A morte de Osama bin Laden

Sendo este um blog especialmente atento aos aspectos mais tóxicos da religião e do tipo de pensamento que sustenta a crença religiosa em geral -- e tendo sido Osama bin Laden o homem que, no mundo moderno, mas fez para extrair dor e sofrimento desses aspectos e modos -- alguns comentários sobre seu passamento me parecem cabíveis.

O primeiro é lamentar o grau de ódio e fanatismo que o ódio e o fanatismo engendram, como reação, em suas vítimas. Ler no New York Times que o presidente Barack Obama definiu a morte de Bin Laden com a frase "justiça foi feita" é nada menos que chocante.

Não, senhor presidente, justiça não foi feita. Justiça teria sido feita se Bin Laden tivesse sido levado para Haia (ou Washington, ou Miami, ou Nova York), julgado e condenado. Até mesmo os arquitetos do Holocausto tiveram direito a seu dia no tribunal. Até mesmo o Estado de Israel julgou necessário dar a Eichmann o direito de defesa.

Mesmo considerando que um passo do tipo talvez tivesse sido politicamente, ou militarmente, inviável no caso de Bin Laden, teria sido possível evitar a indecente inclusão da palavra "justiça" no discurso presidencial.

O segundo é temer pelo impacto que a forma como a localização de Bin Laden se deu terá no (já claudicante) respeito das potências ocidentais pelos direitos humanos. De acordo com o NY Times, o mensageiro que foi seguido entrando na fortaleza de Bin Laden no Paquistão teve sua identidade revelada por prisioneiros de Guantánamo. Sob quais condições esses homens falaram, e o que os induziu a falar, é algo, ao que parece, aberto a livre especulação.

Terceiro, resta imaginar os efeitos da morte de Bin Laden sobre a legião de fanáticos que o tinha como comandante, se não de campo, certamente espiritual. Se a história dos fanatismos religiosos servir de exemplo, haverá três reações, uma em seguida da outra:

1. A morte não aconteceu;
2. A morte aconteceu, mas será vingada;
3. A morte de Bin Laden nas mãos de seus inimigos passará a ser vista como uma espécie de transfiguração mística, transformando-o, morto, num símbolo ainda mais forte do que era em vida.

Esse é um padrão que se repete desde épocas imemoriais -- exemplos que me ocorrem agora incluem Jesus de Nazaré, o rei de Portugal Dom Sebastião e, em tempos relativamente recentes, Salvador Allende e Che Guevara.

Por fim:

No livro The Al Qaeda Reader, uma compilação de textos doutrinários da organização de Bin Laden, há um longo capítulo sobre a moralidade das operações suicidas e de se causar a morte de inocentes. A conclusão é de que todas essas coisas são permissíveis, desde que feitas pelo bem e pela glória do islã.

Substitua "islã" pela religião, ideologia, divindade, partido político, país ou clube de futebol de sua preferência e você verá quantas "Al Qaedas" em potencial nos espreitam pelos cantos deste mundo de malucos.

Comentários

  1. os EUA voltam a repetir o erro q tiveram ao matar che - criaram um mito pra quem o seguia.

    sem contar o tom altamente ufanista do discurso do obama, beirando o sectarismo ao fim.

    texto impecavel
    abraço

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  2. Brilhante texto Carlos!

    Eu tenho uma frase a acrescentar:

    - No Xadrez nunca se mata o Rei. É o principio básico da estratégia.

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  3. Muito bom o texto, verdade, a coisa pode virar algo mais místico do que ós próprios supunham ser. Os fanáticos vão enchergar o ex-líder como mártir agora, ruim.

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  4. Meu pai costuma dizer: "Se você briga com um porco, mesmo que ganhe a briga, no fim você estará tão sujo como ele."

    A lógica do terrorismo é essa: os conceitos de "justiça" e "vingança" se misturam, e o agredido acaba abdicando de sua posição moralmente superior e descendo ao nível do agressor.

    Agora os fanáticos muçulmanos do OM poderão dizer aos fanáticos cristãos dos EUA: "Vocês são bárbaros como nós!"

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  5. Texto muito bom, como sempre. Reproduzi-o em meu blog http://domacedo.blogspot.com/ e na página que mantenho no Portal l
    Luis Nassif (Gregório Macedo).
    Um abraço.

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  6. Excelente texto Carlos.

    Só tem um porém, havendo troca de tiros, você ia arriscar tentar prendê-lo?

    Fica a reflexão. Óbvio que ele ser levado com vida seria muito mais interessante à Barack Obama. Teria seu troféu enjaulado por meses até estabelecerem a pena de morte.

    A operação tinha que ser completada, o soldado (um ser humano, lembre-se) era o alvo de Osama Bin Laden. Agiu corretamente, como todo soldado agiria. De acordo com os princípios da legítima defesa.

    Justiça feita.

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  7. Oba Orsi, só queria comentar sobre a tortura em Guantánamo.

    Eu estava hoje trabalhando e duas americanas estavam conversando sobre o assunto, absolutamente amando que tinham achado o BL através de informações obtidas sob tortura, *porque isso justificava tortura como instrumento de interrogatório*.

    Compartilho dos seus receios. :-/

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  8. Renata - Araraquara3 de maio de 2011 às 08:55

    Essa foi exatamente a conversa que tive com meus filhos ontem. Não quero que eles achem normal comemorar o assassinato de qualquer pessoa. Afinal:
    "volte a sua espada ao seu lugar, pois aquele que vive pela espada, morrerá pela espada". (Heb. 12:22; 9:15,24; Mat. 10:10; 26:51,52; Lucas 9:3; 22:35,36; Atos 10:34,35)

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