Sobre 'Deus seja louvado', na Folha

Nota rápida, só para avisar que fui gentilmente convidado pela Folha de S. Paulo a escrever um breve artigo para a página 3, sobre a polêmica em torno da frase 'Deus seja louvado' que aparece nas notas de real. O link, para quem quiser ler a peça na íntegra, é este aqui.

Comentários

  1. Ótimo artigo Carlos, na verdade foi uma surra no artigo anterior, do cidadão Ives, que tem dificuldade em entender o significado de laicidade e democracia.

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  2. Agora eu sei por que o Plano Cruzado deu errado. Foi culpa desta frase.

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  3. Reparo que banir símbolos religiosos também exclui a questão da tradição de um povo. Os anarquistas poderiam exigir a retirada da figura da República das notas, por igual argumento ao religioso. O dinheiro é emitido pelo Estado, mas não é propriamente um símbolo - é um objeto de troca. Selos contêm figuras evocativas de Zumbi, animais, personagens históricos, datas cívicas ... só na nota é que não pode?

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    1. Bom, por partes: primeiro, a "tradição" do dinheiro brasileiro é não ter frase nenhuma: "Deus seja louvado" foi inventada pelo Zé Sarney há menos de 30 anos, ante mais de 1 século de república secular. Então, nesse ponto, mesmo se formos dar valor ao argumento de que tradições devem ser respeitadas, ele não funciona pra manter a frase religiosa.

      Segundo, o Brasil é uma República, então qual o problema com a imagem da república? Se o Brasil fosse uma monarquia haveria a imagem do rei; se um Estado confessional, o lema religioso não estaria fora de lugar. Mas o fato é que não é um Estado confessional. Se há quem deseje que seja, que apresente uma emenda à Constituição para suprimir o artigo 19.

      Por fim: essa analogia dos selos é muito, muito ruim. Ou sou só eu que vejo diferença entre uma frase única, imutável, obrigatória, que privilegia uma parte da sociedade em detrimento das demais, impressa num papel de uso virtualmente compulsório, e a emissão de selos, que podem ter séries variadas, incluindo orixás, santos, cientistas e ateus?

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    2. A nota de Dólar americano possui símbolos da maçonaria e nenhum mórmon fez objeção para retirá-los da moeda. Discutir uma frase na nota de real é pura perda de tempo. Onde uma frase pequena sem destaque incentiva as pessoas a seguirem determinada religião? Aliás, a maioria das pessoas só passou a ver a expressão depois dessa polêmica vazia. Essa expressão na nota tem mais caráter supersticioso do que uma expressão de cunho proselitista.

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    3. Na verdade, a pirâmide encimada pelo olho da providencia foi adotada como verso do selo oficial dos EUA antes de ser abraçada pela maçonaria. Note que a pirâmide tem 13 degraus (as 13 colônias originais dos EUA), e a data da independência do pais gravada. Ela simboliza não a maçonaria, mas a benção divina à fundação dos Estado Unidos

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    4. Além de o Estado não ter função de validador acrítico de tradições, se formos por este caminho a laicidade brasileira é uma tradição prevalente, visto que já está em nosso ordenamento desde 1890. A república e a democracia brasileiras estão intimamente ligadas ao princípio da laicidade em sua história; a expressão nas cédulas não! O argumento da tradição conta contra si próprio.

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  4. Quanto à afirmação de que a frase "Deus seja louvado" 'privilegia parte da sociedade em detrimento das demais', você deve estar fazendo a mesma confusão que o MP fez: Deus não é uma palavra atribuível a uma única religião. Esse argumento é muito ruinzinho por ser falso. Quanto à questão da maioria e da tradição, sabemos que a maior parte da população brasileira declara filiação a algum tipo de credo - ignorar isso é ignorar a realidade e tentar falar em nome coletivo, quando de fato se está defendendo apenas o ponto de vista dos que seriam agnósticos.

    Seguindo raciocínio análogo ao dos que anatematizam a frase não inventada por Sarney, mas escolhida por ele, teríamos que tirar todos os símbolos e frases ('Ordem e Progresso' na bandeira, por exemplo, já que nem todos somos positivistas) de objetos públicos, por representarem algo que não é consensual, não foi bem discutido previamente e encontra objeções. Acha lógico e viável fazer isso também?

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    1. Ah, claro. E não existem ateus e agnósticos no Brasil, e nem religiosos que acham ofensivo ter o nome de Deus na moeda, e nem judeus ortodoxos que acham que o nome de Deus não deve ser jamais escrito ou pronunciado. Eu disse "parte da sociedade", não "uma religião".

      A questão não é defender o ponto de vista de uma minoria, e sim defender o que está certo. De novo, se a maioria acha que o artigo 19 está errado, que se faça uma emenda constitucional para mudá-lo e declarar o Brasil um Estado confessional. Até que isso aconteça, a frase está no lugar errado. Não se trata de uma questão de maioria ou de minoria.

