Cuidado com quem prega o ateísmo de 'alma branca'

Já escrevi anteriormente (texto completo aqui) sobre o porquê de considerar o que costumo chamar de ateísmo in your face -- vibrante, exultante, blasfemo, ultrajante, desrespeitoso, divertido -- necessário: resumindo, porque apenas grupos, partidos, religiões, movimentos, etc., que têm a coragem de entrar em modo in your face (IYF, pra encurtar) conseguem algum progresso neste mundo.

Há alguns anos, o New York Times publicou uma reportagem sobre o zoroastrismo, provavelmente a mais antiga religião monoteísta do mundo e, bem, a conclusão é que eles são tão inclusivos, mansos, tolerantes, respeitadores e simpáticos que... estão virtualmente extintos.

É preciso notar, antes de prosseguir, que ser IYF não significa ser violento (Gandhi foi altamente IYF quando resolveu quebrar a lei imperial britânica que proibia os indianos de produzir sal), nem totalitário ou autoritário.

Quando o papa diz que a falta de Deus no coração causou a crise econômica na Europa e os ateus respondem dizendo que Ratzinger podia bem ir cuidar lá dos pedófilos dele e parar de falar merda, o que está em curso não é uma tentativa de "calar o Vaticano" (como se fosse possível...) mas, sim, de mostrar que, não, não é porque o cara é velhinho, usa saia e mora num palácio em Roma que tudo o que ele diz deve ser automaticamente levado em conta e ouvido em reverente silêncio pelo amplo conjunto da raça humana.

Uma pessoa que fala merda merece ouvir que falou merda, não importa sua faixa etária, escolha de guarda-roupa ou endereço, ora bolas.


Quando um grupo como a ATEA (do qual sou membro fundador, com muito orgulho) sacaneia a iconografia desta ou daquela religião, como na imagem de Ganesha ao lado, bem, um elefante gorducho de quatro braços é, venhamos e convenhamos, uma imagem ridícula. E, ao chamar a atenção para o fato, o ateu não faz nada além de afirmar a própria identidade: nós somos os caras que acham essas coisas ridículas. Assim como o papa é cara que acha que a secularização do mundo é a raiz de todos os males. Ou o pessoal da marcha para Jesus é o pessoal que acha, bem, que Jesus quer ver gente marchando. Se eles podem afirmar suas identidades em público, de modo claro e, até, incômodo (o trânsito, minha gente, o trânsito) por que não nós? 


Você pode levantar um bilhão de razões etnográficas e antropológicas explicando por que, para alguns milhões de hindus, a imagem de Ganesha é bela e venerável, mas isso não tira de ninguém o direito de considerá-la ridícula. E de dizer isso. Nutro uma profunda reverência pelos Daleks e por sua nobre meta de exterminar toda a vida do Universo, e confesso que considero o cartaz à direita meio ofensivo, mas nem por isso vou me escandalizar -- na verdade, sou bem capaz de encontrar em meu coração a grandeza necessária para achá-lo até que engraçado.

Existe, é verdade, todo um debate em torno da questão de faz sentido afirmar uma "identidade social" coletiva para os ateus, da mesma forma que para os católicos, os zoroastristas, os tucanos, os petistas. Digo, exceto o mané do Alain de Botton, não vejo ninguém querendo estabelecer uma "Igreja da Razão" ou qualquer outra besteira do tipo, então, há realmente algum sentido em se falar nos ateus como se fossem um grupo? E um grupo organizado, ainda por cima? Ateísmo não é uma coisa de cada um? Sim, é. Mas, até aí, orientação sexual também é. E, a despeito disso, existe um movimento gay por aí que vem conquistando importantes vitórias, mesmo lutando sempre morro acima.

Resumindo, a "identidade social" ateia certamente não é algo tão firme ou essencial quanto as "identidades" religiosas, étnicas e políticas que existem por aí, e que fluem de autoridades centrais, textos sagrados, origens geográficas compartilhadas. Ela é, assim como a "identidade" gay, forjada por uma série de causas comuns.  

