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Mostrando postagens de janeiro 23, 2011

Privacidade e crime: o experimento alemão

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Alegações divergentes sobre o que é melhor ou pior para uma sociedade representam um desafio para a ciência, já que a forma cientificamente óbvia de resolver a discordância -- realizar experimentos -- não raro se mostra impossível, antiética ou, em muitas ocasiões, impossível e antiética. Essas situações às vezes podem ser contornadas por meio de chamados "experimentos naturais": basicamente, exemplos históricos de sociedades que adotaram a política em discussão e de sociedades que não a adotaram, que podem ser comparados.  Mas a análise do experimento natural é capciosa: como não existem duas sociedades que sejam exatamente iguais, é quase sempre muito difícil isolar os efeitos da política em questão de outros fatores culturais, econômicos, políticos, etc., particulares dos grupos em análise.  Essas dificuldades todas tornam especialmente valioso o estudo divulgado por um grupo alemão de direitos humanos mostrando que a lei europeia de retenção de dados -- pela qual emp

A guerra do quilo

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O website da revista Nature traz uma interessante reportagem sobre os debates em torno da definição do quilograma . Ao contrário de outras unidades fundamentais, como o segundo ou o metro, o quilo ainda não tem uma definição tirada diretamente das leis da natureza: um quilo é definido, oficialmente, como a massa de um pedaço de metal mantido num cofre em Sèvres, na França (e que você vê ao lado). Essa definição, digamos, empírica é um tanto quanto complicada: como diz o texto da Nature , se o bloco-padrão perder uma lasca de, digamos, um grama, todos os outros quilos do mundo passarão automaticamente, e por definição, a pesar na verdade 1,001 kg.  Imagine a confusão na fila do pãozinho. (Sim, estou misturando vergonhosamente os conceitos de massa e peso. Desculpas aos puristas.) A situação do quilo é bastante primitiva se comparada à do segundo -- definido como o tempo consumido numa série de vibrações de um átomo de césio -- e do metro, definido como o espaço percorrido por um

E agora, para um pouco de matemática...

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De quantas maneiras diferentes -- e sem repetição -- é possível somar números inteiros positivos para produzir o número 4? São cinco: 4 3+1 2+2 2+1+1 1+1+1+1 Por causa disso, os matemáticos dizem que o número 4 tem cinco partições ou, resumindo, p(4) = 5. Se você se lembra o suficiente das aulas de matemática do ensino médio, a notação ao final do parágrafo acima deve lhe parecer familiar: é o tipo de simbolismo usado para definir  exprimir uma  função . No caso, a função p(x) dá o total de partições do número "x". Funções são máquinas que associam um número a outro, sempre de acordo com uma regra preestabelecida. Por exemplo, podemos definir a função "idade", ou i(x), como sendo a que informa qual será a idade de uma pessoa nascida no ano "x" em 31 de dezembro de 2011. Assim, i(1971) = 40. (Para cair na definição mais precisa de função , diz-se que ela associa os elementos de um conjunto -- o domínio -- aos elementos de outro conjunto -- o c

Os borgs entram no debate sobre a ditadura brasileira

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Desculpe a irrelevância do tema, mas o fato é que nesta sexta-feira o ilustre jurista Ives Gandra usa os borgs de Jornada nas Estrelas  como metáfora, em um artigo publicado na Folha de S. Paulo em que se manifesta contrário à abertura de investigações sobre os crimes da ditadura brasileira de 1964-1985. A ideia geral é a de que os alienígenas cibernéticos que se espalham pela galáxia assimilando -- isto é, convertendo em criaturas iguais a eles mesmos -- os demais povos podem ser vistos como uma metáfora das ideologias de esquerda, que estariam tentando "assimilar" a história brasileira. É uma leitura interessante, mas cá para mim me pôs a pensar: se os borgs representam um grupo dentro da história humana, que grupo seria esse? Seriam os comunistas realmente bons candidatos? Não nego que o marxismo tenha aspirações "borgianas", por assim dizer, mas elas me parecem muito mal realizadas. Até onde se sabe, a Coreia do Norte não está assimilando muito bem os viz

