E se a vida aqui começou... lá fora?
O título desta postagem é um plágio descarado da narração inicial da série Galactica original, mas não resisti: o assunto é um artigo publicado no ArXiv, assinado por dois físicos, que propõe que a vida, tal como existe na Terra, teria começado há 10 bilhões de anos -- o que é uns 5 bilhões de anos antes da formação do Sistema Solar.
O ponto mais interessante ad discussão toda (altamente especulativa, aliás) é que o argumento levantado pela dupla leva à conclusão de que a Terra é o primeiro planeta, em todo o Universo, a abrigar vida inteligente -- o que resolve o Paradoxo de Fermi, embora deva desapontar os ufólogos.
Mas, afinal, que argumento é esse? Trata-se de uma especulação engenhosa: a de que o ganho de complexidade dos seres vivos, ao longo da evolução, obedece a algo como a Lei de Moore, segundo a qual o número de transistores num chip de computador -- e, por tabela, outras características como velocidade e capacidade de memória -- deve dobrar a cada dois anos, aproximadamente.
No caso dos seres vivos, dizem os autores do artigo, a complexidade do genoma, medida em termos do tamanho das sequências não redundantes que codificam proteínas, cresce numa escala em que vem a dobrar a cada 376 milhões de anos. Projetando isso para o passado, o ponto de "complexidade zero" aparece 10 bilhões de anos atrás, como mostra a tabela abaixo, surrupiada do artigo original:
A conclusão de que não pode ter havido vida inteligente antes da evolução dos seres humanos na Terra decorre do fato de que o Universo, como um todo, tem apenas 14 bilhões de anos -- se são mesmo necessários 10 bilhões para gerar inteligência, simplesmente não houve tempo para nenhuma outra espécie chegar antes da gente. Como se vê em outra figura tirada do paper:
Mas, como já disse, isso tudo é altamente especulativo. Os próprios autores do artigo reconhecem que suas conclusões dependem de uma série de pressupostos -- que vão desde a escolha de uma medida de complexidade até a ideia, bastante problemática, de que a taxa de aumento dessa complexidade seria constante. Se, por exemplo, nos primórdios da vida (ou, mesmo, na evolução química, pré-biótica) o ganho tiver sido muito acelerado, talvez os efeitos atribuídos aos primeiros 5 bilhões de anos nos gráficos acima tenham, na verdade, sido compactados num intervalo muito menor.
Ainda assim, os autores defendem sua ideia como sendo uma hipótese testável. Escrevem:
"Vida extrassolar está provavelmente presente em alguns planetas e satélites do Sistema Solar, porque (1) todos os planetas tiveram oportunidade comparável de serem contaminados com vida microbiana e (2) alguns planetas e satélites (...) oferecem nichos onde certas bactérias podem sobreviver e reproduzir. Se vida extraterrestre estiver presente no Sistema Solar, ela deverá ter fortes semelhanças com micróbios terrestres (...) Esperamos que tenha os mesmos ácidos nucleicos e mecanismos similares de transcrição e tradução, como nas bactérias terrestres".
É ousado, sem dúvida, mas é testável, o que é mais do que se pode dizer de coisas como o tal do Design dito Inteligente.
Aqui tenho de confessar que nutro uma simpatia um tanto quanto irracional (romântica?) pela ideia de panspermia -- de que a evolução da vida começou no espaço -- e que é, claro, apoiada pela hipótese apresentada no artigo.
No fim, o veredicto virá, como sempre, das evidências, ou da ausência delas. Mas como não trabalho com isso, posso deixar meus vieses cognitivos correrem mais ou menos soltos e ficar aqui na torcida.
P.S.
Via Twitter, o Roberto Takata me lembra de que, caso a vida tivesse mesmo caído do espaço, depois de evoluir por lá ao longo de bilhões de anos, seria improvável que a genética atual indicasse, como indica, que todos os seres vivos do planeta têm um ancestral comum: seria de se esperar uma pluralidade de formas primitivas semeando a Terra. O que só mostra que o romantismo não é um bom guia para escolher teorias...
O ponto mais interessante ad discussão toda (altamente especulativa, aliás) é que o argumento levantado pela dupla leva à conclusão de que a Terra é o primeiro planeta, em todo o Universo, a abrigar vida inteligente -- o que resolve o Paradoxo de Fermi, embora deva desapontar os ufólogos.
Mas, afinal, que argumento é esse? Trata-se de uma especulação engenhosa: a de que o ganho de complexidade dos seres vivos, ao longo da evolução, obedece a algo como a Lei de Moore, segundo a qual o número de transistores num chip de computador -- e, por tabela, outras características como velocidade e capacidade de memória -- deve dobrar a cada dois anos, aproximadamente.
