Lendo mentes no Halloween: o teste
Duas médiuns britânicas falharam de modo espetacular num teste de suas habilidades realizado pelo Centro de Pesquisas em Psicologia Anomalística de Goldsmiths, uma unidade da Universidade de Londres. A notícia ganhou mundo por meio de uma nota da BBC, mas o informe distribuído pela própria universidade é bem mais completo, e merece ser lido.
Na metodologia usada, as duas médiuns tiveram de fazer "leituras" de cinco voluntárias, separadas delas por uma tela opaca. As voluntárias haviam sido instruídas a se manter em silêncio. As impressões obtidas em cada leitura foram passadas por escrito, e as voluntárias tiveram acesso aos relatórios produzidos. Os pesquisadores pediram que cada uma delas identificasse qual relatório dizia respeito a si mesma.
A taxa de sucesso foi surpreendentemente baixa, daí o fato de a falha ser considerada "espetacular": cada uma das médiuns acertou apenas uma vez.
Embora esse resultado seja exatamente o que se poderia prever caso a combinação entre leitura e consulente se desse por pura sorte, ele fica abaixo do que se poderia esperar de médiuns profissionais. Pondo-se de lado a hipótese de os poderes sobrenaturais das duas serem verdadeiros -- o que permitiria supor uma taxa de sucesso de 100% -- há a questão do chamado Efeito Forer.
Descrito em 1948 pelo psicólogo americano Bertram Forer, o "efeito" constata a tendência humana de tratar como específicas e corretas avaliações de personalidade que são, na verdade, genéricas e lisonjeiras. Você acha que se esforça demais em ajudar os outros, mas que seu esforço muitas vezes não é apreciado, e nem recebe a devida contrapartida? Você às vezes sente que tem um potencial para desenvolver certos talentos latentes, e se incomoda por não explorar essas possibilidades? Ora, veja só. Bem vindo ao clube. Somos 7 bilhões de sócios.
Talvez o protocolo do estudo britânico tenha sido elaborado de modo a excluir o efeito -- pedindo, por exemplo, que as médiuns apresentassem alguns dados concretos -- ou talvez as médiuns tenham sido simplesmente honestas, evitando generalidades ao estilo Forer.
O fato de ambas serem profissionais (o que sugere que têm clientes satisfeitos) somado ao fracasso no teste com a tela indica que usam, talvez intuitivamente, a técnica chamada "leitura fria", que combina observação atenta do consulente, um pouco de bom senso e um bom papo. É, em princípio, o que Sherlock Holmes fazia para impressionar Watson -- "vejo que esteve no Afeganistão" -- mas não só.
Os grandes profissionais conseguem também usar de cara de pau para extrair informação do cliente sem que ele perceba -- "você parece preocupado com uma mulher mais velha..." "Minha tia Zoraide está com câncer! Como você sabia?" bem, o médium não sabia, estava apenas jogando um verde, você que acabou de contar para ele -- e se valem de dados estatísticos (por exemplo, qual a faixa etária mais afetada por desemprego) para montar leituras plausíveis. Um ótimo livro lançado recentemente, Psychic Blues: Confessions of a Conflicted Medium é a autobiografia de um desses profissionais, o ex-mágico Mark Edward.
Mas nem todo leitor frio é um charlatão estudioso e dedicado: muitas pessoas simplesmente têm um bom olho e uma boa capacidade de "surfar" intuitivamente na informação transmitida pelo consulente por meios como a qualidade e o modelo das roupas, ou a linguagem corporal. Privadas dessas fontes de dados e forçadas a contar apenas com supostas "emanações psíquicas", as médiuns inglesas falharam.
A falha, no entanto, não as demoveu da crença de que têm, de fato, poderes especiais. O que é compreensível. Em seu livro, Edward conta como às vezes era difícil -- até mesmo para ele, um fraudador confesso -- evitar acreditar que tinha verdadeiros poderes paranormais: bastava um súbito lance de intuição certeira, um "verde" jogado que trouxesse resultados surpreendentemente positivos, seguido da adulação do cliente, para que o ego começasse a flertar com a ideia de que talvez não fosse tudo truque, afinal.
(Existe um ótimo filme noir que trata dessa "tentação transcedental" que aflige os artistas do mentalismo, Nightmare Alley, com Tyrone Power).
Eu mesmo já passei por algo parecido: há algum tempo instalei no meu celular um aplicativo que permite tentar adivinhar qual número -- de um a dez -- será sorteado pelo programa. Num dado momento tive uma sequência de três acertos consecutivos, e comecei a imaginar se não valeria a pena meditar sobre uma cartela de Mega-Sena.
Depois de 100 tentativas, no entanto (passo muito tempo esperando ônibus), vi que meu total de acertos acumulados era de oito. O esperado, por pura sorte, seria dez. Bye-bye, Mega-Sena.
