Demônios e ETs em Fátima: erros instrutivos

Se você, como eu, sofre de uma curiosidade patológica a respeito do que borbulha e fermenta na franja lunática da pseudociência -- clones ciborgues templários de Jesus e conspirações urdidas por demônios lovecraftianos do espaço, coisas perto das quais até homeopatia parece razoável -- uma boa ideia é assinar a newsletter de Jason Colativo, um antropólogo americano  que construiu uma carreira correndo atrás das besteiras que o History Channel empurra para seus telespectadores.

Nesta semana, Colavito chama atenção para  uma pequena indústria que vem sendo criada, tendo como alvo o público evangélico de língua inglesa, para vincular as aparições de Fátima a demônios e extraterrestres. A escolha de  nicho tem lá sua lógica: dizer que os milagres da religião dos outros é, na verdade, ilusão demoníaca representa uma estratégia antiga, mas bem-sucedida.

Para os leitores que não tiveram o duvidoso benefício de uma educação católica (e nem leram meu Livro dos Milagres): entre maio e outubro de 1917, três crianças de Fátima, em Portugal, alegaram ter tido encontros com Maria, a mãe de Jesus. O último desses encontros foi acompanhado por uma multidão, parte da qual afirmou ter visto algo estranho acontecer com o Sol, possivelmente um parélio ou halo solar, mas reinterpretado pelos filtros mentais da expectativa, devoção e excitação coletiva.

Enfim: a "nova" ideia descarta tanto as hipóteses de efeito meteorológico, temperado por histeria de massa, quanto a de a aparição ser mesmo a alma de uma judia morta há 2.000 anos, e as substitui por uma conspiração entre espíritos "do mal" e visitantes de outro planeta. Alguém, ao que parece, anda precisando afiar a Navalha de Occam.

E por que estou gastando o meu tempo, e o seu, com isso? Porque parte da evidência mobilizada pelos teóricos da conspiração  é realmente interessante -- só não do jeito que eles pensam. Por exemplo, é apresentada esta nota, publicada num jornal português alguns dias antes da primeira suposta "manifestação" de Maria:


Esse anúncio não comprova, como querem os propositores da conjuração inferno-espacial, que as "Forças do Mal" já preparavam o terreno para as aparições, e sim que as agruras e incertezas produzidas pela Primeira Guerra Mundial (então em curso, e da qual tropas portuguesas tomavam parte) estavam se fazendo sentir -- "sendo trabalhadas" talvez seja a expressão atual -- de modo diverso dentro das diversas mitologias para as quais as pessoas se voltavam em busca de segurança emocional e consolo.

Portugal vivia, ainda, o período da Primeira República,  onde a ideologia do governo era fortemente anticatólica. Nesse clima, não é surpreendente nem a eclosão de alternativas supostamente "racionalistas" à religião até então dominante (diversas correntes espiritualistas gostam, afinal, de se considerar "científicas"), nem o recrudescimento do misticismo católico, apoiado em mitos e histórias de perseguições e martírios passados.

Mas, claro, toda essa psicologia de pastel e sociologia de botequim é suspeita demais. A melhor explicação tem de ser: alienígenas e demônios! "Quando a entidade apareceu para as crianças, as pessoas ouviram um zumbido como o de uma colmeia. Esse som já foi descrito em encontros com óvnis. O que criou esse zumbido e por que o mesmo som é ouvido quando as pessoas têm contato com óvnis?", pergunta,retoricamente, o texto promocional do DVD que apresenta a teoria.

Colavito, em seu comentário, lembra que previsões e visões místicas sobre a guerra abundavam na imprensa europeia. Basta ver como previsões e pronunciamentos místicos sobre o destino do Brasil hoje abundam em grupos de WhatsApp para ter uma pálida ideia do fenômeno. Olhando para o passado com o que já sabemos no presente, é fácil selecionar instâncias aparentemente sugestivas, como esta aqui:

 

Onde o numeral "13597" pode talvez (ou talvez não) aludir ao dia 13 de maio de 1917, data da primeira suposta aparição de Fátima. O que teóricos de conspiração, em geral, fazem é juntar algumas peças de quebra-cabeça -- incluindo fatos reais -- e depois recortá-las para que se encaixem como esperam, e formem a figura que querem ver. Se houver público pagante, melhor ainda.

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