      Quanto a "Ordem e Progresso", quantas pessoas você acha que ainda associam a frase à doutrina de Comte? Mais ainda, quantos positivistas comteanos ainda existem por aí? A distinção, que deveria ser óbvia, é entre algo que de fato já se diluiu na cultura, já virou mitologia ou foi neutralizado pela tradição (o uso de "Ordem e Progresso", a imagem da deusa Têmis nos tribunais, ou os nomes de deuses nórdicos nos dias da semana em inglês) e algo que ainda é um símbolo ou um nome ainda vivo, "quente", com um significado muito específico.

      Este é, aliás, o argumento mais sofisticado que se mobiliza em defesa da frase: que ela, no fundo, assim como o nome de Thor em "Thursday", não "significa nada" realmente. Mas, se é assim, por que tanto esforço em mantê-la?

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    2. Deus não é uma palavra atribuível a uma única religião. Esse argumento é muito ruinzinho por ser falso”. Numa coisa você tem razão: argumento é muito ruinzinho por ser falso... mas é o seu. “Deus”, na forma como é escrita, é atribuída somente aos deuses monoteístas, ou seja, somente às religiões que acreditam em um deus. Excluem-se os deuses das religiões politeístas, seja etimologicamente, seja porque a adesão aos ideários de deus(es) são autoexcludentes (a “verdade” politeísta exclui a “verdade” monoteísta, e vice-versa). Isso fora os ateus e agnósticos, que sequer ter religião para se atribuir deus...

      No mais, o princípio da laicidade, no que tange seu sentido republicano, é uma ordem – negativa – voltada ao Estado no que tange às religiões, e não aos cidadãos. O Estado não pode ter religião ou crença religiosa, pois, ao contrário dos indivíduos, ele não tem esse direito! E o argumento da maioria (que é, por si só, um desconhecimento do que significa democracia atualmente) não faz com que o Estado tenha que agir em interesse deste grupo, pois, ao contrário, os atos do Estado devem se pautar pela impessoalidade – que é, inclusive, um princípio constitucional.

      Para finalizar, acho curiosa esta forma de estruturação de argumentos por analogia... elas demonstram, no fundo, que o debatedor não possui muito fundamento sobre o que fala, visto que as particularidades das questões são ignoradas por tratar tudo como causalidades comparativas.

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  5. E por que tanta obstinação em retirá-la? Quanto ao artigo 19 da CF/88, trago-o à baila para que me indique onde está a dicção que impõe a retirada de menções à palavra "Deus":

    Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

    II - recusar fé aos documentos públicos;

    III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

    Não seria interpretar de maneira demasiado extensiva o comando constitucional?

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    1. Não, seria interpretar em sentido sistemático e teleológico. No próprio artigo se depreende que o Estado não poderia ter inscrito nas cédulas a expressão “Deus seja Louvado”, por estar subvencionando e mantendo aliança com religião – sem colaboração de interesse público. E no que tange a um estudo mais aprofundado sobre direito constitucional, entraríamos na questão dos princípios, sendo que o da laicidade é um deles. E no conteúdo da laicidade temos o subprincípio da não-confessionalidade do Estado, que impede que se faça confissão religiosa estatal.

      Em todos os casos, não há fundamento para a inscrição. Ela só está lá porque Sarney, ora católico, quis louvar deus usando o Estado. Tanto é que ele nem se utilizou de fundamento legal para inserir a inscrição – simplesmente ordenou que o fizesse!

      Por fim, acho – novamente – interessante essa estruturação de argumentos. Emitir uma opinião contrária a retirada da inscrição e depois pedir ao interlocutor para explicar o fundamento básico da questão é atestar que está se argumentando sem saber muito sobre o que fala. E mais: é irônica essa forma seletiva de se aceitar ou não interpretações sobre a Constituição, ora sendo literalista, ora sendo subjetivista, sempre quando lhe convém. É mais engraçado porque lá no artigo 150 da Constituição, ao vedar a instituição de impostos sobre “templos de quaisquer cultos”, a maioria (inclusive o STF) aceita a interpretação de que a imunidade de imposto vale para todos os bens e serviços eclesiásticos, e não somente aos templos onde ocorrem os cultos. “Não seria interpretar de maneira demasiado extensiva o comando constitucional? ” – lanço a mesma pergunta a você!

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  6. E veja que achado, encerrando minha participação aqui:

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    PREÂMBULO

    Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
    Grifo o trecho: (...) sob a proteção de Deus, (...)

    O próprio código invocado para banir a inscrição traz, em seu intróito, algo semelhante. Retribuo seu argumento: que mudem a CF/88 os que discordam dessa frase também, então!

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    1. Esse caso do preâmbulo é interessante, e até seria uma boa ideia mudá-lo, mas, na prática, já foi decidido, pelo STF, que o preâmbulo não tem valor normativo -- isto é, não tem peso de lei, e portanto vale menos do que os dispositivos internos. O teor da decisão pode ser lido aqui:

      http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324

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