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Mostrando postagens com o rótulo estatística

Sorte, riqueza e a ilusão do controle

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Sorte e acaso são termos que andam meio fora de moda. O ser humano sempre gostou de ter algum senso de controle sobre seu destino, e as atuais teologias da prosperidade, somadas à enxurrada de literatura de autoajuda, só fizeram agravar o processo, vendendo uma supersticiosa ilusão de controle às massas afoitas. Claro, não se trata de dizer que a sorte é tudo  -- preparação, empenho, senso de oportunidade, clareza de visão... tudo isso tem um papel, e um papel importante. Mas é preciso reconhecer como é forte a tentação de se cair no extremo oposto: achar que todas as coisas que ocorrem, acontecem por algum motivo. Que as pessoas sempre e inevitavelmente merecem o que acontece a elas, seja fortuna ou desgraça. Em termos teológicos, substitui-se a doutrina paulina da graça -- segundo a qual Deus distribui dores e recompensas de modo inescrutável -- por uma visão supersticiosa, quase mecanicista, do funcionamento dos céus: feitos tais e tais sacrifícios (seja um holocausto d...

Telefone celular, seu cérebro e o noticiário seletivo

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Acho que quase todo mundo viu ou ouvir falar, na semana passada, deste despacho da agência inglesa Reuters sobre um estudo que indica que o uso de telefones celulares aumenta o fluxo de sangue no cérebro, especificamente do lado da cabeça onde o aparelho está encostado. Embora o texto tenha tido o cuidado de informar que o "impacto na saúde não está claro", está claro que a frase deixa, no ar, a noção de que algum impacto na saúde há de haver. Curiosamente, no entanto, não vi em nenhum dos grandes "outlets" nacionais de mídia a repercussão deste press-release da Universidade de Manchester , dando conta de um levantamento estatístico que procurou alguma correlação entre a disseminação do uso do celular na Inglaterra e o número de casos de câncer de cérebro. Os cientistas usaram dados de 1998 a 2007. O que eles encontraram? Nichts. Niente. Nichego. Rien. Nishto. Nothing. Nada. (Em alguns pontos da web brasileira mais -- com o perdão do trocadilho -- antenados ...

Estudar mais pode ser bom para a sua saúde

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Eis aqui uma curiosa correlação estatística que pesquisadores da Universidade Brown, nos EUA, encontraram: entre anos de estudo e saúde. Resumindo: uma pesquisa que acompanhou 3.890 pessoas, ao longo de 30 anos, mostrou que homens com 17 anos de escola ou mais têm menor índice de massa corporal, bebem menos e fumam menos que homens com menor escolaridade.  No caso das mulheres, o impacto é ainda mais dramático, com uma redução de mais de 3 pontos de pressão sistólica nas que fazem ensino médio, em comparação com as que não completaram essa etapa, e de 2 pontos extras nas que vão à faculdade. Para os homens, a o ganho em pressão é de 2 pontos por terminar o ensino médio, sem benefício mensurável na educação superior. De acordo com os autores do trabalho, publicado no periódico online BMC Public Health , mesmo quando variáveis como condição econômica e idade foram controladas, a correlação se manteve. Quando o controle aplicado foi de estilo de vida -- se a pessoa, independent...

Fazendo média com a média

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A mais recente edição da Scientific American americana traz uma nota provocativa assinada pelo matemático John Allen Paulos , com o título Por que Você Provavelmente é Menos Popular Que Seus Amigos . O motivo, explica Paulos, é simples: pessoas muito populares tendem a atrair um grande número de amigos, e é mais provável que um pobre mortal como eu ou você sejamos parte do "rebanho" compartilhado por umas poucas figuras supersimpáticas do que estarmos, nós mesmos, no rol dos polarizadores de popularidade. O mesmo raciocínio se aplica ao Twitter: você provavelmente tem menos seguidores do que a maioria das pessoas que você segue. Por quê? Porque é mais provável que você seja uma pessoa comum que acabou atraída para alguns grandes agregadores -- celebridades, universidades, jornais -- do que você, pessoalmente, ser um grande agregador. O que gera a situação paradoxal de o usuário médio do Twitter ter uma lista de seguidores com menos nomes do que a  média . O parágraf...

Regressão estatística e ciências humanas: atração fatal

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É possível usar uma equação matemática para prever que países correm mais risco de sofrer violência interna contra o Estado? Andam dizendo que sim : a corporação Milcord afirma ter desenvolvido um "modelo de regressão" que analisa diversos dados publicamente disponíveis e prevê o risco de intensificação da violência política em todo o mundo, entre 2010 e 2014. Regressão, hum? Continue lendo. No dia 7 de janeiro de 2012, quando estiver completando um ano, este blog receberá exatamente 5.847 visitas. Com base em quê afirmo disso? Num modelo de regressão. Para fazer esse tipo de análise, você pega um conjunto de dados (por exemplo, o número de visitas ao blog a cada dia) lança-o num gráfico, traça uma curva que passe por todos os pontos -- ou, ao menos, bem perto da maioria deles -- e pede ao computador que deduza uma equação capaz de produzir exatamente aquela curva (ou uma aproximação razoável). Aí (esta é a parte bonita da história) você usa a equação para descobrir as ...

O planeta habitável que talvez não esteja lá

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No ano passado, em plena corrida eleitoral, escrevi uma matéria que, durante algumas horas, foi a mais lida de todo o estadão.com.br, superando até mesmo o circo Serra/Dilma: tratava-se da descrição da descoberta de Gliese 581g , um planeta com cerca de 4 vezes a massa da Terra e que é potencialmente habitável. Mas, como dizem os latinistas, sic transit gloria mundi : algum tempo depois, a existência do planeta foi posta em dúvida por outra equipe de astrônomos (o que também noticiei dilgentemente ). Vários meses mais tarde, análise estatística feita por um terceiro astrônomo, não envolvido com nenhuma das duas equipes anteriores, sugere que a chance de Gliese 581g realmente existir é de parcos 0,002%. Situação que deve deixar muita gente coçando a cabeça. Digo, como é possível não ter certeza de se um planeta existe? Essas coisas são enormes, e Gliese 581g é maior que a Terra , ora bolas. Uma coisa é não saber onde estão as chaves de casa, outra é perder uma massa equivalente a...

Saúde, jornalismo e a febre da correlação

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A frase, creio, é do colunista britânico Ben Goldacre : a missão do jornalista que escreve sobre saúde é dividir todas as substâncias do Universo, sejam de origem animal, vegetal ou mineral, em duas e apenas duas categorias: as que causam câncer e as que evitam câncer. A piada é boa e, tendo militado um pouco na área, não tenho como negar que contém aquele grão de verdade que define as formas mais sofisticadas de humor, transmutando o mero chiste em valioso  insight . Neste caso específico, há, de fato, múltiplos insights . O primeiro é de que esse jogo de "provoca/evita" não é difícil de fazer, principalmente quando se perde de vista a velha máxima de que "correlação não é causação" -- isto é, de que coisas que variam de forma semelhante ao longo do tempo não estão necessariamente relacionadas por causa e efeito. Veja, por exemplo, o gráfico abaixo: Ele mostra que o número de mortes por câncer no Brasil aumentou junto com crescimento da economia ao longo de ...