Trata-se, portanto, de uma identidade coletiva artificial, tática, que talvez até venha a desaparecer quando a causa estiver ganha. Que causa? Cometendo autoplágio, cito dois parágrafos de uma postagem anterior:

Não se engane: nenhum ateu parte para o ativismo sem prévia provocação. Isso geralmente toma a forma de um momento em que o ateu olha em volta e diz: "Peraí, esses caras estão atrapalhando a minha vida por causa de umas merdas em que eles acreditam".

Ao se dar conta de que essas "umas merdas" são passivamente toleradas, quando não abertamente promovidas, pela sociedade que ajuda a sustentar com os impostos que paga, o ateu pode ser perdoado se decidir entrar em campanha para explicar a seus concidadãos que elas são, ora bolas, merdas.



Fiz toda a elaboração acima para chegar ao ponto essencial desta postagem, que é o que menciono no título, o do "ateísmo de alma branca". O que é isso? Bom, trata-se de um fenômeno que vejo aparecer cada vez mais nas redes sociais e em alguns blogs: gente dizendo, "Sim, os ateus merecem respeito, mas antes disso eles não deveriam se dar ao respeito? Essas coisas de ficar blasfemando, tirando sarro, acabam depondo contra..."


Não tenho um estudo a respeito, mas de repente me vem a impressão de que todo grupo que busca afirmar uma identidade própria, cedo ou tarde, acaba trombando com esse tipo de amigo da onça. Claro que os negros merecem respeito. Mas eles também têm de cloaborar, pô, sabendo o seu lugar. Claro que cada um faz o que quiser com a sua sexualidade. Mas homem andar na rua de mão dada com homem já é demais, né? Mulheres? Sim, têm de ser respeitadas. Mas votar, usar calça comprida, dar pra quem quiser? Opa, opa, peraí.


E então, assim como o preto bom é o preto de alma branca, mulher pra casar é mulher honesta, sindicalista bom é o pelego, gay legal é o viado enrustido, o ateu bom é o ateu manso, que não ri, não blasfema em público. 


Claro que o IYF não é a única estratégia nessa batalha. Há espaço e tempo para o debate cortês, para o silêncio, para um monte de outras coisas. Mas não dá, simplesmente, para abrir mão do IYF, assim como os sofisticadíssimos teólogos do Vaticano não abrem mão do Chalita e do Padre Marcelo. Saber ser IYF é importante. É necessário. Tem gente reclamando? Ótimo. Mais um sinal de que funciona.

Comentários

  1. Concordo em gênero, número e grau.

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  2. concordo, mas com ressalvas. acredito que a missão do ateísmo é acabar com a ignorância que a religião causa nas pessoas, mas sem ser de forma agressiva demais. o importante é fazer o ignorante entender a mensagem.

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    1. Não acho que o ateísmo tenha uma missão, e menos ainda que seja de acabar com a “ignorância” que a religião causa nas pessoas.

      Pessoalmente, sou contra o proselitismo. Acho uma tremenda falta de respeito (e um tanto arrogante) uma pessoa ficar querendo te inserir na crença religiosa dela, por mais que ela faça isso de boa fé. Diversos acontecimentos históricos, e algumas questões de direitos humanos, nos fazem (ou deveriam fazer) concluir que molestar pessoas por causa de religião é uma intromissão no sentimento privado e íntimo dela. Pior ainda é que em quase todos os casos nós convidamos o prosélito a tentar nos converter!

      Por mera questão de coerência, não me dou a “missão” de tentar mostrar aos religiosos sua “ignorância”, tentando lhes tirar de seus sistemas religiosos. Contrário fosse, eu estaria entrando no papel do prosélito. Eu seria aquilo que repudio!

      De igual forma, não concordo com a ideia imposta por certos religiosos de que o ateu bom é o ateu silencioso. Essa ideia é recriada a partir da tentativa de submeter os ateus à vontade das religiões deles, meio que subjulgando o ateísmo como algo não tão sério; digno de poder se expressar como eles. É uma forma velada de discriminação religiosa, ou melhor, discriminação contra ateus. A vantagem de estarmos num estado democrático de direitos é que para não se submeter a essa ideia basta não aceitá-la. E quem não quiser aceitar que vá para cama chorar que é mais quentinho...