A natureza humana, em três artigos da Science

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A revista Science desta semana traz três artigos, todos igualmente fascinantes -- embora cada um a seu modo -- por revelarem facetas distintas mas interligadas da espécie humana. Minha primeira tendência foi elaborar uma postagem sobre cada um, mas que diabo: se eu não for integrativo aqui no blog, serei onde? O primeiro -- que provavelmente é o que você verá nas páginas de ciência dos jornais de amanhã -- trata da expansão da humanidade a partir de sua origem na África. Novos artefatos encontrados no que hoje são os Emirados Árabes Unidos (Dubai, aquelas coisas) indicam que seres humanos "anatomicamente modernos" (i.e., com esqueletos como o meu e o seu) já estavam lá há 100.000 anos. Isso sugere que a colonização do resto do mundo pela nossa forma particular de praga primata tenha começado mais de 40.000 anos antes do que se imaginava. Se você está se perguntando como um bando de macacos pelados usando a tecnologia (literalmente) de ponta da foto abaixo conseguiu sob

Assembleia Estelar vem aí

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Está previsto para fevereiro o lançamento da antologia de ficção científica de temática política da editora Devir, Assembleia Estelar , que contém, entre outros, o meu conto Questão de Sobrevivência . Essa história foi uma das favoritas entre os leitores que tiveram contato com a minha antologia Tempos de Fúria , lançada em 2005 pela Novo Século. Ela descreve as manobras políticas que um líder de sem-teto é  levado a fazer para navegar entre as vaidades do partido a que seu acampamento é ligado e as necessidades reais dos moradores do lugar. Num tom mais ou menos profético, a narrativa, escrita em 1999, se passa alguns anos depois da "guerra dos morros do Rio". (Escrever ficção científica às vezes não requer muita coisa além de enxergar o óbvio. Se você ficou curioso a respeito do conto, sugiro que adquira o Assembleia e ajude o Orsi a pagar o condomínio, já que não recebo nenhum tostão furado pelas vendas da Novo Século -- é do contrato, não reclamo, apenas constato.)

Faça você mesmo o seu creme facial

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Em seu livro Bad Science (que já comentei rapidamente aqui em outra postagem),  jornalista e médico inglês Ben Goldacre oferece ao leitor uma espécie de cartilha das formas como o linguajar científico é usado por publicitários, jornalistas, políticos, etc., para empurrar bobagens goela abaixo do público. Imagino que o livro dificilmente sairá no Brasil -- se não por outro motivo, muitos dos exemplos que Goldacre usa estão intimamente ligados à vida do Reino Unido -- mas o trecho sobre cosméticos é interessante demais para deixar passar (e, além disso, ele dá uma receita de creme facial que você pode fazer na cozinha.) Para começar: o que um creme facial faz? Ele hidrata. Só. (Óquei, talvez ele perfume um pouco, também). Não importa se você usa hidratante genérico ou a gosma cor de madrepérola em pote dourado, importada de Paris. O único efeito concreto do creme é hidratação. Goldacre diz que, durante algum tempo anos anos 90, a indústria dos cosméticos imaginou ter realmente enco

Novo recorde: avistada galáxia apenas 480 milhões de anos após o Big Bang

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Análise de uma imagem feita pelo Telescópio Espacial Hubble revela a presença de uma galáxia 480 milhões de anos após o Big Bang, quando o Universo tinha apenas 4% de sua idade atual. Esta galáxia torna-se o mais antigo objeto conhecido pelo homem. Um retrato dela aparece abaixo, devidamente localizado dentro da imagem de campo ultra profundo do Hubble (o "HUDF" do título em azul dentro do quadro significa exatamente "Hubble Ultra Deep Field"): A preponderância da evidência sugere que o que chamamos de "Universo" teve início há 13,7 bilhões de anos, quando o tempo e o espaço começaram a crescer a partir de um ponto único. (A ideia de que a expansão do Universo implica uma expansão do próprio espaço  não é exatamente uma das mais fáceis de assimilar. Muita gente ainda imagina que o Big Bang representou simplesmente o nascimento da matéria dentro de um espaço previamente vazio.) Cientistas fazem uma boa ideia -- ou, ao menos, têm uma teoria razoavel

Fobia de vacina: o que é importante saber

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Algumas das maiores conquistas da espécie humana, como a erradicação da varíola, a virtual erradicação da pólio e o fato de a esmagadora maioria das crianças que vão à escola hoje não terem coleguinhas que ficaram cegos por terem contraído sarampo são fruto direto das campanhas de vacinação em massa. Além de imunizar o indivíduo vacinado, a vacinação em larga escala produz ainda um efeito conhecido como "imunização de manada", no qual mesmo pessoas que não tenham recebido a vacina se beneficiam, ao viver em comunidades onde os membros vacinados operam como "escudos", efetivamente criando um cordão de isolamento que a doença não consegue atravessar. Esse efeito, no entanto, vem se diluindo. São cada vez mais comuns informes vindos de países como EUA ou Canadá em que bebês -- ainda jovens demais para terem sido vacinados -- sucumbem a doenças de que a atual geração de médicos só ouvir falar nos livros de história, basicamente porque seus vizinhos recusaram-se a va

