativa", bem, você não está sozinho.

Diversas (pseudo)histórias surgiram em torno desses dois objetos, algumas ligando-os, através de sugestões de que a escrita da estatueta é igual a alguns caracteres misteriosos que aparecem no manuscrito, por exemplo:






Para efeitos de comparação, aqui vai uma versão ampliada da tabuleta da estátua (ficou meio pixelado, mas acho que dá pra ver os caracteres com clareza):



Se os eruditos e exploradores da época do Segundo Império sonhavam com a possibilidade de traçar a história brasileira até tempos greco-romanos e exploradores europeus como Fawcett queriam acreditar em vestígios da Atlântida, em tempos mais recentes a "Estatueta do Brasil" levou algumas almas a imaginar que a América do Sul teria sido descoberta (e colonizada!) por povos da África Ocidental, antes da chegada dos portugueses. Há menos de um mês, o site de pseudoarqueologia Ancient Origins publicou artigo alegando que a figura da estatueta é um "membro da elite da colônia africana no Brasil".

O que só vem mostrar, diria eu, que a tentação de falsificar o passado para valorizar identidades que existem no presente, sejam elas quais forem, é universal.

Comentários

  1. Bem na minha opinião isso não tem nada haver com escrita romana..parece bem com o hebraico antigo...kkkk!Que dependendo da figura eram transliterado em palavras...aqui no Brasil a fatos não informado nos livros de história, como migração do povo Israelita e suas tribos, em terras brasileiras antes do Brasil ser descoberto pelo povo Europeu....fora o fato que à localidade do Brasil que conservam ainda o Hebraico antigo...sobreviveu mesmo com o sofrimento das mudanças, para Hebraico moderno.

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