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Mostrando postagens de maio 1, 2011

Ora, direis, ouvir arcebispos...

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Há muito o que celebrar na decisão histórica do STF sobre a união estável de pares homossexuais, mas aqui eu gostaria de fazer um comentário sobre uma questão paralela, relacionada à cobertura do julgamento pela imprensa: por que, sempre que o Supremo tem que decidir algo sobre direito dos homossexuais ou alguma questão de ética médico-científica (como no caso das células-tronco), os jornalistas correm para entrevistar arcebispos católicos? Em parte pode ser o cacoete do "outro lado", o princípio de que todo fato importante ou opinião momentosa deve vir acompanhado por uma avaliação negativa, um contraponto. Na encarnação anterior deste blog eu já havia criticado a busca irracional pelo "outro lado", que muitas vezes leva a imprensa a abrir espaço para criacionistas ou maníacos antivacinação. Mas reconheço a importância do princípio: em casos como a decisão do STF, ele pode ajudar a pôr os fatos em perspectiva e a evitar o jingoísmo -- a celebração unânime de u

No campo gravitacional da Terra, pi não é o que costumava ser

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A Nasa anunciou nesta quarta-feira os resultados do satélite Gravity Probe B, que confirmaram (mais uma vez) que as previsões mais malucas de Einstein a respeito da forma como a gravidade afeta a geometria o espaço estavam perfeitamente corretas. (Esse tipo de revelação agride um pouco meus instintos jornalísticos: notícia, dizem os veteranos da profissão, é quando o homem morde o cachorro; cachorro morder homem é um evento ordinário. Eu deveria, então, esperar para publicar um resultado experimental que provasse que Einstein estava errado ...) Embora um tanto quanto frustrantes e já obsoletas (detalhes, aqui ) as observações do GP-B merecem destaque pelo apuro técnico do experimento -- baseado nas mais perfeitas esferas já criadas pelo homem, que me perdoem os fãs dos crânios de cristal -- e, ao menos do meu ponto de vista, evidentemente idiossincrático, pela demonstração de como o valor de pi varia na presença de um campo gravitacional. Agora, você talvez esteja achando isso t

Dieselpunk'd!

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Foi anunciada nesta manhã a lista de histórias selecionadas para a antologia Dieselpunk , organizada por Gerson Lodi-Ribeiro para a Editora Draco e, yep!, estou nela. Confesso que estava apreensivo: ano que vem faz 20 anos que uma obra de ficção minha foi aceita, pela primeira vez, para uma publicação profissional, e é de se imaginar que, de lá para cá, eu tivesse ficado um pouco mais blasé no tocante a aceitações e rejeições. Mas A Fúria do Escorpião Azul , minha submissão para a DP , é um caso especial: talvez seja meu trabalho completo mais ambicioso -- sob certos aspectos, como na manipulação do tempo narrativo, mais até do que o romance Guerra Justa (publicado pela mesma editora e, <plim-plim> à venda no link do canto superior direito desta página</plim-plim>). Imagino que os leitores que frequentam este blog pelo conteúdo polêmico/político/científico e que tiveram a gentileza de continuar lendo até aqui estejam um pouco intrigados com o título da antologia, &quo

Pondo cada coisa em seu devido lugar: o papel da intuição

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Passe tanto tempo quanto eu batendo na tecla de que os métodos da ciência são a única rota razoavelmente segura para a verdade e o conhecimento ou, pior ainda, defendendo o Princípio de Clifford (proposto pelo matemático britânico William Clifford, no século XIX), segundo o qual aceitar uma alegação como verdadeira sem prova suficiente é perigoso e   imoral , e você encontrará não uma, mas diversas vezes, variações da objeção do Asno de Buridan. Para quem não conhece, esse é um asno fictício que teria morrido de fome porque era incapaz de decidir entre dois montes de feno (ou moitas na beira da estrada) igualmente apetitosos. A ideia é a de que esperar por prova suficiente, ainda mais por prova científica , antes de formular um juízo ou tomar uma decisão raramente é prático. As pessoas precisam contar com a intuição, o feeling , o palpite, senão ninguém sairia da cama nas manhãs de inverno. O Princípio de Clifford seria um ideal ético tão impraticável quanto o mandamento de vender tu

Dois corações batendo como se fossem um...

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Quer que o coração do seu amor bata em sincronia com o seu? Comece a caminhar sobre brasas ardentes na frente dele (ou dela). Resultado de um estudo realizado na Espanha e publicado, nesta semana, pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (a popular PNAS ) mostra que o ritmo cardíaco de parentes e "amigos íntimos" (categoria que, suponho, deve incluir namorados), presentes à plateia, de pessoas que participaram de um ritual de caminhada sobre brasas ardentes -- mais especificamente, que passearam descalças sobre uma pista de 7 metros de brasas a 677° C -- entrou em sincronia com o dos voluntários que encaravam as chamas. Caminhar sobre brasas é, claro, um truque antigo e sobejamente explicado pela ciência. O que torna possível caminhar sobre brasas a 677° C são exatamente os mesmos princípios que tornam impossível caminhar sobre uma chapa de aço aquecida à mesma temperatura: capacidade e condutividade térmica. Capacidade térmica é o quanto de calor q

A morte de Osama bin Laden

Sendo este um blog especialmente atento aos aspectos mais tóxicos da religião e do tipo de pensamento que sustenta a crença religiosa em geral -- e tendo sido Osama bin Laden o homem que, no mundo moderno, mas fez para extrair dor e sofrimento desses aspectos e modos -- alguns comentários sobre seu passamento me parecem cabíveis. O primeiro é lamentar o grau de ódio e fanatismo que o ódio e o fanatismo engendram, como reação, em suas vítimas. Ler no New York Times que o presidente Barack Obama definiu a morte de Bin Laden com a frase "justiça foi feita" é nada menos que chocante. Não, senhor presidente, justiça não foi feita. Justiça teria sido feita se Bin Laden tivesse sido levado para Haia (ou Washington, ou Miami, ou Nova York), julgado e condenado. Até mesmo os arquitetos do Holocausto tiveram direito a seu dia no tribunal. Até mesmo o Estado de Israel julgou necessário dar a Eichmann o direito de defesa. Mesmo considerando que um passo do tipo talvez tivesse