No caso dos seres vivos, dizem os autores do artigo, a complexidade do genoma, medida em termos do tamanho das sequências não redundantes que codificam proteínas, cresce numa escala em que vem a dobrar a cada 376 milhões de anos. Projetando isso para o passado, o ponto de "complexidade zero" aparece 10 bilhões de anos atrás, como mostra a tabela abaixo, surrupiada do artigo original:
A conclusão de que não pode ter havido vida inteligente antes da evolução dos seres humanos na Terra decorre do fato de que o Universo, como um todo, tem apenas 14 bilhões de anos -- se são mesmo necessários 10 bilhões para gerar inteligência, simplesmente não houve tempo para nenhuma outra espécie chegar antes da gente. Como se vê em outra figura tirada do paper:
Mas, como já disse, isso tudo é altamente especulativo. Os próprios autores do artigo reconhecem que suas conclusões dependem de uma série de pressupostos -- que vão desde a escolha de uma medida de complexidade até a ideia, bastante problemática, de que a taxa de aumento dessa complexidade seria constante. Se, por exemplo, nos primórdios da vida (ou, mesmo, na evolução química, pré-biótica) o ganho tiver sido muito acelerado, talvez os efeitos atribuídos aos primeiros 5 bilhões de anos nos gráficos acima tenham, na verdade, sido compactados num intervalo muito menor.
Ainda assim, os autores defendem sua ideia como sendo uma hipótese testável. Escrevem:
"Vida extrassolar está provavelmente presente em alguns planetas e satélites do Sistema Solar, porque (1) todos os planetas tiveram oportunidade comparável de serem contaminados com vida microbiana e (2) alguns planetas e satélites (...) oferecem nichos onde certas bactérias podem sobreviver e reproduzir. Se vida extraterrestre estiver presente no Sistema Solar, ela deverá ter fortes semelhanças com micróbios terrestres (...) Esperamos que tenha os mesmos ácidos nucleicos e mecanismos similares de transcrição e tradução, como nas bactérias terrestres".
É ousado, sem dúvida, mas é testável, o que é mais do que se pode dizer de coisas como o tal do Design dito Inteligente.
Aqui tenho de confessar que nutro uma simpatia um tanto quanto irracional (romântica?) pela ideia de panspermia -- de que a evolução da vida começou no espaço -- e que é, claro, apoiada pela hipótese apresentada no artigo.
No fim, o veredicto virá, como sempre, das evidências, ou da ausência delas. Mas como não trabalho com isso, posso deixar meus vieses cognitivos correrem mais ou menos soltos e ficar aqui na torcida.
P.S.
Via Twitter, o Roberto Takata me lembra de que, caso a vida tivesse mesmo caído do espaço, depois de evoluir por lá ao longo de bilhões de anos, seria improvável que a genética atual indicasse, como indica, que todos os seres vivos do planeta têm um ancestral comum: seria de se esperar uma pluralidade de formas primitivas semeando a Terra. O que só mostra que o romantismo não é um bom guia para escolher teorias...
Caramba! fico intrigado.
ResponderExcluirNão vejo muita graça na hipótese da panspermia, exceto pelo óbvio benefício de enterrar de vez os mitos da criação geocêntricos. Mesmo que eventualmente seja comprovada, isso não significaria simplesmente empurrar o "mistério da abiogênese" para um nível abaixo? "Turtles all the way..."
ResponderExcluirQuanto ao contra-argumento do Takata, acho que não consegui acompanhar o raciocínio. Penso que ele só refutaria a panspermia se a colonização na Terra tivesse ocorrido por múltiplas linhagens de organismos com origens distintas.
Como contra-contra-argumento, imagine que a vida na Terra seja um evento único no universo (duvido!) e que micróbios terrestres colonizem, sei lá, Enceladus. Suponha que daqui a 4 bilhões de anos os cientistas enceladianos:
1. Acreditem que a vida só exista em Enceladus;
2. Vivam numa biosfera cujos genomas apontam para uma origem comum;
3. De repente encontrem vestígios de uma colonização "extra-enceladiana".
Estariam eles corretos em rejeitar a hipótese de panspermia?
O ponto do Takata, me parece, gira em torno da questão da escala de tempo: se a vida teve 5 bilhões de anos para evoluir e se espalhar pelo espaço antes de semear a Terra, é improvável que uma única linhagem tenha vindo parar aqui.
ExcluirHá a possibilidade de uma das linhagens ter devorado e levado à extinção as outras, após algum tempo.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO ponto de vista do PZ Myers a respeito: http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2013/04/18/graaarh-physicists-biologists/
ResponderExcluir"Garbage in, garbage out". Realmente vou ter de restringir minhas preferências estéticas sobe o assunto ao reino da ficção científica... :-P
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