Privacidade e crime: o experimento alemão

Alegações divergentes sobre o que é melhor ou pior para uma sociedade representam um desafio para a ciência, já que a forma cientificamente óbvia de resolver a discordância -- realizar experimentos -- não raro se mostra impossível, antiética ou, em muitas ocasiões, impossível e antiética.

Essas situações às vezes podem ser contornadas por meio de chamados "experimentos naturais": basicamente, exemplos históricos de sociedades que adotaram a política em discussão e de sociedades que não a adotaram, que podem ser comparados. 

Mas a análise do experimento natural é capciosa: como não existem duas sociedades que sejam exatamente iguais, é quase sempre muito difícil isolar os efeitos da política em questão de outros fatores culturais, econômicos, políticos, etc., particulares dos grupos em análise. 

Essas dificuldades todas tornam especialmente valioso o estudo divulgado por um grupo alemão de direitos humanos mostrando que a lei europeia de retenção de dados -- pela qual empresas de telefonia e provedores de internet são obrigados a preservar registros de chamadas, visitas a websites e de trocas de e-mails para que a polícia tenha, eventualmente, acesso às informações -- não teve impacto nenhum no número de crimes graves solucionados.

(De fato, os números indicam que, enquanto a política de retenção obrigatória esteve em vigor na Alemanha, a taxa de resolução de crimes caiu, mas isso pode ser apenas uma flutuação estatística. Veja a tabela abaixo.)


O "experimento natural" alemão é excepcional porque envolve momentos muito próximos (um intervalo de poucos anos) da história de um mesmo país -- e um país que não passou por grandes transformações no intervalo estudado. Isso sugere que é plausível imaginar que outras variáveis que teoricamente poderiam confundir o resultado não tiveram um papel importante.

Mesmo crimes considerados "high-tech", como fraude de computador e lavagem de dinheiro, não viram a margem de resolução aumentar durante o período de retenção de dados. A primeira tabela abaixo é a da fraude informática e a segunda, a da lavagem:




O Brasil já pratica a retenção de dados telefônicos, e a chamada Lei Azeredo cria a retenção de comunicações eletrônicas.

Comentários

  1. O Marco civil da Internet também é uma lei de retenção de dados pessoais. Apesar da abordagem não ser criminal, os argumentos para a sua implementação são muito semelhantes à proposta da Lei Azeredo.

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  2. A natureza dos crimes eletrônicos praticados no Brasil pode ser diferente daqueles cometidos na Alemanha.

    A falácia informal de analogia fraca acontece quando você usa os resultados de um indução de um estudo para um cenário ou sociedade específica (a sociedade alemã é diferente da sociedade brasileira)e generalizada para incluir a sociedade brasileira na mesma. O estado da arte das técnicas e do modo de operar dos crimes eletrônicos diferente nos dois países.

    Creio que com a Lei Azeredo haverá um aumento estatístico significante nos casos solucionados, mas tal aumento seria irrisório frente aos possíveis danos causados pela invasão de privacidade. Acredito que com o treinamento da inteligência da polícia e com a população mais ciente sobre medidas básicas de segurança, é possível cobrir tal benefício. Por isso a Lei Azeredo é idiota e deveriam para de eleger esse deputado débil mental do PSDB.

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  3. Oi, Anônimo! Sim, eu também acho que o ganho estatístico na Alemanha pode ter sido nulo porque a polícia de lá já é boa o suficiente para resolver crimes sem precisar da invasão de privacidade (assim como países civilizados conseguem resolver mais de 90% dos homicídios sem torturar suspeitos).

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