Arquimedes e o mau-olhado
Reza a lenda que, lá pelo século 3 AEC., Hierão II, rei de Siracusa, na Sicília, ficou em dúvida sobre o real conteúdo de ouro de uma coroa que havia recebido de um artesão. Temendo ter sido trapaceado, ele pediu ao sábio Arquimedes que determinasse quanto ouro realmente havia na peça -- sem destruí-la no processo.
Em busca de uma solução para o problema, o grande matemático acabou descobrindo o princípio da impulsão: um corpo imerso num líquido recebe um empuxo -- uma força de baixo para cima -- igual ao peso do líquido deslocado. A dependência do empuxo em relação ao peso do líquido explica porque navios de aço flutuam, mesmo pesando várias toneladas, enquanto pregos de poucos gramas afundam: o grande volume da embarcação garante que ela desloque uma quantidade de líquido capaz de equilibrar sua enorme massa.
Aplicado ao problema da coroa, o princípio da impulsão oferece um meio de determinar a densidade dos materiais, isto é, quanto de massa existe um cada unidade de volume. A noção intuitiva de densidade é bem fácil de obter: basta imaginar dois cubos, exatamente do mesmo tamanho, sendo um de madeira e um de chumbo. O de chumbo pesa mais -- isto é, tem mais massa -- que o de madeira; logo, o chumbo é mais denso que a madeira, já que concentra mais massa num mesmo volume.
Pondo-se os dois cubos na água, o de madeira flutua e o de chumbo, não: ambos deslocam o mesmo volume de água, sendo que o empuxo gerado é suficiente para sustentar a massa menor da madeira, mas não a massa maior do chumbo. No caso da coroa, Arquimedes, em tese, poderia medir o volume de água deslocado por uma peça de ouro com o mesmo peso da coroa e, depois, pela própria coroa. Se os volumes fossem iguais, isso significaria que a coroa teria a mesma densidade do ouro puro -- um indicador razoável de que era realmente feita de ouro.
Do princípio da impulsão é possível deduzir uma regra simples: corpos menos densos que a água flutuam; corpos mais densos que a água afundam. (A densidade da água, por falar nisso, é 1kg/litro, ou 1g/ml).
Não sei como anda a educação hoje em dia, mas acho que meu primeiro contato formal com essa regra ocorreu nas longínquas trevas da infância, antes mesmo de meu décimo aniversário. Trata-se, afinal, de um princípio simples, deduzido por um dos grandes gênios da humanidade há uns 2.300 anos.
Fast-forward, Brasil, 2012. Encontro um amigo que me conta algo curioso que aconteceu na empresa onde trabalha: a execução de um processo para detectar "mau-olhado" no setor, já que algumas pessoas vinham sentindo um "clima carregado" por ali.
O método: põe-se sal num copo; completa-se o copo com água; joga-se um pedaço de carvão na água salgada. E, se o carvão boiar, é porque há influências maléficas no ambiente.
Agora, para tudo. Voltemos à lição de Arquimedes em Siracusa, dois milênios e uns quebrados atrás: se um objeto tem densidade menor que a da água, ele inevitavelmente tenderá a boiar, a despeito da presença de Lúcifer, Exu, Sauron ou Darth Vader ali, na mesma sala.
Alguns dados: a densidade do carvão vegetal comum vai de 0,31 g/ml a 0,18 g/ml, de acordo com este ensaio científico. Isto é de 70% a 80% menos que a densidade da água comum, de 1g/ml. A água salgada é ainda mais densa que a água pura. No Mar Morto, por exemplo, a densidade chega a 1,24 g/ml.
Acho que já ficou mais do que claro que o "teste" não passa de um jogo de cartas marcadas para garantir que a leitura de mau-olhado dê "positivo" -- o resultado é tão certo quanto seria jogar uma maçã para o alto e dizer que, se ela não entrar em órbita, é porque fomos todos amaldiçoados pela Bruxa Malvada do Oeste.
É evidente que testes assim garantem aos vendedores de figas, ramos de arruda, trabalhos, orações, benzeduras, fogueiras santas e descarregos em geral um fluxo contínuo de diagnósticos preocupantes que favorece a prosperidade de seus respectivos negócios. Mas a questão principal nem é essa: é o fato de pessoas com diploma universitário ficarem olhando para o carvãozinho flutuante como se ele fosse um misterioso oráculo, e não uma mera reafirmação de leis da física descobertas há 23 séculos.
E isto num país que, diz o mito, tem um Ministério da Educação.
