Crime e castigo no campo de futebol
Jogadores de futebol cavam mais faltas quanto mais perto estão do gol do time adversário; faltas cavadas são mais comuns quando o jogo está empatado; e árbitros são péssimos em detectar faltas cavadas, o que estimula o uso da tática.
Não, não se trata de uma estatística da ESPN, mas dos resultados de um estudo de biologia sobre a evolução da enganação, realizado por pesquisadores baseados na Austrália e publicado online no periódico PLoS ONE. Os cientistas usaram o futebol como um modelo para testar algumas previsões tiradas da teoria da evolução a respeito da prevalência do comportamento desonesto.
Entre essas previsões, há a de que a desonestidade deve ser mais rara quando é mais "cara" (confirmada pela constatação de que os jogadores cavam menos faltas quando perto do próprio gol); mais comum quando os benefícios potenciais são altos (confirmada pelo fato de que mais faltas são cavadas perto da área do time adversário); quando o benefício potencial é mais valioso (confirmada pela constatação de que faltas cavadas são mais comuns quando o jogo está empatado -- o benefício sendo, portanto, a vitória).
Outras duas previsões, no entanto -- a de que punição deveria inibir o uso da manobra desonesta, e a de que, quanto mais usada, menos recompensada a desonestidade seria -- acabaram gerando resultados que os autores consideraram surpreendentes.
Quanto à punição, dos 169 casos de jogadores se jogando para cavar falta analisados pelos pesquisadores, nenhum foi punido pelo árbitro. Já a esperada perda de eficácia pelo excesso de uso acabou sendo desmentida pelos fatos: quanto maior o número de faltas cavadas, maior o número de cobranças concedidas ao time do cavador.
O fator limitante aí, sugerem os autores, é a capacidade de discriminação do árbitro, e a estimativa dessa capacidade pelos jogadores. Em outras palavras, se o juiz parece (ou efetivamente é) fácil de enganar. Os fatos de uma falta cavada ser só muito raramente punida e de o árbitro ser facilmente engabelado reduzem os custos e aumentam as recompensas potenciais desse comportamento.
Esse laço entre qualidade do árbitro e prevalência da "cavação" é sustentado pela correlação entre número de faltas cavadas, número de faltas cavadas que rendem benefícios ao time do jogador desonesto e liga. A estrutura de ligas do futebol australiano não reflete exatamente um sistema de divisões como do futebol brasileiro, mas a Liga A é considerada a elite, e é nela que há menos benefícios para cavadores de faltas ("dive", ou "mergulho", é o jargão para falta cavada em inglês):
Partindo da suposição de que os melhores árbitros devem gravitar para as melhores ligas, a conexão se fecha. Os autores também propõem a hipótese de que os jogadores das ligas inferiores são melhores em fingir faltas (um talento dramático extra para compensar a falta de talento com a bola?).
No fim, o estudo conclui que "o uso de sinais desonestos por jogadores de futebol é livre de custos, e a manutenção da honestidade sob conflito de interesses depende de como os receptores respondem, e aos resultados potenciais para os enganadores".
Em outras palavras, o princípio de que o comportamento desonesto tende a ser sempre raro depende da capacidade de detectar a enganação, fundamentalmente por parte de de quem tem o poder de punir. Como no futebol esse "poder" fica concentrado nas mãos do árbitro, a situação pode desequilibrar-se facilmente. Já na sociedade em geral, esse "poder" é mais difuso -- só a polícia prende, é verdade, mas as pessoas podem impor diversas sanções informais (e às vezes custosas) umas às outras.
Os autores terminam o artigo expressando a esperança de terem demonstrado a utilidade de se aplicar modelos não-humanos ao comportamento humano. Eu acho que eles também demonstraram a necessidade de se usar videoteipe para punir jogadores que cavam falta, mas essa é outra história...
Não, não se trata de uma estatística da ESPN, mas dos resultados de um estudo de biologia sobre a evolução da enganação, realizado por pesquisadores baseados na Austrália e publicado online no periódico PLoS ONE. Os cientistas usaram o futebol como um modelo para testar algumas previsões tiradas da teoria da evolução a respeito da prevalência do comportamento desonesto.
Entre essas previsões, há a de que a desonestidade deve ser mais rara quando é mais "cara" (confirmada pela constatação de que os jogadores cavam menos faltas quando perto do próprio gol); mais comum quando os benefícios potenciais são altos (confirmada pelo fato de que mais faltas são cavadas perto da área do time adversário); quando o benefício potencial é mais valioso (confirmada pela constatação de que faltas cavadas são mais comuns quando o jogo está empatado -- o benefício sendo, portanto, a vitória).
Outras duas previsões, no entanto -- a de que punição deveria inibir o uso da manobra desonesta, e a de que, quanto mais usada, menos recompensada a desonestidade seria -- acabaram gerando resultados que os autores consideraram surpreendentes.
Quanto à punição, dos 169 casos de jogadores se jogando para cavar falta analisados pelos pesquisadores, nenhum foi punido pelo árbitro. Já a esperada perda de eficácia pelo excesso de uso acabou sendo desmentida pelos fatos: quanto maior o número de faltas cavadas, maior o número de cobranças concedidas ao time do cavador.
O fator limitante aí, sugerem os autores, é a capacidade de discriminação do árbitro, e a estimativa dessa capacidade pelos jogadores. Em outras palavras, se o juiz parece (ou efetivamente é) fácil de enganar. Os fatos de uma falta cavada ser só muito raramente punida e de o árbitro ser facilmente engabelado reduzem os custos e aumentam as recompensas potenciais desse comportamento.
Esse laço entre qualidade do árbitro e prevalência da "cavação" é sustentado pela correlação entre número de faltas cavadas, número de faltas cavadas que rendem benefícios ao time do jogador desonesto e liga. A estrutura de ligas do futebol australiano não reflete exatamente um sistema de divisões como do futebol brasileiro, mas a Liga A é considerada a elite, e é nela que há menos benefícios para cavadores de faltas ("dive", ou "mergulho", é o jargão para falta cavada em inglês):
Partindo da suposição de que os melhores árbitros devem gravitar para as melhores ligas, a conexão se fecha. Os autores também propõem a hipótese de que os jogadores das ligas inferiores são melhores em fingir faltas (um talento dramático extra para compensar a falta de talento com a bola?).
No fim, o estudo conclui que "o uso de sinais desonestos por jogadores de futebol é livre de custos, e a manutenção da honestidade sob conflito de interesses depende de como os receptores respondem, e aos resultados potenciais para os enganadores".
Em outras palavras, o princípio de que o comportamento desonesto tende a ser sempre raro depende da capacidade de detectar a enganação, fundamentalmente por parte de de quem tem o poder de punir. Como no futebol esse "poder" fica concentrado nas mãos do árbitro, a situação pode desequilibrar-se facilmente. Já na sociedade em geral, esse "poder" é mais difuso -- só a polícia prende, é verdade, mas as pessoas podem impor diversas sanções informais (e às vezes custosas) umas às outras.
Os autores terminam o artigo expressando a esperança de terem demonstrado a utilidade de se aplicar modelos não-humanos ao comportamento humano. Eu acho que eles também demonstraram a necessidade de se usar videoteipe para punir jogadores que cavam falta, mas essa é outra história...
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