Múltiplos mundos habitáveis: história e ficção

Sete planetas, com massas estimadas entre metade e o dobro da do planeta Terra e temperaturas capazes de suportar a existência de água em estado líquido, foram encontrados em órbita de uma diminuta estrela a 39 anos-luz da Terra. É verdade que se fala que apenas três deles estão na chamada “zona habitável” da estrela, mas esse conceito de “habitável” é, para dizer o mínimo, controverso: para defini-la corretamente, é preciso levar em consideração muitos outros fatores para além da irradiação estelar, como, por exemplo, a atividade geológica. No nosso próprio Sistema Solar, afinal, as luas de Júpiter e Saturno, que estão bem fora da zona habitável ortodoxa, são hoje os principais candidatos a abrigar formas de vida extraterrestre.


Com massa que é apenas 8% da do Sol, a estrela, chamada TRAPPIST-1, é uma “anã vermelha gelada”, pequena e de temperatura relativamente baixa. A descoberta é descrita na revista Nature. Para os fãs de quadrinhos, é curioso lembrar que a estrela do planeta Krypton costumava ser descrita como uma anã vermelha.

A descoberta do complexo sistema de TRAPPIST-1 pode voltar a pôr na moda uma ideia que a ficção científica vinha deixando mais ou menos de lado, a de sistemas estelares com múltiplos mundos habitáveis. Eles já haviam sido bem comuns no passado. Por exemplo, em sua série dos Príncipes Demônios, o grande Jack Vance dava à estrela Rigel nada menos que 26 planetas, muitos deles adequados para a vida humana. A série Jornada nas Estrelas também tem episódios envolvendo conflitos entre planetas de um mesmo sistema (Um Gosto de Armageddon e Padrões de Força logo vêm à mente).

Historicamente, até metade do século passado não era irrazoável supor que pudesse haver vida avançada em Marte: há registros históricos de que, em 1924, houve um esforço para se tentar captar transmissões de rádio vindas do Planeta Vermelho. Na época, Edgar Rice Burroughs povoava todo o Sistema Solar com espécies autóctones: seus livros estavam cheios de marcianos, venusianos e selenitas, seguindo uma tradição que remontava a Luciano de Samósata, passando por Cyrano de Bergerac.

Mas a ideia vinha de diversos planetas habitáveis em órbita de uma mesma estrela andou ficando de lado nos últimos tempos, substituída por tropos como a terraformação (conversão de mundos inabitáveis em habitáveis por meios tecnológicos) e a colonização transumana (a adaptação artificial do corpo humano para a sobrevivência em ambientes hostis). Ambas as abordagens nascem do pressuposto de que mundos adequados para a vida são extremamente raros. E se cesse pressuposto estiver errado?

Três dos mundos do novo sistema já haviam sido encontrados em órbita de TRAPPIST-1 no ano passado, por meio da técnica de trânsito, em que a presença do planeta é inferida pela queda no brilho da estrela, quando um obstáculo passa pela linha de visão entre o astro e a Terra. Essas descobertas originais levaram pesquisadores a lançar uma campanha contínua de observação da estrela, cujos resultados são publicados agora.

Os autores no artigo mais recente são baseados nos EUA, Europa e Oriente Médio, e chamam atenção para o fato de que deve ser possível caracterizar a atmosfera desses novos mundos, “com instalações astronômicas atuais ou futuras”.

O fato de os planetas transitarem diante da estrela torna, em princípio, possível o uso da “iluminação de fundo” fornecida por ela em análises espectroscópicas. A eventual presença de oxigênio na atmosfera de algum dos mundos de TRAPPIST-1 poderia ser um indicador da existência de vida.


“Os seis planetas internos formam uma cadeia quase-ressonante, tal que seus períodos orbitais (...) são razões aproximadas de pequenos números inteiros”, diz o artigo. “Essa arquitetura sugere que os planetas se formaram longe da estrela e migraram para dentro. Além disso, os sete planetas têm temperaturas de equilíbrio são baixas o bastante para possibilitar a presença de água em estado líquido em suas superfícies”.

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