Em busca de uma solução para o problema, o grande matemático acabou descobrindo o princípio da impulsão: um corpo imerso num líquido recebe um empuxo -- uma força de baixo para cima -- igual ao peso do líquido deslocado. A dependência do empuxo em relação ao peso do líquido explica porque navios de aço flutuam, mesmo pesando várias toneladas, enquanto pregos de poucos gramas afundam: o grande volume da embarcação garante que ela desloque uma quantidade de líquido capaz de equilibrar sua enorme massa.
Aplicado ao problema da coroa, o princípio da impulsão oferece um meio de determinar a densidade dos materiais, isto é, quanto de massa existe um cada unidade de volume. A noção intuitiva de densidade é bem fácil de obter: basta imaginar dois cubos, exatamente do mesmo tamanho, sendo um de madeira e um de chumbo. O de chumbo pesa mais -- isto é, tem mais massa -- que o de madeira; logo, o chumbo é mais denso que a madeira, já que concentra mais massa num mesmo volume.
Pondo-se os dois cubos na água, o de madeira flutua e o de chumbo, não: ambos deslocam o mesmo volume de água, sendo que o empuxo gerado é suficiente para sustentar a massa menor da madeira, mas não a massa maior do chumbo. No caso da coroa, Arquimedes, em tese, poderia medir o volume de água deslocado por uma peça de ouro com o mesmo peso da coroa e, depois, pela própria coroa. Se os volumes fossem iguais, isso significaria que a coroa teria a mesma densidade do ouro puro -- um indicador razoável de que era realmente feita de ouro.
Do princípio da impulsão é possível deduzir uma regra simples: corpos menos densos que a água flutuam; corpos mais densos que a água afundam. (A densidade da água, por falar nisso, é 1kg/litro, ou 1g/ml).
Não sei como anda a educação hoje em dia, mas acho que meu primeiro contato formal com essa regra ocorreu nas longínquas trevas da infância, antes mesmo de meu décimo aniversário. Trata-se, afinal, de um princípio simples, deduzido por um dos grandes gênios da humanidade há uns 2.300 anos.
Fast-forward, Brasil, 2012. Encontro um amigo que me conta algo curioso que aconteceu na empresa onde trabalha: a execução de um processo para detectar "mau-olhado" no setor, já que algumas pessoas vinham sentindo um "clima carregado" por ali.
O método: põe-se sal num copo; completa-se o copo com água; joga-se um pedaço de carvão na água salgada. E, se o carvão boiar, é porque há influências maléficas no ambiente.
Agora, para tudo. Voltemos à lição de Arquimedes em Siracusa, dois milênios e uns quebrados atrás: se um objeto tem densidade menor que a da água, ele inevitavelmente tenderá a boiar, a despeito da presença de Lúcifer, Exu, Sauron ou Darth Vader ali, na mesma sala.
Alguns dados: a densidade do carvão vegetal comum vai de 0,31 g/ml a 0,18 g/ml, de acordo com este ensaio científico. Isto é de 70% a 80% menos que a densidade da água comum, de 1g/ml. A água salgada é ainda mais densa que a água pura. No Mar Morto, por exemplo, a densidade chega a 1,24 g/ml.
Acho que já ficou mais do que claro que o "teste" não passa de um jogo de cartas marcadas para garantir que a leitura de mau-olhado dê "positivo" -- o resultado é tão certo quanto seria jogar uma maçã para o alto e dizer que, se ela não entrar em órbita, é porque fomos todos amaldiçoados pela Bruxa Malvada do Oeste.
É evidente que testes assim garantem aos vendedores de figas, ramos de arruda, trabalhos, orações, benzeduras, fogueiras santas e descarregos em geral um fluxo contínuo de diagnósticos preocupantes que favorece a prosperidade de seus respectivos negócios. Mas a questão principal nem é essa: é o fato de pessoas com diploma universitário ficarem olhando para o carvãozinho flutuante como se ele fosse um misterioso oráculo, e não uma mera reafirmação de leis da física descobertas há 23 séculos.
E isto num país que, diz o mito, tem um Ministério da Educação.
um frasco cheio de água em cima de uma balança. E dentro deste frasco uma gaiola, cujas paredes são de uma tela que garante a passagem de água de dentro pra fora livremente, suspensa por cimae sem encstar no frasco. Diante destas condições, eu jogo um objeto de 10ml que pesa 30g dentro da gaiola. Qual será o peso do sistema indicado na balança?
ResponderExcluirÉ bem isso que acontece mesmo. Vejo exemplos de pessoas que fazem curso superior comigo que acreditam em astrologia e coisas assim.
ResponderExcluirEu contrataria o cara para tirar o mau-olhado de minha empresa, com a condição de só pagar depois de ver o mesmo carvãozinho afundar, mostrando que não há mais "influências maléficas" no ambiente.
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