      Só que de certa forma concordo com o Roberto Takata (comentários mais abaixo). Se for considerar que as provocações nada mais são do que uma igualdade na liberdade de expressão, muito do que é combatido no preconceito contra os ateus se torna uma hipocrisia. Estaríamos assim não combatendo o preconceito, ou buscando respeito, mas sim conclamando o direito de ser preconceituoso ou desrespeitoso – em pé de igualdade aos religiosos que nos atacam. É só uma forma de democratizar o erro!

      Tirar sarro pode ser lícito? Pode. Pode ser aceito em nossa sociedade? Pode. Mas é válido para os objetivos que a ATEA, por exemplo, se propôs atingir? Não. Muito do que se vê hoje no Facebook da ATEA (sem o mínimo de moderação) se equivale ao que o Datena fez contra a gente na televisão. O que isso acrescenta a nós, ateus, e aos objetivos da ATEA? Hipocrisia somente...

      Para finalizar, afirmo com todas as palavras: símbolos religiosos, desde que não estejam dentro de locais de cultos, não merece respeito de quem não credita sentimento a eles. São simples objetos inanimados que não tem direito e nem o poder de submeter alguém a respeitá-los. Só que a gente não precisa atacá-los, ironizá-los, satirizá-los, pois é totalmente dispensável – e até mesmo desnecessário. Há outras formas de atingir os objetivos que queremos, de exigir direitos, respeito, de combater o preconceito, de fortalecer a laicidade e de promover o ateísmo. Até mesmo para converter pessoas ao ateísmo (a qual eu “me incluo fora desta”) é bem menos eficaz! Acho que se mostrar diferente, civilizado, superando certos modus operandi obsoletos – mesmo que ainda comuns – e se colocando como exemplo daquilo que a gente quer é uma estratégia muito, mas muito mais inteligente, produtivo e eficaz do que ficar satirizando imagens e sendo agressivo em campanhas institucionais – ou até mesmo em meras participações no Facebook.

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    2. Correção: Pior ainda é que em quase todos os casos nós não convidamos o prosélito a tentar nos converter!

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  3. Sensacional, cara. Excelente post.

    Vejo cada vez mais esse tipo de reação: "ah, esses ateus estão piores que os evangélicos!", "ah, ser anti-homofobia também é preconceito!", "ah, essas mulheres querem ser respeitadas mas não se dão ao respeito", etc. O engraçado é que essas pessoas se acham -as- ponderadas, -as- esclarecidas, quando na verdade não estão fazendo mais do mesmo: reforçar o status quo. Estão apelando de todas as formas para calar quem não concorda com os valores da tradição da família branca machista cristã hetero. Ficam "chatiados". :(

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  4. Não consigo concordar com a premissa. Me parece um pedido de "carta branca" (trocadilho ótico involuntário).
    Aceitar o uso de qualquer recurso (mesmo os deliberadamente ofensivos) na exposição de ideias, enfraquece o tom dos argumentos e cria antipatias - e constrangimentos - desnecessárias e destruidoras da razão tão pregada pelo ateísmo. Se o direito de expressar a identidade é tão válido, não demora para aceitarmos (novamente, em termos de história) a "identidade" de homofóbicos, machistas, racistas e outros "movimentos sociais" conservadores.
    Acredito (e aqui entramos no vão das especulações que nenhuma ateu também consegue fugir) que exigir Estados e comportamentos públicos laicos NÃO exige uma caça e uma ridicularização das crenças particulares das pessoas - e se elas sabem ou não diferenciar o privado do público aí já é outro debate, que vai além da religião, especialmente no Brasil.

    Saudações, Orsi.

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    1. Oi, Mário!

      A questão, a meu ver, se desdobra em duas: a primeira é a da liberdade de expressão -- ou, mais especificamente, da liberdade de sátira.

      Ela tem de existir, e de estar aberta a todos: crentes, ateus, comunistas, fascistas, etc. Se supera os limites do bom gosto, há o opróbio dos pensantes (como o que vem recaindo sobre CQC e similares); se supera os limites da lei há, ora, a lei.

      A segunda é, infelizmente, a de reconhecer uma espécie de "corrida armamentista" retórica, da qual a agenda secularizante é, tradicionalmente, a vítima.

