Para relembrar Ellery Queen, o homem-labirinto
Terminei de reler há pouco The Greek Coffin Mistery, romance da fase clássica de Ellery Queen. Movido por uma certa nostalgia, republico aqui, com algumas poucas modificações, um artigo que havia escrito depois de ler o livro pela primeira vez, em 2006.
Jorge Luis Borges era fascinado por labirintos, e por isso não espanta que tenha se encantado com o trabalho de uma dupla de americanos, dois primos que também eram “Ellery Queen”.
Quem tem o prazer de entrar em contato com a obra literária de Ellery, hoje em dia, cedo ou tarde será informado de que “Ellery Queen” foi o pseudônimo adotado por dois primos, Frederic Dannay (1905-1982) e Manfred Bennington Lee (1905-1971), para entrar num concurso de romances policiais, em Nova York, em 1928. “Ellery Queen” também é o nome do detetive que resolve o caso apresentado no livro. E isso é verdade, mas não toda a verdade.
Primeiro, tanto “Frederic Dannay” quanto “Manfred B. Lee” também eram, de certa forma, pseudônimos (ou, pelo menos, “nomes artísticos”). Os primos chamavam-se Daniel Lathan e Manford Lepofsky.
O labirinto se aprofunda: de acordo com o prefácio de The Roman Hat Mystery (1929), primeira aventura publicada da dupla, “Ellery Queen” é o pseudônimo adotado por um detetive e escritor americano que vive na Itália. “Ellery Queen” já havia publicado livros “sob seu nome verdadeiro”, mas agora escolhia usar o pseudônimo porque o livro em questão é a “versão ficcional de um caso real”. O Ellery que vive na Itália, assim como seu alter-ego dentro do livro, é filho de um inspetor da polícia de Nova York. Esse inspetor, “Richard Queen” (outro pseudônimo), está na Itália, aposentado, mas estava na ativa na época dos “fatos” narrados nos livros de Ellery.
Assim, o que temos? Um detetive-escritor que escreve sobre as aventuras de um detetive que também é escritor, sendo que ambos são a mesma pessoa – ou quase, porque o Ellery do livro é uma “versão ficcional” do Ellery real. É como se você estivesse na Internet lendo um artigo sobre uma pessoa que está na Internet lendo um artigo sobre uma pessoa que está na Internet...
Barnaby Ross
Enfim, não acaba nunca. O prefácio desse primeiro livro e dos nove Ellery Queens que se seguiram imediatamente a ele era assinado pelas misteriosas iniciais “JJMcC”, supostamente um corretor da Bolsa que conhecia a família Queen e que convencera Ellery a publicar seus casos “reais” (em oposição aos casos “ficcionais” que, como romancista, ele também escrevia, para aumentar nossa confusão). As únicas informações que temos sobre a vida “real” dos Queens vêm desses prefácios. A partir do décimo-primeiro livro, “JJMcC” desaparece de cena e não volta nos mais de trinta volumes subseqüentes.
No início de sua parceria, Dannay e Lee levavam a fachada de “Ellery Queen” a sério: muitas vezes, um deles iria fazer palestras, mascarado, passando-se pelo verdadeiro Ellery. Quando a dupla criou outro autor ficcional, “Barnaby Ross”, eles marcavam palestras conjuntas de “Ross” e “Queen”, durante as quais, em meio a discussões acaloradas, “Barnaby” desafiaria “Ellery” a solucionar um enigma diante da audiência estupefata!
Tudo combinado, claro. Puro teatro. Até que, um dia, anunciou-se que “Barnaby Ross é, na verdade, Ellery Queen”...
Não apenas a identidade de Queen era labiríntica; labirínticos também eram seus enredos. Numa técnica que atingiu o ápice em The Greek Coffin Mystery (1932), Ellery Queen desenvolve o mistério de soluções múltiplas, ou o mistério em camadas – onde o detetive é induzido ao erro sucessivas vezes, cada erro trazendo, em si, uma pista para a solução certa e final. O “Mistério do Caixão Grego” tem nada menos que quatro soluções, sendo que a segunda delas representa um erro que é, como diz o próprio “JJMcC”, “a maior surra que Ellery já levou”.
Borges e Sherlock Holmes
Essa estrutura do enredo “elleryano” inspirou um ensaio ficcional de Borges, “Exame da Obra de Herbert Quain”, publicado em Ficções. O volume contém ainda dois contos enviados pelo grande autor argentino para a Ellery Queen Mystery Magazine, revista de contos policiais que existe até hoje: “O Jardim de Caminhos que se Bifurcam” e “A Morte e a Bússola”, sendo que o segundo foi rejeitado pela publicação.
Mas a capacidade de Ellery Queen como arquiteto de labirintos fica ainda mais evidente num pequeno volume hoje quase esquecido, A Study in Terror. O livro tinha tudo para ser uma obra menor, uma coisa mercenária – a “novelização” de um filme de 1965 sobre Sherlock Holmes perseguindo Jack, o Estripador.
No livro, o personagem Ellery Queen recebe um manuscrito, uma “aventura inédita de Sherlock Holmes”, escrita de próprio punho pelo Dr. Watson. O que se segue (o conteúdo do “manuscrito”) é a história do filme; esse trecho foi produzido por outro autor, Paul W. Fairman, num estilo pseudo-vitoriano. E, ao final, o Queen-personagem conclui que o estripador não é o culpado citado no manuscrito (e, por conseguinte, o que aparece no final do filme!). Queen demonstra que Holmes mentiu para Watson, para proteger...
Mas isso seria estragar a história, não é?
Esse nome sempre me perseguiu. Procuro coisas dele no Brasil, não acho. Sabe se existem?
ResponderExcluirExiste, mas só em sebo, creio. A Abril chegou a publicar pelo menos dois, "... E no Oitavo Dia" (texto de Avram davidson sobre plot de Dannay, SNME) e "Um Crime de Encomenda". Dos primeiros dez romances -- os chamados clássicos -- acho que não há nenhum, mas posso estar enganado. A revista de Ellery Queen Magazine chegou a ser publicada no Brasil (meu pai tinha a coleção completa e jogou fora...)
ResponderExcluir