Bento XVI: o lado B
Uma prova da forte influência católica na sociedade global -- e, por tabela, na mídia -- é o fato de Joseph Ratzinger estar deixando o pontificado como "um grande teólogo" e não como um "um facilitador e acobertador de crimes sexuais contra crianças". Nada, é claro, impede que ele seja as duas coisas ao mesmo tempo, e ambos os títulos dependem, até certo ponto, de uma série de juízos de valor, mas a escolha de ênfase pelo noticiário é sintomática.
A justificativa mais ampla para o menos lisonjeiro dos títulos veio a público há quase dois anos, quando advogados ligados à causa dos direitos humanos apresentaram uma denúncia contra Bento XVI no Tribunal Penal Internacional, (TPI), em Haia. E em 2010, o jurista britânico Geoffrey Robertson já havia publicado o livro The Case of the Pope: Vatican Accountability for Human Rights Abuse , onde argumenta que documentos ratificados por Ratzinger enquanto cardeal, responsável pela Congregação da Doutrina da Fé, a antiga Inquisição, impuseram uma lei do silêncio mafiosa a padres, bispos e católicos leigos, efetivamente proibindo-os de denunciar padres pedófilos às autoridades civis. O livro, aliás, saiu no Brasil, com o título O papa é culpado?, mas a acho que a imprensa estava ocupada demais babando ovo para a Jornada Mundial da Juventude para notar.
"Não existe dúvida de que a escala do escândalo de abuso sexual só foi atingida porque diretrizes do Vaticano -- especificamente, da Congregação para a Doutrina da Fé -- exigiam que todas as queixas de abuso sexual fossem processadas em absoluto segredo e escondidas da polícia e das cortes, sob uma Lei Canônica que era obsoleta e não-punitiva", escreve Robertson.
Em pelo menos um caso, o do padre Lawrence Murphy -- acusado de molestar cerca de 200 meninos deficientes auditivos -- o então cardeal Ratzinger foi informado, por carta, dos abusos, mas nada fez a respeito. O Vaticano defende-se dizendo que as cartas chegaram décadas depois de os crimes terem sido cometidos. Ainda assim, a ausência de qualquer tipo de reação ou resposta é intrigante.
Sua atuação como papa também não foi muito melhor que a de inquisidor, ainda que tenha envolvido algum esforço de relações públicas: como a punição de Marcial Maciel, o maníaco sexual fundador dos Legionários de Cristo, cuja carreira de crimes foi absurdamente relevada por João Paulo II. No entanto, a queda de Maciel, sob Bento XVI, foi um caso típico de "gato fora do saco": veio tarde demais, quando o escândalo já era de domínio público e o culpado se encontrava quase à beira da morte.
Criticamente, a norma De gravioribus delictus, editada no reinado de Bento XVI, em 2010, não exige que bispos que tenham conhecimento de atos criminosos praticados por padres os denunciem à polícia, mas apenas à Congregação para a Doutrina da Fé. De fato, o Vaticano chegou a publicar, depois de muita pressão, uma "sugestão" de que os bispos procurassem as autoridades civis, mas ela não foi incorporada à norma. Sugestões à parte, a lei da Igreja segue exigindo "o segredo dos julgamentos, para preservar a dignidade dos envolvidos".
A ONG americana Survivors Network of those Abused by Priests (SNAP) emitiu uma nota sobre a renúncia de Ratzinger, também largamente ignorada pela imprensa. A SNAP oferece, a meu ver, o melhor resumo do pontificado de Bento XVI, tanto sob o ponto de vista teológico quanto moral: "Bento deixa uma Igreja ainda regida por leis sob as quais (...) não se pode ser casado e padre, nem mulher e padre, mas pode-se ser um estuprador de crianças e padre".
A justificativa mais ampla para o menos lisonjeiro dos títulos veio a público há quase dois anos, quando advogados ligados à causa dos direitos humanos apresentaram uma denúncia contra Bento XVI no Tribunal Penal Internacional, (TPI), em Haia. E em 2010, o jurista britânico Geoffrey Robertson já havia publicado o livro The Case of the Pope: Vatican Accountability for Human Rights Abuse , onde argumenta que documentos ratificados por Ratzinger enquanto cardeal, responsável pela Congregação da Doutrina da Fé, a antiga Inquisição, impuseram uma lei do silêncio mafiosa a padres, bispos e católicos leigos, efetivamente proibindo-os de denunciar padres pedófilos às autoridades civis. O livro, aliás, saiu no Brasil, com o título O papa é culpado?, mas a acho que a imprensa estava ocupada demais babando ovo para a Jornada Mundial da Juventude para notar.