      Concordo que o ideal seria que desse para conversar calmamente com todo mundo, mas o fato é que há momentos em que ganha a discussão quem grita mais alto e dá o murro mais forte na mesa, então temos que estar preparados para fazê-lo, quando necessário.

      É certo que a divisão do discurso em extratos -- indo, digamos, da piada suja sobre a suposta virgindade de Maria, num extremo, aos livros de filosofia do Michael Martin e JL Mackie, no outro -- abre espaço para uma certa desonestidade intelectual, como a que se vê em muitas igrejas (no estilo, não o "verdadeiro" cristianismo não é o Malafaia, você precisa ler Tomás de Aquino...) mas não vejo como abrir mão dessa estratificação, pelo menos não agora.

      É preciso abrir um espaço ideológico para o laicismo na consciência popular, e para a consciência popular, uma boa piada ou um slogan bem bolado valem muito. "Ridendo castigat mores", etc. e tal.

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    2. Concordo, não sem alguma tristeza e não sem alguma satisfação, com esse desdobramento da reflexão, Orsi. Menos com essa parte:

      "o ideal seria que desse para conversar calmamente com todo mundo, mas o fato é que há momentos em que ganha a discussão quem grita mais alto e dá o murro mais forte na mesa, então temos que estar preparados para fazê-lo, quando necessário"

      Porque, veja, faz todo o sentido e é uma análise perfeita da realidade social... Mas, como proposição é uma bomba-relógio. Se tiramos a possibilidade da força do argumento, alimentamos o argumento da força. Aí, o retardatário debatedor que perceber que os defensores do debate creem nisso, vai abandoná-lo em busca de ferramentas mais, digamos, efetivas a ele - e voltamos ao materialismo das violências físicas, subitamente reforçado pela publicação da descrença na racionalidade do diálogo.

      Abraço.

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  5. O que fico triste é que um post da ATEA no Facebook que eu achei completamente despropositado (talvez tivesse alguma ironia que não captei, ou até captei mas não achei boa o suficiente) serviu apenas pro pessoal destrinchar a própria moral cristã sem nem se dar conta do que estão fazendo: http://www.facebook.com/ATEA.ORG.BR/posts/388409697863265

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    1. Oi, Fabiane! Ei, esse eu não tinha visto... Mas a postagem em si me parece bem neutra (comentários são outra história), só chama atenção para o link.

      Quanto a por que chamar atenção para o link, o fato é que há uma certa dissonância cognitiva em achar que "Deus" (o Deus cristão, "strictu sensu", YHWH) teria ajudado alguém a interpretar uma prostituta. E essa dissonância é engraçada. Não por causa da Débora, mas por causa de YHWH.

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  6. O ateísmo provocativo tem seu lugar e papel, mas ele não deixa, sim, de flertar com posições que estão mais próximas de aspectos negativos da religião do que se desejaria. É uma linha extremamente delicada.

    Agora, se não existisse esse ateísmo IYF, como alguns parecem advogar, ele *teria* de ser inventado e promovido. Porque se por vezes há excessos, mais comumente desempenha sim o papel importante que precisa desempenhar.

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  7. É a estratégia do Policial Bom e do Policial Mau?

    De todo modo, reparem que no Brasil, religiões como a hinduísta têm pouco atritos com os ateus. No entanto, vão lá provocar os hindus, ridicularizando Ganexa.

    Malcolm X pode ter seu lugar, mas Martin Luther King Jr. trouxe muito mais resultados.

    A comparação com "negro saber seu lugar", "homossexuais não pode andar de mãos dadas na rua", "mulher não pode usar roupa sensual" não é bom em relação a "ateus devem ser respeitosos". Em primeiro lugar, desrespeito é criticável - mesmo o responsivo. Além disso, desrespeito *não* é uma característica intrinsecamente necessária para o exercício da ateidade ou do ateísmo. Em terceiro lugar - ligando-se com o primeiro -, "negro saber seu lugar" restringe os direitos dos negros porque todo mundo, menos os negros, podem ir e vir para qualquer lugar, "homossexual deve ser discreto" restringe o direito dos homossexuais porque todo mundo, menos os homossexuais, podem demonstrar afeto em público; "mulher deve se vestir puritanamente" restringe os direitos das mulheres porque todo mundo, menos as mulheres, podem se vestir do jeito que quiserem.

