"Mas como você explica...?"

Uma questão com que, imagino, todo mundo que se põe a discutir criticamente uma terapia dita "alternativa" acaba se deparando, cedo ou tarde, é: "Mas como você explica a melhora?" Não importa se, como no caso de práticas como a homeopatia ou o reiki, a terapia em questão tem contra si as evidências, as estatísticas, a literatura especializada e até mesmo as leis da física: nada como alguns casos "de sucesso" para evocar, no mínimo, o velho princípio de que qualquer minúscula margem de dúvida deve favorecer o réu.

O "como você explica" costuma aparecer em um de dois sabores: ou o interlocutor aponta um caso que conhece pessoalmente -- às vezes, trata-se uma experiência própria (o número de vítimas de asma e rinite que atribuem alívio à homeopatia é legião), ou há um apelo a uma espécie de implausibilidade geral ("milhares de curas não podem ser só o efeito placebo").

Muitos céticos argumentam, com razão, que a exigência de explicação alternativa embute uma ou várias falácias. A primeira, claro, é a ideia errônea de que a demonstração da falsidade de uma explicação deve, necessariamente, incluir uma explicação verdadeira como bônus. Dizer, por exemplo, que uma receita não ficou boa não obriga ninguém a apresentar uma receita melhor: basta a evidência do paladar.

Em seguida, vem o apelo à ignorância ("ninguém sabe por que eu melhorei, logo eu sei que foi por causa do enema de purê de batata": bolas, se ninguém sabe, você também não).

Outra favorita é a afirmação do antecedente -- "se o enema de purê de batata funciona, devo sarar; sarei, logo o enema funciona". Este é um erro clássico de raciocínio, que fica mais claro no seguinte exemplo: "se chover, a rua ficará molhada; a rua está molhada, logo choveu". Mas a água na rua pode ter outras causas além da chuva -- passou um carro-pipa, estourou uma adutora, etc.

Há ainda a falsa dicotomia. Digamos, "ou o enema de purê é bom pra valer ou todos os casos de sucesso são placebo". Resposta: não necessariamente! As pessoas podem ter sarado por outros motivos, como um tratamento anterior que demorou a fazer efeito, uma mudança de dieta, talvez até muitas delas nem estivessem realmente doentes ou receberam diagnóstico errado.

E, para não faltar um pouquinho de latim, há a post hoc ergo propter hoc -- a falsa ideia de que, já que uma coisa (a cura) veio depois de outra (o enema), a anterior foi causa da posterior. Mas, como se diz por aí, todo mundo bebe água antes de morrer, e nem por isso afirmamos que tomar água mata.

Mas dizer a alguém que levanta uma dúvida sincera que sua pergunta não vale, porque é falaciosa, pode não funcionar muito bem como estratégia retórica. Uma explicação detalhada da falácia, que não descarta a pergunta logo de cara e sim busca elucidar o raciocínio por trás dela, pode ser bem útil. Só que talvez não baste.

Isso porque todos nós temos o que chamo de "crenças placê", coisas em que acreditamos só para tapar um buraco cognitivo, na falta de algo melhor para pôr no lugar. Na ausência de uma explicação que considere adequada, a pessoa pode decidir manter sua confiança na terapia alternativa como um tipo de placê. Em termos ideais, crenças placê devem ser provisórias e altamente vulneráveis à evidência, mas as coisas nem sempre seguem o caminho ideal.

Então, se desempacotar as falácias embutidas na pergunta "como você explica?" não basta, o que nos resta? Pode-se tentar explicar a importância dos estudos duplo-cegos controlados, o tipo de conhecimento que todo mundo deveria ter, por uma questão de defesa pessoal. Mas eu gostaria de apresentar um gráfico que é uma das imagens mais esclarecedoras que já vi:




Como deve estar mais do que claro pelo escaneamento torto, a imagem veio de um livro: para ser exato, do artigo The Psychopathology of Fringe Medicine, de autoria de Karl Sabbagh, um jornalista de ciência britânico, publicado no volume "The Hundredth Monkey and Other Paradigms of the Paranormal". O eixo horizontal representa a passagem do tempo; o vertical, a qualidade de vida do paciente de uma doença qualquer (no alto está a saúde plena, embaixo, a morte).

A linha serrilhada representa o fato de que as pessoas, mesmo sem tratamento, quase nunca adoecem e vão piorando continuamente: mesmo que a doença progrida, implacável, rumo à morte, a qualidade de vida oscila no dia-a-dia. Sabbagh sugere que as pessoas são levadas a procurar remédios alternativos nos momentos excepcionalmente ruins, que por mera flutuação estatística quase com certeza serão seguidos por algum alívio, ainda que moderado.

Já nos momentos de alívio, ninguém vai se preocupar em tomar uma garrafada ou fazer um enema de purê de batata. Como resultado, o remédio alternativo tende a sempre dar a impressão de ter causado um efeito positivo. Outro dado importante que se pode tirar do gráfico é que há uma diferença forte entre a impressão de cura e a cura real: redução do desconforto e dos sintomas não significa necessariamente que a doença foi embora.

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