Birlstone, Conan Doyle e a mãe de todos os spoilers
Só para lembrar: neste sábado, 4 de fevereiro, a partir das 15h30, na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulisa, haverá o lançamento da antologia de contos Sherlock Holmes - Aventuras Secretas, da Editora Draco, que co-organizei com Marcelo Augusto Galvão, e da qual participo como autor de um conto e da introdução.
E é sobre a introdução que quero falar aqui. Nela, menciono que no romance Vale do Terror, última narrativa longa estrelada por Holmes, Arthur Conan Doyle traz ao mundo* o "Gambito Birlstone", uma manobra dee prestidigitação narrativa que permite virar o enredo de um romance de mistério de ponta cabeça bem diante dos olhos, estupefatos, do leitor. Lá eu não digo o que o gambito é, mas apenas afirmo que ele já virou uma espécie de clichê.
Ellery Queen, por exemplo, usou-o à exaustão em seus romances iniciais, sempre com novas e criativas variações mas, em essência, retornando à marcação estrita deixada pelo mestre britânico. E em seu romance The Viaduct Murder, de 1925, o padre Ronald Knox já tirava sarro do truquezinho.
E eis que ontem, revendo um episódio da primeira temporada de Law & Order: Criminal Intent (que só deixou de ser minha telessérie favorita quando parou de ser sobre as investigações de Robert Goren e passou a ser sobre as psicoses de Robert Goren), lá estava o gambito, me olhando na cara: minha mulher me deu uma cotovelada discreta quando, depois de reconhecer o truque, desvendei o crime trinta minutos antes do fim do episódio.
Então resolvi, aqui na intimidade do blog, revelar o que deixei no ar na introdução do livro -- o que, afinal, é o tal gambito. Se você é o tipo de pessoa que valoriza mais a sensação de inesperado e de surpresa do que a forma exata com que esses fatores são construídos, continuar lendo a partir deste ponto vai estragar irremediavelmente a boa fruição de uma infinidade de filmes, livros e HQs.
Agora, se você tem um apego maior à forma como as histórias se estruturam do que exatamente aos eventos relatados, conhecer Birlstone pode tornar a experiência muito mais completa, intelectualmente falando. De qualquer modo, o gambito Birlstone é a mãe de todos os spoilers!
Ainda comigo? Óquei. Eu avisei. Eis o gambito:
Quando a vítima do homicídio tem o rosto destruído, é porque ela é outra pessoa, e a vítima pretendida está realmente viva, mas escondida. Simples assim. Um filme clássico, todo construído em torno da ideia, é Laura (Otto Preminger, 1944).
No gambito clássico, a suposta vítima luta com o assassino enviado para matá-la, mata-o, troca de roupas com ele e dá no pé. Mas as variações são inúmeras: o tipo inescrupuloso que mata um inocente e usa o cadáver para despistar seus perseguidores; a vítima inocente morta por engano enquanto a vítima pretendida se encontra ausente; e outras.
Na época em que se deliciava em usar o gambito, Ellery Queen especializou-se em "provar" que a identidade do morto era indiscutível, apenas para destruir a prova em seguida. À medida que outras formas de identificação (DNA, digitais) avançam, a reciclagem do clichê se torna mas difícil, mas sempre é possível encontrar soluções criativas para -- por falar em clichê -- os desafios da modernidade.
* na verdade, ele já havia usado uma versão menos elaborada do truque num conto anterior, O Construtor de Norwood. Mas foi a aparição em O Vale do Medo a que levou o efeito mais longe, e a que ficou célebre.
E é sobre a introdução que quero falar aqui. Nela, menciono que no romance Vale do Terror, última narrativa longa estrelada por Holmes, Arthur Conan Doyle traz ao mundo* o "Gambito Birlstone", uma manobra dee prestidigitação narrativa que permite virar o enredo de um romance de mistério de ponta cabeça bem diante dos olhos, estupefatos, do leitor. Lá eu não digo o que o gambito é, mas apenas afirmo que ele já virou uma espécie de clichê.
Ellery Queen, por exemplo, usou-o à exaustão em seus romances iniciais, sempre com novas e criativas variações mas, em essência, retornando à marcação estrita deixada pelo mestre britânico. E em seu romance The Viaduct Murder, de 1925, o padre Ronald Knox já tirava sarro do truquezinho.
E eis que ontem, revendo um episódio da primeira temporada de Law & Order: Criminal Intent (que só deixou de ser minha telessérie favorita quando parou de ser sobre as investigações de Robert Goren e passou a ser sobre as psicoses de Robert Goren), lá estava o gambito, me olhando na cara: minha mulher me deu uma cotovelada discreta quando, depois de reconhecer o truque, desvendei o crime trinta minutos antes do fim do episódio.
Então resolvi, aqui na intimidade do blog, revelar o que deixei no ar na introdução do livro -- o que, afinal, é o tal gambito. Se você é o tipo de pessoa que valoriza mais a sensação de inesperado e de surpresa do que a forma exata com que esses fatores são construídos, continuar lendo a partir deste ponto vai estragar irremediavelmente a boa fruição de uma infinidade de filmes, livros e HQs.
Agora, se você tem um apego maior à forma como as histórias se estruturam do que exatamente aos eventos relatados, conhecer Birlstone pode tornar a experiência muito mais completa, intelectualmente falando. De qualquer modo, o gambito Birlstone é a mãe de todos os spoilers!
Ainda comigo? Óquei. Eu avisei. Eis o gambito:
Quando a vítima do homicídio tem o rosto destruído, é porque ela é outra pessoa, e a vítima pretendida está realmente viva, mas escondida. Simples assim. Um filme clássico, todo construído em torno da ideia, é Laura (Otto Preminger, 1944).
No gambito clássico, a suposta vítima luta com o assassino enviado para matá-la, mata-o, troca de roupas com ele e dá no pé. Mas as variações são inúmeras: o tipo inescrupuloso que mata um inocente e usa o cadáver para despistar seus perseguidores; a vítima inocente morta por engano enquanto a vítima pretendida se encontra ausente; e outras.
Na época em que se deliciava em usar o gambito, Ellery Queen especializou-se em "provar" que a identidade do morto era indiscutível, apenas para destruir a prova em seguida. À medida que outras formas de identificação (DNA, digitais) avançam, a reciclagem do clichê se torna mas difícil, mas sempre é possível encontrar soluções criativas para -- por falar em clichê -- os desafios da modernidade.
* na verdade, ele já havia usado uma versão menos elaborada do truque num conto anterior, O Construtor de Norwood. Mas foi a aparição em O Vale do Medo a que levou o efeito mais longe, e a que ficou célebre.
O curioso é que estava re-lendo "O Vale do Terror" esta semana, por conta de ter assistido o 2º filme de Sherlock Holmes. Parei onde sempre paro quando tento ler o raio da novela: caso solucionado, a narrativa passa para a vida pregressa de Douglas na América.
ResponderExcluirEspero conseguir concluir desta vez :-P
-Daniel Bezerra
Conclua, conclua! A parte do Douglas nos EUA é praticamente um romance de Dashiel Hammett pré-Hammett... ;-)
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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