    "Ateus devem se comportar" só é comparável a essas situações se a todo mundo, menos os ateus, fosse dado o direito de ser desrespeitoso.

    Qdo religiosos desrespeitam os ateus, deve se criticar o desrespeito aos ateus e não apoiar: "guerra de comida!"

    []s,

    Roberto Takata

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    1. Mas, Takata, o que é ser "desrespeitoso"? Para um "redneck" do Alabama em 1962, era profundamente desrespeitoso um negro e sentar na frente do ônibus. Para a vovozinha no restaurante, pode ser profundamente desrespeitoso o casal de machos trocando beijinhos na mesa ao lado.

      Se o palmeirense pode tirar sarro do corintiano, e isso já é até esperado na cultura, por que o ateu sacanear Ganesha (ou Jesus, ou wathever) é "feio"?

      Não se trata de uma estratégia de "tira bom" vs "tira mau", e sim de adequar o discurso ao meio: do mesmo jeito que um ministro do STF não vai proferir seu voto dizendo "Véi, que porra é essa", também ninguém vai ao boteco falando "Preclaros concidadãos". E muitas das batalhas da opinião pública são definidas em botecos.

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    2. Ser desrespeitoso é tão subjetivo quanto tirar sarro. Mas, se de um lado, vc sustenta na cultura a justificativa para palmeirense tirar sarro do corintiano (pobre palmeirense), vai ter q se sustentar na mesma cultura a justificativa de q sacanear Ganexa é feio. Por q sacanear aleijados é feio? Por q sacanear carecas é feio?

      Em botecos são definidos com muito mais frequência mortes por brigas sob influência alcoólica. Inclusive iniciadas por tiração de sarro futebolístico.

      Mas faz parte da cultura futebolística sacanear o torcedor adversário. Na questão religiosa, não. Não nos tempos modernos. Nos tempos modernos, as palavras de cultura religiosa são: tolerância, convivência, respeito, alteridade. Ao menos nominalmente. O que se pode e se deve é cobrar coerência entre a prática e o discurso.

      Se a tiração de sarro fizer parte da cultura ateia, então que tirem do discurso a exigência de respeito aos ateus. Palmeirense não respeita corintiano e vice-versa.

      Qto ao redneck, volto com o que eu disse antes: a comparação não procede. O redneck exigir que negros fiquem segregado é restritivo aos direitos dos negros. E claramente o coloca em situação de inferioridade.

      Um religioso ou um não-religioso pedir que um ateu seja respeitoso - que não faça piadinhas sobre a religião alheia e seus símbolos religiosos - está não apenas recorrendo ao entendimento legal da matéria (vilipêndio de símbolos religiosos é crime), mas principalmente exigindo uma boa educação.

      Partir pra relativismo pós-moderno com questão como "o que é ser desrespeitoso?" não ajuda em nada a melhorar a situação. Senão, tá liberado botar a mãe no meio, colocar a mão nas partes íntimas de outrem, arrotar na frente de todo mundo...

      Além disso, é regra conhecida do mundo futebolístico que só pode tirar sarro quem tem time de futebol. Quem não torce pra time nenhum, não tem q falar nada do time dos outros.

      []s,

      Roberto Takata

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    3. Eu não "justifico" a rivalidade futebolística com base na cultura. Apenas menciono que a cultura é capaz de encontrar espaço para acomodar certos tipos de acidez retórica. Por que não outros?

      Do mesmo modo que dá para perguntar, "se libera tirar sarro da religião, por que não tirar sarro de aleijados?" Dá para perguntar, "Se não pode tirar sarro de religião, como é que pode tirar sarro de partido político?"

      E torcedores rivais não se respeitam? Mesmo? A dupla de amigos mais sólida que já conheci em redação de jornal era formada por um corintiano e um palmeirense, e eles se sacaneavam de modo interminável após as rodadas esportivas, mas nunca os vi perdendo o respeito pessoal um pelo outro. Há uma diferença entre respeitar símbolos, ideias, e respeitar pessoas.

