O rebote do efeito rebote
As controvérsias públicas em torno de questões científicas que não são mais controversas entre cientistas -- como vacinação, aquecimento global, evolução -- acabaram gerando uma questão de pesquisa dentro da psicologia e das ciências sociais: por quê? Por que a população em geral parece feliz em acatar a chamada "ciência estabelecida", definida como o consenso presente dos especialistas, em inúmeras questões, mas às vezes opta por ignorá-la, agir contra ela, negá-la violentamente, fingir que ela não existe?
Não há, aparentemente, uma resposta única. A explicação default é a chamada "teoria do déficit": as pessoas negam a ciência estabelecida porque não tiveram acesso a ela, não sabem o que ela diz. A teoria do déficit muitas vezes é atacada a partir de um ponto de vista que defende um certo relativismo epistemológico: seria, digamos, politicamente incorreto insinuar (ou afirmar) que o povo é ignorante.
O problema com essa crítica é que ela veta, in limine, a possibilidade de o povo ser mesmo ignorante, e faz isso em nome de uma sensibilidade exacerbada que confunde o sentido pejorativo da palavra (burro, imbecil, grosseiro) com o meramente descritivo: ignorante é aquele que ignora algo; eu, por exemplo, sou ignorante das regras do beisebol, e de muitas outras coisas.
Mesmo descartando a crítica baseada no apelo à sensibilidade, no entanto, a teoria do déficit terá problemas, se tentarmos usá-la como uma espécie de explicação geral para a questão das falsas controvérsias e das atitudes anticientíficas: ela não dá conta, por exemplo, da existência de médicos homeopatas, de físicos que abraçam o misticismo quântico, de biólogos criacionistas, de engenheiros que negam o aquecimento global. Se a falta de contato com princípios básicos da ciência pode explicar por que certas pessoas compram florais para acalmar seus animais de estimação em noites de fogos, ela não explica o químico ou farmacêutico que produz esses florais.
A pesquisa em torno desses enigmas acabou gerando um campo de investigação que hoje existe na intersecção entre ciência social, psicologia e filosofia, a chamada science of science communicartion ("ciência da comunicação científica" ou, na sigla em inglês, SSC), sobre a qual já existe este livro, muito bom e muito caro.
O surgimento da era da "pós-verdade" e dos "fatos alternativos" acabou dando à SSC uma relevância social inesperada, e lançando um dos fenômenos mais estudados nesse campo, o chamado "efeito rebote", sob os holofotes.
"Efeito rebote" é a constatação de que, algumas vezes, quando tentamos explicar os fatos para alguém que está convencido do contrário -- evolução é um caso clássico -- a pessoa, depois de ouvir nossos argumentos, termina ainda mais convicta de seu ponto de vista errôneo. Algumas pesquisas sugerem que exposições do tipo "Verdades e mentiras sobre..." apresentam um risco elevado de causar o efeito, já que uma leitura desatenta pode levar o público a confundir as "mentiras" com "verdades". Outros estudos, no entanto, sugerem que o problema pode não ser assim tão grave.
Em meio à proeminência atual dada a "fake news" e "pós-verdade", o efeito rebote acabou se transformando numa espécie de senha niilista: a existência desse fenômeno provaria que fatos são irrelevantes, não adianta conversar, quem discorda de nós é um imbecil teimoso além de qualquer redenção, o único jeito de conversar com essas pessoas é por meio de falácias atraentes e estratégias manipulativas de marketing: franqueza, lógica e verdade são perda de tempo. Tudo isso, no entanto, não passa de distorção: o efeito rebote é um risco da comunicação baseada em fatos, não um resultado inevitável.
A mídia, que durante muito tempo promoveu essa interpretação niilista, agora começa a dar sinais de que percebeu o exagero: a mesma revista Slate que algum tempo atrás recomendava aos divulgadores de ciência que trocassem fatos por emoções nesta semana publicou uma extensa reportagem que trata o efeito rebote como um "mito" a ser superado. Outros textos jornalísticos que buscam reduzir o efeito rebote às devidas proporções também já foram publicados.
Nada disso é exatamente novidade. Diversos estudos (alguns dos quais descrevo nesta reportagem) já indicavam, há décadas, que o rebote e outros efeitos similares dependem muito do contexto e da personalidade do interlocutor. O efeito rebote não é um mito, mas também não é a prova de que filósofos e cientistas devem se enfiar de vez na torre de marfim deixar o discurso público nas mãos de celebridades e publicitários. Rebote é algo que acontece, às vezes: um obstáculo a ser reconhecido, não uma barreira intransponível.
Uma característica exasperante do ser humano é seu apego por Grandes Narrativas, por princípios que ou explicam trudo, ou não explicam nada. O déficit certamente não explica tudo, mas isso não quer dizer que ele não exista ou não seja relevante, em certos contextos; o mesmo vale para o rebote. Até as velhas listas de falácias, formais e informais (ad hominem, verdadeiro escocês, ad populum, etc.) que tanto sucesso fizeram no passado e que hoje são tão desprezadas em certos círculos, têm seu valor.
A SSC ainda está em sua infância, e o que ela tem revelado é que há perigos ocultos nas águas da comunicação científica -- não que se trata de um mar impossível de navegar. E mapear os perigos torna a navegação mais simples e segura. Não o contrário.
Comentários
Postar um comentário