Urano, 25 anos atrás

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A imagem acima é o crescente do planeta Urano, fotografado pela sonda Voyager 2. Essa nave foi o único artefato humano a visitar o planeta, o que aconteceu há 25 anos -- em 24 de janeiro de 1986. Com cerca de 500 planetas já descobertos fora do sistema solar, às vezes é fácil esquecer como os nossos vizinhos são pouco conhecidos. Urano foi o primeiro planeta descoberto por telescópios e não por observação a olho nu do céu. Foi encontrado por William Herschel em 1781. Hoje em dia, com o Telescópio Espacial Hubble produzindo imagens de galáxias localizadas quase na aurora dos tempos, é difícil imaginar o tamanho do impacto que a descoberta de Urano causou. Herschel inicialmente imaginara ter encontrado um novo cometa, e apenas após uma série de observações acabou convencendo-se de que havia achado um planeta, além da órbita de Saturno. Nas palavras dos astrônomos Roger Culver e Philip Ianna, "em uma noite, Herschel expandiu as fronteiras do sistema solar em mais de 1 bilhão de

Além da Vida: mediunidade ou leitura a frio?

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Aproveitando o feriado paulistano, hoje vou falar um pouco de cinema. No domingo, fui assistir a Além da Vida ( Hereafter ), de Clint Eastwood, com Matt Damon. Artisticamente é um ótimo filme, com uma fantástica direção de atores e cenas de cortar o coração. Psicologicamente, é uma exploração delicada dos sentimentos das pessoas que perdem entes queridos. Já em termos filosóficos -- e científicos -- o filme é um tanto quanto dúbio: ficamos sem saber até que ponto estamos vendo as convicções do diretor (e/ou do roteirista) refletidas na tela, ou até que ponto somos apenas observadores neutros de uma série de eventos na vida dos personagens, apresentados da forma como os personagens os interpretam. O personagem de Matt Damon é um homem seriamente convencido de que tem o poder de falar com os mortos, e uma cientista consultada pela jornalista Marie LeLay (interpretada por Cécile de France) diz que a constância das imagens das experiências de quase-morte (luz intensa, etc.) sugere q

Memória da água: seria a poliágua revisitada?

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A postagem anterior, sobre a campanha 10²³, já ia um pouco longa demais, e por isso resolvi deixar para tratar do assunto da memória da água num texto à parte -- este aqui. Como escrevi abaixo , diluições homeopáticas são tão grandes que, no produto final que chega às mãos do paciente, raramente resta uma única molécula capaz de produzir efeito biológico. Uma teoria proposta para contornar essa dificuldade é a da "memória da água": de algum modo, a informação sobre a substância anteriormente presente em solução ficaria codificada na estrutura do líquido, e poderia ser recuperada mais tarde, no corpo do paciente -- como se a água fosse um DVD e o organismo humano o DVD player, digamos. A ideia tem uma certa plausibilidade superficial. Água é uma substância singular. Gelo se expande, por exemplo, contrariando a regra de que o frio contrai os corpos. Além disso, a molécula de água tem polos elétricos, o que pode gerar alguns efeitos bizarros (deixe um fio bem fino de água

Brasil entra na campanha 10²³: homeopatia é feita de nada

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Você talvez já tenha notado que anualmente, em alguns países do mundo, grupos de pessoas se dirigem a locais públicos e se submetem voluntariamente a "overdoses" de homeopatia -- emborcando de uma vez o conteúdo de frascos inteiros de medicamentos homeopáticos. Pois bem: neste ano, quem quiser brincar no Brasil também vai poder. O website brasileiro do movimento 10²³: Homeopatia é Feita de Nada entrou oficialmente no ar neste domingo, e a manifestação está marcada para o fim de semana de 5 e 6 de fevereiro. A "overdose" coletiva deve ocorrer às 10h23 da manhã, claro. O objetivo da campanha é conscientizar as pessoas de que a esmagadora maioria das fórmulas homeopáticas não passa de puro veículo -- água, álcool ou, no caso das pílulas, lactose -- sem absolutamente nenhuma molécula de princípio ativo . Esse fato deriva diretamente da "Lei dos Infinitesimais" inventada (os homeopatas preferem "descoberta") pelo criador da homeopatia, Samuel H