      E a cultura evolui, move-se, adapta-se, cria espaços, este é o ponto. Ela pode ser conduzida em diferentes direções por diferentes esforços (por exemplo, ser cristão significava uma coisa, socialmente, há 1700 anos, e outra hoje).

      Da mesma forma que certas forças organizadas atuam para a promover a sacralização de certos objetos e ideias (a cruz, a hóstia, etc.), outras movem-se no sentido oposto.

      O fato de o grupo sacralizante ter convencido a sociedade de seu ponto de vista não invalida eticamente os esforços de quem se opõe a ele.

      O consenso social, hoje, é o de que há uma espécie de respeito "default" devido aos símbolos religiosos. Esse "default" põe, sim, quem não partilha da mesma visão de sagrado em condição de inferioridade: por exemplo, no debate sobre certas políticas públicas, já que quem ostenta o tal símbolo já entra na conversa um degrau retórico acima dos demais.

      Esvaziar o símbolo, desinflá-lo, desafiá-lo, expô-lo ao ridículo, portanto, é parte de uma estratégia anti-descriminatória.

      Quanto a botar a mãe no meio e botar a mão nas partes íntimas, de novo, é uma questão de meios e de contextos: todo mundo xinga a mãe do juiz, e os antigos hebreus faziam seus juramentos mais solenes segurando uns os bagos do outro.

      Repetindo, há diferentes níveis de discurso, adequados a diferentes cenários e necessidades. E há, também, o velho aforismo de que se pode dizer o que quiser, desde que se esteja pronto a ouvir o que não se quer. Quem diz, "X é sagrado" deve estar pronto para ouvir "X é uma asneira".

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    4. "Por que não outros?"<=Quando vc pergunta isso de modo retórico, vc está justificando com base na cultura.

      Aí que vai: pode em um porque a cultura permite, não pode em outro porque a cultura não permite. Isso pode ser tanto interpretado como justificativa quanto como explicação.

      "Se não pode tirar sarro de religião, como é que pode tirar sarro de partido político?"

      Por que religião e política são coisas distintas. Partidos políticos podem deter cargos públicos, religiões, não. Se se iguala a duas coisas, não temos que defender um estado laico.

      "E torcedores rivais não se respeitam? Mesmo? A dupla de amigos mais sólida que já conheci em redação de jornal era formada por um corintiano e um palmeirense, e eles se sacaneavam de modo interminável após as rodadas esportivas, mas nunca os vi perdendo o respeito pessoal um pelo outro."

      1) Evidência anedótica;
      2) Está sendo inconsistente com o uso do termo 'respeito', 'desrespeito' que você fez no post.

      "Há uma diferença entre respeitar símbolos, ideias, e respeitar pessoas."

      Tem. Mas uma das formas de respeitar pessoas é não tripudiar os símbolos em que ela acredita.

      "E a cultura evolui, move-se, adapta-se, cria espaços, este é o ponto."

      O ponto é que a cultura atual não permite.

      "O fato de o grupo sacralizante ter convencido a sociedade de seu ponto de vista não invalida eticamente os esforços de quem se opõe a ele."

      O fato de a sociedade ter se convencido de que se devem respeitar as pessoas faz com que os tipos de esforços para se mudar o status quo seja limitado. Por exemplo, você deve estar convencido de que terrorismo não é um meio aceitável de esforço de oposição às ideias dominantes na sociedade. Não estou dizendo que charges sejam terrorismo, apenas mostrando que há limites.

      Eu ainda estou para ver um estudo que mostre que ofender as pessoas seja um bom esforço de convencimento.

      "Esse 'default' põe, sim, quem não partilha da mesma visão de sagrado em condição de inferioridade: por exemplo, no debate sobre certas políticas públicas, já que quem ostenta o tal símbolo já entra na conversa um degrau retórico acima dos demais."

      No máximo como efeito colateral. Isso afeta apenas a questão de símbolos religiosos em locais públicos. Não que símbolos religiosos possam, por isso, serem desrespeitados.

      Diploma de nível superior em qualquer área coloca pessoas acima em qualquer discussão. Não é preciso degradar a formação acadêmica para que a situação mude.