"Não existe dúvida de que a escala do escândalo de abuso sexual só foi atingida porque diretrizes do Vaticano -- especificamente, da Congregação para a Doutrina da Fé -- exigiam que todas as queixas de abuso sexual fossem processadas em absoluto segredo e escondidas da polícia e das cortes, sob uma Lei Canônica que era obsoleta e não-punitiva", escreve Robertson.
Em pelo menos um caso, o do padre Lawrence Murphy -- acusado de molestar cerca de 200 meninos deficientes auditivos -- o então cardeal Ratzinger foi informado, por carta, dos abusos, mas nada fez a respeito. O Vaticano defende-se dizendo que as cartas chegaram décadas depois de os crimes terem sido cometidos. Ainda assim, a ausência de qualquer tipo de reação ou resposta é intrigante.
Sua atuação como papa também não foi muito melhor que a de inquisidor, ainda que tenha envolvido algum esforço de relações públicas: como a punição de Marcial Maciel, o maníaco sexual fundador dos Legionários de Cristo, cuja carreira de crimes foi absurdamente relevada por João Paulo II. No entanto, a queda de Maciel, sob Bento XVI, foi um caso típico de "gato fora do saco": veio tarde demais, quando o escândalo já era de domínio público e o culpado se encontrava quase à beira da morte.
Criticamente, a norma De gravioribus delictus, editada no reinado de Bento XVI, em 2010, não exige que bispos que tenham conhecimento de atos criminosos praticados por padres os denunciem à polícia, mas apenas à Congregação para a Doutrina da Fé. De fato, o Vaticano chegou a publicar, depois de muita pressão, uma "sugestão" de que os bispos procurassem as autoridades civis, mas ela não foi incorporada à norma. Sugestões à parte, a lei da Igreja segue exigindo "o segredo dos julgamentos, para preservar a dignidade dos envolvidos".
A ONG americana Survivors Network of those Abused by Priests (SNAP) emitiu uma nota sobre a renúncia de Ratzinger, também largamente ignorada pela imprensa. A SNAP oferece, a meu ver, o melhor resumo do pontificado de Bento XVI, tanto sob o ponto de vista teológico quanto moral: "Bento deixa uma Igreja ainda regida por leis sob as quais (...) não se pode ser casado e padre, nem mulher e padre, mas pode-se ser um estuprador de crianças e padre".
Ótimo texto, como sempre!
ResponderExcluirótimo artigo, meus parabens por expor estas verdades contra a igreja pedofila e corrupta aqui
ResponderExcluirTodos os veículos estão mencionando sim os escandâlos de pedofilia (como aliás, é razoável que o façam). Tenho visto católicos choramingando contra a "excessiva insistência" com que tocam nesse tema enquanto militantes ateus rugem contra a "leniência da imprensa". A insatisfação dos dois partidos mostra que, provavelmente, a mídia acertou a mão.
ResponderExcluirSeu texto me lembrou o delírio do Dawkins quando Bento XVI visitou o Reino Unido. Na ocasião, ele queria voz de prisão para o papa. Ninguém levou a sério porque não era sério. Era só para conseguir um pouco de visibilidade para a causa. Sem problemas. Faz parte do jogo e, graças a isso, jornalistas ganham honestamente o pão. De qualquer forma, seu texto está longe de uma análise equilibrada: amplifica alguns fatos enquanto ignora outros igualmente importantes. Uma análise bem mais serena (sem deixar de ser crítica) pode ser lida aqui: http://www.nytimes.com/2010/03/28/opinion/28allen.html?_r=0
Engraçado foi ver a reação de alguns católicos reclamando contra as críticas postadas em redes sociais. "Quem não é católico, nem entende de relações internacionais não deveria falar nada", escreveu alguém.
ResponderExcluirA ironia amarga da contínua intervenção da ICAR em assuntos que não lhe diz respeito passou longe...
-Daniel Bezerra
E DIZEM QUE O CANDOMBLé é satanismo.
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