Na metodologia usada, as duas médiuns tiveram de fazer "leituras" de cinco voluntárias, separadas delas por uma tela opaca. As voluntárias haviam sido instruídas a se manter em silêncio. As impressões obtidas em cada leitura foram passadas por escrito, e as voluntárias tiveram acesso aos relatórios produzidos. Os pesquisadores pediram que cada uma delas identificasse qual relatório dizia respeito a si mesma.
A taxa de sucesso foi surpreendentemente baixa, daí o fato de a falha ser considerada "espetacular": cada uma das médiuns acertou apenas uma vez.
Embora esse resultado seja exatamente o que se poderia prever caso a combinação entre leitura e consulente se desse por pura sorte, ele fica abaixo do que se poderia esperar de médiuns profissionais. Pondo-se de lado a hipótese de os poderes sobrenaturais das duas serem verdadeiros -- o que permitiria supor uma taxa de sucesso de 100% -- há a questão do chamado Efeito Forer.
Descrito em 1948 pelo psicólogo americano Bertram Forer, o "efeito" constata a tendência humana de tratar como específicas e corretas avaliações de personalidade que são, na verdade, genéricas e lisonjeiras. Você acha que se esforça demais em ajudar os outros, mas que seu esforço muitas vezes não é apreciado, e nem recebe a devida contrapartida? Você às vezes sente que tem um potencial para desenvolver certos talentos latentes, e se incomoda por não explorar essas possibilidades? Ora, veja só. Bem vindo ao clube. Somos 7 bilhões de sócios.
Talvez o protocolo do estudo britânico tenha sido elaborado de modo a excluir o efeito -- pedindo, por exemplo, que as médiuns apresentassem alguns dados concretos -- ou talvez as médiuns tenham sido simplesmente honestas, evitando generalidades ao estilo Forer.
O fato de ambas serem profissionais (o que sugere que têm clientes satisfeitos) somado ao fracasso no teste com a tela indica que usam, talvez intuitivamente, a técnica chamada "leitura fria", que combina observação atenta do consulente, um pouco de bom senso e um bom papo. É, em princípio, o que Sherlock Holmes fazia para impressionar Watson -- "vejo que esteve no Afeganistão" -- mas não só.
Os grandes profissionais conseguem também usar de cara de pau para extrair informação do cliente sem que ele perceba -- "você parece preocupado com uma mulher mais velha..." "Minha tia Zoraide está com câncer! Como você sabia?" bem, o médium não sabia, estava apenas jogando um verde, você que acabou de contar para ele -- e se valem de dados estatísticos (por exemplo, qual a faixa etária mais afetada por desemprego) para montar leituras plausíveis. Um ótimo livro lançado recentemente, Psychic Blues: Confessions of a Conflicted Medium é a autobiografia de um desses profissionais, o ex-mágico Mark Edward.
Mas nem todo leitor frio é um charlatão estudioso e dedicado: muitas pessoas simplesmente têm um bom olho e uma boa capacidade de "surfar" intuitivamente na informação transmitida pelo consulente por meios como a qualidade e o modelo das roupas, ou a linguagem corporal. Privadas dessas fontes de dados e forçadas a contar apenas com supostas "emanações psíquicas", as médiuns inglesas falharam.
A falha, no entanto, não as demoveu da crença de que têm, de fato, poderes especiais. O que é compreensível. Em seu livro, Edward conta como às vezes era difícil -- até mesmo para ele, um fraudador confesso -- evitar acreditar que tinha verdadeiros poderes paranormais: bastava um súbito lance de intuição certeira, um "verde" jogado que trouxesse resultados surpreendentemente positivos, seguido da adulação do cliente, para que o ego começasse a flertar com a ideia de que talvez não fosse tudo truque, afinal.
(Existe um ótimo filme noir que trata dessa "tentação transcedental" que aflige os artistas do mentalismo, Nightmare Alley, com Tyrone Power).
Eu mesmo já passei por algo parecido: há algum tempo instalei no meu celular um aplicativo que permite tentar adivinhar qual número -- de um a dez -- será sorteado pelo programa. Num dado momento tive uma sequência de três acertos consecutivos, e comecei a imaginar se não valeria a pena meditar sobre uma cartela de Mega-Sena.
Depois de 100 tentativas, no entanto (passo muito tempo esperando ônibus), vi que meu total de acertos acumulados era de oito. O esperado, por pura sorte, seria dez. Bye-bye, Mega-Sena.
Mega-Sena, caro Orsi, é uma questão de fé.
ResponderExcluirPrecisa ser muito religioso pra acreditar na chance de ganhar...
Olá Carlos,
ResponderExcluirApesa de cético com relação à paranormalidade, eu confesso que já sucumbi por alguns momentos com relação a meus supostos poderes sobrenaturais. Por diversas vezes antes de saber um número, ele já vem na minha cabeça.
Mas isso são aquelas coincidências naturais que, se repetidas, vão impressionando os mais suscetíveis.
Grande abraço.