      "Quanto a botar a mãe no meio e botar a mão nas partes íntimas, de novo, é uma questão de meios e de contextos: todo mundo xinga a mãe do juiz, e os antigos hebreus faziam seus juramentos mais solenes segurando uns os bagos do outro."

      Ou seja, está vendo a limitação possível do relativismo. O contexto atual não aceita que uma discussão se dê em termos desrespeitosos quando se trata de algo entre desconhecidos - especialmente no que se refere à religião.

      "Quem diz, 'X é sagrado' deve estar pronto para ouvir 'X é uma asneira'."

      Não precisa estar pronto pra isso. Pode ouvir um 'X não é sagrado'. Se fulano disser: 'Minha mãe é a melhor do mundo', não está autorizando a lhe dizerem: 'Sua mãe é uma cortesã.'

      []s,

      Roberto Takata

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    5. "Eu ainda estou para ver um estudo que mostre que ofender as pessoas seja um bom esforço de convencimento."

      Depende do alvo do convencimento. A tira do Jaguar com Jesus se dizendo "pregado" na cruz não deve ter feito nenhum católico praticante cair na apostasia, mas pode ter levado alguns não-praticantes e pessoas que nutriam uma espécie de reverência cultural inercial pelo catolicismo a rever seus conceitos.

      O objetivo não é ofender por ofender, mas quebrar o reflexo de reverência automática. Sobre cujo impacto social, pelo jeito, discordamos...

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    6. Essa tira de Jaguar não é a que tenho em mente no que tange ao desrespeito.

      São as imagens de Ganexa como aberração genética ou piores: como a que joga símbolos religiosos no lixo.

      []s,

      Roberto Takata

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    7. Se permitem um pitaco:

      A questão do respeito aos simbolos e à religião do outro tem um lado teórico e outro prático: na teoria, seria bom que todos respeitassem a opinião do outro.

      Mas na prática, muitos que exigem "respeito" e gostam de citar a proteção da lei, são os mesmos que se dão o direito de afirmar que se alguém é ateu, com certeza é um imoral, depravado, inútil à sociedade, etc, etc, etc.

      Aliás, o ativismo ateu também se justifica, ao meu ver, por leis que, embora igualitarias na aparência, na prática não o são. Afinal, decretar o respeito aos símbolos religiosos é inócuo para o ateísmo, que por definição não tem símbolos. Por outro lado, dá munição a um religioso que pode reinterpretar qualquer argumento como desrespeito aos seus símbolos. Como debater com um cristão sem questionar a bíblia? Como debater com um muçulmano sem questionar o alcorão?

      Se o pior desrespeito é jogar um símbolo religioso no lixo, então a liberdade religiosa virou uma ditadura, no estilo "você tem todo o direito de discordar do governo, desde que não manifeste esta opinião a ninguém e continue a obedecer a tudo que lhe for ordenado."

      Ou seja, eu posso ser ateu, desde que aceite que determinadas folhas de papel, em que foram impressas determinadas palavras ou imagens, não são mais folhas de papel, mas símbolos sagrados que eu devo "respeitar" segundo parâmetros e rituais estabelecidos, os quais não posso questionar.

      Por outro lado, sabemos que mais de um bilhão de hinduístas consideram as vacas símbolos religiosos, portanto todos os cristãos, em nome do respeito à religião alheia, deveriam abster-se de carne bovina.

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  8. É a questão do "direito de não sentir-se ofendido" - muita gente acredita que isso existe, especialmente em se tratando de religião e opiniões - as próprias, via de regra...

    Darcy Vieira

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  9. Olá a todos.

    Gostaria de me intrometer e expor algumas constatações verificáveis, quando esse assunto entra em debate:

    1. Existem dois cenários, um ideal e outro prático: no geral, quem defende a tolerância irrestrita e o respeito irrestrito está tomando um cenário ideal como fundamento de sua opinião – e o cenário ideal é aquele que as pessoas desejam ver; porém, o cenário prático é bem diferente e podemos a cada dia verificar o poder de opressão que a religião/establishment, em cada contexto, é capaz de desenvolver, seja no plano da opressão física ou simbólica. Nesse sentido, basear minha ação/opinião apenas no cenário ideal acaba por propiciar uma ideia ingênua de que tudo vai se ‘assentar sem prejuízo às partes’. Parece-me óbvio que a crença das minorias e qualquer visão de mundo conflitante com o establishment vão, inevitavelmente, levar a pior, quando esse establishment é um notório colonizador e/ou imperialista no que tange o lugar do outro. Portanto, não só ingênuo é o idealista, ele é também realmente perigoso, uma vez que acaba por desguarnecer a posição dos lugares minoritários ou outsiders; senão, servir ao discurso do establishment.

