Estrela de Belém: da astronomia à literatura

Chegando o Natal, o tema da "identificação" da Estrela de Belém tende a ressurgir na mídia. Para os infiéis mais desligados: essa estrela teria sido um fenômeno astronômico, ainda hoje não adequadamente identificado, que mostrou aos Reis Magos o caminho de sua pátria oriental até a casa de José em Belém, onde se encontrava o Jesus recém-nascido.

(Um aparte: a ideia de que os visitantes eram "reis", cada um deles representando uma das raças não-semíticas predominantes do Velho Mundo -- um amarelo oriental, um branco europeu, um negro africano -- não tem apoio bíblico: o texto fala em magi, palavra usualmente traduzida como "magos", mas também usada em referência a sacerdotes do culto zoroastrista da Pérsia e, por extensão, a sábios e doutos em geral. Em inglês, eles são chamados apenas de wise men, "sábios". O texto do Evangelho de Mateus, único a mencionar esses magi, também não diz quantos eram eles. O número de três é deduzido a partir das três substâncias oferecidas em tributo ao messias: ouro, incenso e mirra.)

O fato de a "estrela" ser um fenômeno não-identificado até hoje faz com que encontrar especulações sobre sua natureza, nesta época do ano, seja algo tão previsível, no jornalismo de divulgação científica, quanto receitas de peru e dicas sobre frutas secas, nos cadernos de gastronomia. Em seu livro The Nativity, o historiador Geza Vermes menciona três candidatos mais frequentes: uma supernova (hipótese explorada magistralmente por Arthur C. Clarke em um de seus mais potentes contos), o cometa de Halley ou uma conjunção planetária especial.

Vermes, no entanto, despacha rapidamente esses contendores, pois da supernova não há confirmação, e tanto o cometa quanto a conjunção vieram no tempo errado, cedo demais -- em 12 e 7 AEC -- para bater com a timeline do nascimento de Jesus, que de acordo com o que se depreende dos Evangelhos teria de ter ocorrido em 5 AEC.

Além disso, o historiador diz que a busca astronômica pela estrela não faz sentido, já que sua presença no texto é muito provavelmente simbólica. "Toda a evidência disponível mostra que o miraculoso corpo celeste (...) pode ser melhor explicado por meio de considerações literárias, e não astronômicas", escreve o estudioso.

A primeira pista levantada por Vermes é uma profecia atribuída a Balaão, o do famoso asno: "Uma estrela virá de Jacó e um cetro se erguerá de Israel". Segundo o pesquisador, muito da literatura judaica corrente nos séculos que compreendem a composição do texto de Mateus interpretava essa referência a "estrela" e "cetro" como metáfora para um rei messiânico.

Além disso, outras tradições associavam luzes brilhantes ao nascimento de importantes figuras da mitologia judaica: Vermes fala de relatos que davam conta de que Noé e Moisés, por exemplo, teriam nascido em meio a uma grande radiância. Um texto medieval associa ao nascimento de Abraão o surgimento de uma nova estrela no céu. Os romanos também tinham uma crença semelhante: que o nascimento de grandes homens era marcado pelo aparecimento de estrelas nunca antes vistas.

Aliás, não só o advento de Otaviano -- o futuro César Augusto -- teria sido marcado pelo surgimento de uma estrela, como o Senado romano, assustado com o oráculo de que um rei havia nascido na cidade ferozmente republicana, teria proibido que fossem criados meninos por um prazo de 12 meses, num curioso paralelo com o mito do massacre dos inocentes por Herodes. Numa nota oposta, bem mais tarde um cometa foi interpretado como sinal de que o reino de Nero estava chegando ao fim.

Vermes também nota que, por volta de 69 EC, alguns anos antes do período em que o texto de Mateus provavelmente foi escrito, surgiram boatos de que um "rei do mundo" surgiria da Judeia. Os romanos viram a profecia realizada quando Vespasiano -- comandante das forças que combatiam o levante dos judeus -- tornou-se imperador. Já os judeus rebeldes provavelmente encararam o boato como um portento messiânico. E quebraram a cara. Mas a associação entre estrelas, nascimentos de reis e a profecia do "rei do mundo" pode ter ficado -- provavelmente ficou -- fulutando na cultura.

"Nesse contexto", escreve Vermes, "não é irracional supor que a ideia da estrela e a narrativa dos magos" tenham surgido do clima cultural do "período de gestação" dos Evangelhos. Ele conclui seu comentário lembrando que uma estrela-guia desempenha um papel importante na Eneida, composta mais ou menos na mesma época.

Comentários

  1. Outro que teve o seu nascimento junto com o surgimento de uma nova estrela foi o grande lider Kim Jong-il.

    http://gawker.com/5869210/

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  2. ^^^^ ehhehe... verdade. Gostei do blog e vou passar a acompanhá-lo,abraço.

    PS: você pode fazer uma resenha livros de leitura obrigável?

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