A natureza humana, em três artigos da Science

A revista Science desta semana traz três artigos, todos igualmente fascinantes -- embora cada um a seu modo -- por revelarem facetas distintas mas interligadas da espécie humana. Minha primeira tendência foi elaborar uma postagem sobre cada um, mas que diabo: se eu não for integrativo aqui no blog, serei onde?

O primeiro -- que provavelmente é o que você verá nas páginas de ciência dos jornais de amanhã -- trata da expansão da humanidade a partir de sua origem na África.

Novos artefatos encontrados no que hoje são os Emirados Árabes Unidos (Dubai, aquelas coisas) indicam que seres humanos "anatomicamente modernos" (i.e., com esqueletos como o meu e o seu) já estavam lá há 100.000 anos. Isso sugere que a colonização do resto do mundo pela nossa forma particular de praga primata tenha começado mais de 40.000 anos antes do que se imaginava.

Se você está se perguntando como um bando de macacos pelados usando a tecnologia (literalmente) de ponta da foto abaixo conseguiu sobreviver no deserto -- os autores especulam que a rota pode ter sido utilizada para dar aos seres humanos acesso à Mesopotâmia e à Índia -- a resposta é uma outra pergunta: deserto? que deserto?


De acordo com os autores da descoberta, há cerca de 130.000 anos o clima da região era bem diferente: não só o mar entre a Arábia e o "Chifre da África" -- a região de Etiópia e Eritreia -- era muito mais raso, como a Península Arábica tinha vegetação abundante, rios e lagos.

Além de ser um testamento da capacidade humana de explorar, inventar e adaptar-se, a descoberta também é um lembrete de como o sucesso ou fracasso de nossa espécie estão intimamente ligados à roleta climática.

O segundo trabalho que chama atenção na Science desta semana é uma pesquisa realizada entre professores de biologia de ensino médio (high school) dos Estados Unidos que revela que 60% deles se esquivam de apresentar a evolução como um fato, e preferem usar estratégias-vaselina para lidar com o tema, como mandando os alunos estudarem porque evolução cai na prova (e não porque seja necessariamente verdade); dizendo que a evolução é apenas mais uma teoria e afirmando aos alunos que eles podem acreditar no que quiserem; ou mencionando evolução apenas no contexto celular, sem entrar na questão da origem das espécies ou da humanidade.

(Dos demais professores, 28% honram a camisa e  apresentam provas da realidade da evolução, e 13% são ratos infiltrados que fazem apologia do criacionismo.)

Assim como a descoberta da migração para a Arábia, essa pesquisa mostra como o ser humano é adaptável e como se deixa influenciar pelo clima -- ainda que, nestas circunstâncias, adaptabilidade e sensibilidade ambiental não pareçam mais características muito positivas.

O terceiro e último trabalho pode ser visto como um complemento filosófico da pesquisa sobre professores: ele mostra que crianças com menos de um ano já sabem que quem é grande e forte se dá bem e quem é pequeno e fraco se dá mal.

Como todo trabalho que tenta interpretar o que uma criança incapaz de falar está pensando, este aqui merece ser visto cum grano salis, mas a história é boa demais para que fique sem ser contada: bebês foram expostos a animações onde dois blocos antropomorfizados -- com olhos e boca -- aparecem se dirigindo ao centro da tela. Quando o bloco pequeno sai do caminho e deixa o grande passar, os pivetes mal tomam conhecimento. Quando é o grande que abre caminho, os pimpolhos quedam-se basbaques.



Essa noção instintiva de manda quem pode e obedece quem tem juízo parece emergir em algum momento entre os oito e dez meses de vida -- para, ao que tudo indica, em alguns casos não desaparecer nunca.

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