    2. Em segundo lugar, vejo que uma grande quantidade de pessoas acaba por ‘naturalizar a cultura’, tomando-a como algo estático, como se aquilo que existe hoje, existiu no passado e merecesse existir para sempre. Acho que a opinião do Roberto Tanaka, acima exposta, de que:

    “Aí que vai: pode em um porque a cultura permite, não pode em outro porque a cultura não permite. Isso pode ser tanto interpretado como justificativa quanto como explicação. O ponto é que a cultura atual não permite”.

    na minha interpretação, ilustra essa ‘naturalização da cultura’.

    Como assim ‘a cultura não permite’? A cultura hodierna só é assim porque um dia ela permitiu que as mudanças ocorressem, permitiu que uma crença monoteísta se arraigasse pela Europa sob um império romano em decadência, assimilando tudo que não fosse facilmente extirpável e/ou que colaborasse com o fortalecimento do seu sistema de pensamento, destruindo visões de mundo pagãs e heresias, etc. Quantas culturas diferentes desapareceram no medievo? A cultura não é algo estático, imutável, não é uma lei, mas uma ‘substância’ disposta à modificações, conforme os agentes possuam a força necessária para modifica-la.

    3. Outra postura, embora quase sempre aliada ao segundo ponto, se refere a um certo multiculturalismo radical, pós-moderno, que defende de maneira irrestrita a preservação e o respeito por toda e qualquer cultura, incluindo aquelas que promovem barbaridades como a clitoridectomia, incluindo aquelas que são efetivamente imperialistas com relação ao espaço do outro. Me parece que essa postura acabou contaminando inclusive o debate ateu, o debate político.

    Enfim, era isso.
    Abraço.
    Alex Neundorf

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  10. Eu concordo. Se alguma entidade sobrenatural se sentir ofendida, que venha à este mundo reclamar.

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  11. Acho importante que exista esse tipo de manifestação "IYF", mas é bom dar espaço também pra união dos ateus pra fins mais "construtivos" - confraternização, trocas de experiências, produção e divulgação de literatura relacionada.

    A influência desse tipo de protesto, principalmente nos mais jovens, pode ter um efeito contrário ao desejado: eles aprendem a ser agressivos e apelam ao escárnio até contra outros ateus quando discordam em algum tema, ao invés de utilizar o diálogo. Lembrando que a internet é cruelmente pública, e a faixa etária do Facebook da ATEA, por exemplo, é composta por uma maioria de 18-24.

    Muito bom o texto, apesar da observação acima, concordo com o que li! É até bom que mais pessoas leiam pra contextualização.

    Abraço.

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  12. Concordo com o Shimono.
    Excelente texto.
    Parabéns Carlos Orsi.

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  13. Parei de ler o texto quando vi que vc é membro/fundador da ATEA, uma entidade escrota, suja e cheia de vilania que é capaz das piores baixezas para levar adiante a guerrinha religiosa vaidosa e inútil. Tudo porque eles se julgam os defensores do Estado Laico e acreditam que é do projeto pessoal de seus fundadores que a sociedade precisa para lutar contra a intolerância religiosa.

    Lutero não era ATEU e sua ideias provocaram mais mudanças na sociedade do que aqueles posts infantis da ATEA, que causa ojeriza até em ateus.

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  14. Os ateus não podem influenciar o futuro dos nossos filhos. Eles precisam ser impedidos de se alastrarem. Imagina daqui a 20 anos o Brasil com 70% de ateus? Não quero meu filho numa sociedade assim, com satanás dominando, prostituição e todos perdidos. Faço o que for possível para exterminar os ateus pelo bem dos meus filhos!

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