On writing



Estava fazendo umas contas e percebi que 2018 será o ano em que mais contos inéditos meus sairão, em inglês, do que em português: além da história já publicada em Mystery Weekly, vem aí mais um na antologia A World of Horror, a sair nos próximos meses, e ainda um mistério de quarto fechado programado para a edição de maio/junho de Ellery Queen Mystery Magazine -- e esse conto acabou me trazendo um convite para colaborar com o blog da revista. Aqui o Brasil, fora as histórias antigas programadas para antologias multi-autorais, deve sair um conto novo -- se tanto.

Nada disso, claro, aconteceu do dia para a noite. Comecei a arriscar textos em inglês ainda no século passado, escrevendo para fanzines. Minha primeira venda foi para a antologia Rehearsals for Oblivion, publicada em 2006. Depois, War Stories, de 2014, e Swords vs Cthulhu, 2016. Nesse meio tempo, minha colaboração com Octavio Aragão misturando José de Alencar, Edgar Rice Burroughs e Philip José Farmer também ganhou uma certa vida própria.

Comecei a tentar entrar pra valer nas revistas de primeiro time -- como a Ellery Queen, que rejeita mais de 99% de todo o material que recebe -- em 2010. Em 2014, saiu um conto meu na EQMM, traduzido -- mérito maior do tradutor, Cliff Landers.Consegui fechar a primeira venda de um conto escrito originalmente em inglês para a revista em 2016, e ele sai agora, em 2018. Enfim, é uma estrada longa, cheia de incertezas e frustrações.

Por que, então, embarcar nela? Porque, ao menos para mim, publicar no Brasil havia se tornado ainda mais frustrante. O mercado brasileiro de literatura é um onde todo mundo -- do cara que faz a revisão do original ao balconista da livraria -- é um profissional com uma expectativa legítima de remuneração pelo trabalho realizado: one day's pay for one  day's work, o salário de um dia pelo trabalho de um dia, como diz a velha ética do esforço/recompensa. Isto é, todo mundo, menos o autor.

Não vou entrar aqui na cabeludíssima discussão de quem é a culpa disso, e sei que tem muito autor que se sente mais do que feliz em ser "remunerado" em vanity points, "pontinhos de vaidade", "o prazer da publicação", essas coisas, mas, desculpe, pra mim não. Pontos de vaidade não pagam a mortadela nossa de cada dia, e o "prazer da publicação" não é esse orgasmo todo que dizem por aí. Mais frustrante do que receber rejeições em série (que ainda coleciono aos borbotões, aliás) é publicar e não receber nem o dinheiro do busão para ir ao evento de lançamento (ao contrário do garçom, que é remunerado para estar lá, servindo amendoim colorido e vinho vagabundo).

Enfim, não vou discutir culpa, mas não há como negar que, salvo as exceções  de praxe, o sistema parasita o autor, e está armado para seguir desse jeito. E meio que perdi a paciência com isso. Escrever é trabalho: pode ser prazeroso, pode ser estimulante, pode ser até relaxante. Mas é trabalho, e deveria ser respeitado/remunerado como tal. Escrever ficção alivia o mau humor; mas de que adianta, se o processo de publicação traz o mau humor de volta?

Não que não haja outras razões para buscar o mercado internacional: escrever em outra língua, para leitores de outra cultura, é estranhamente libertador. Há coisas que entram num foco novo, inesperado. Por isso, também, recomendo.

Comentários

  1. Boa sorte nessa empreitada! Torcendo por vc.

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  2. Carlos, adquiri, e li, dois livros seus: As flores do Jardim de Balaur e O livro dos milagres. Gostei mais do primeiro. Não que O livro dos milagres seja ruim, mas em alguns momentos ele (me parece) soa como um discurso para convertidos. Já As flores do Jardim de Balaur é muito bom; o texto flui bem e a história prende a atenção e desperta a curiosidade de quem está lendo. Pena ser tão curto, merece ser expandido.

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