Darwin e a questão de Fermi

Feliz aniversário, Charlie!

Neste domingo, faz 203 anos que nasceu Charles Darwin, codescobridor, com Alfred Russel Wallace, do processo de evolução das espécies. Como não dava para deixar passar a data em branco, resolvi registrar aqui uma reflexão que me ocorreu há algum tempo -- e que já li, de uma forma ou de outra, alhures, também.

Essa reflexão aplica o princípio de "sobrevivência do mais apto" a um dos problemas candentes do século 20, a Questão de Fermi. Formulada pelo físico italiano Enrico Fermi, a questão pergunta: "Onde está todo mundo?" Sendo "todo mundo", no caso, as outras civilizações inteligentes da galáxia.

Fermi fez a pergunta depois de estimar, de um modo meio grosseiro, o número esperado de espécies racionais que deveria haver na Via Láctea, e concluir que, ora bolas, já deveríamos ter sido visitados, aqui na Terra, por pelo menos uma.

Cálculos posteriores confirmaram a intuição do italiano: pelo que sabemos, nossa galáxia já teve tempo e condições de produzir outras civilizações além da nossa e, crucialmente, qualquer civilização com inclinações semelhantes às que temos para a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico já teria tido tempo de visitar todas as estrelas da Via Láctea.

Por "visitar", veja bem, não se entende necessariamente o envio de missões tripuladas, mas também de sondas, como as que hoje temos em Marte, Vênus e Saturno.

O fato, porém, é que não vemos sinais disso no nosso sistema solar -- não há sucata alienígena boiando no cinturão de asteroides (eu tenho a esperança de que de fato haja algo assim por lá, esperando para ser encontrado, mas até agora a ausência de evidência é melhor entendida como evidência de ausência).

Há várias explicações propostas para a questão de Fermi, mas a que me parece mais interessante é a darwiniana: quem disse, afinal, que civilizações tecnológicas têm valor adaptativo no longo prazo?

A aplicação da "sobrevivência do mais apto" nesse contexto tem ainda o valor de dissipar uma confusão muito comum que tende a se associar ao conceito de "mais apto": ser mais apto, evolutivamente, não é ser melhor, mais bonito, mais inteligente, mais meritório, etc., em nenhum sentido objetivo dessas expressões. Significa, apenas, estar mais capacitado a navegar os obstáculos do momento à sobrevivência e à reprodução. Este é, aliás, o erro fundamental dos "darwinistas sociais": sim, um ambiente social cruel e impiedoso estimula nas pessoas as características que as tornam "mais aptas" a se virar nele, mas essas características traduzem o tipo de valor humano que queremos? Por que isso seria desejável?

Enfim. Aplicado à questão de Fermi, esse mesmo raciocínio sugere a seguinte explicação: de todas as estratégias abertas aos seres vivos, inteligência e tecnologia não estão entre as mais eficientes. Pensando aqui mesmo, no caso da Terra: pernas e olhos, por exemplo, evoluíram várias vezes, mas inteligência, imagino, no máximo duas (entre os mamíferos e os pássaros)  muito poucas. E inteligência sofisticada o bastante para explorar o espaço, apenas uma vez!

Parafraseando JBS Haldane, se existe uma preferência especial na árvore da vida, ela está mais voltada para ops besouros do que para os seres inteligentes.

Um erro comum entre as pessoas que se veem confrontadas com esse argumento pela primeira vez é vê-lo como um sinal de menosprezo pelos dons da inteligência.

Mas não se trata disso, e sim de reconhecer que o "valor" de uma característica depende do fim a que ela é aplicada: uma linda voz de soprano é muito valiosa em vários contextos, mas não ajuda a consertar cadeiras quebradas. A inteligência, então, funcionaria da mesma forma: muito útil e interessante para os indivíduos que a possuem, mas talvez não uma boa estratégia de longo prazo para a espécie como um todo.

Comentários

  1. "mas inteligência, imagino,no máximo duas (entre os mamíferos e os pássaros)"<=Tem pelo menos os cefalópodos octópodos. E mesmo entre mamíferos, uma inteligência significativa parece ter evoluído de modo independente em linhagens como primatas, roedores e carnívoros.

    De todo modo, de fato, a inteligência não é vantajosa em vários cenários. Discuto rapidamente a questão aqui: http://migre.me/7T33p (pág. 39)

    []s,

    Roberto Takata

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  2. Tem aquela equação também representada no Cosmos, esqueci completamente do nome do autor.

    Entretanto, uma pergunta que me parece que falta ao dois raciocínios: quem disse que as formas de vida têm que ter a "linha de largada" ao mesmo tempo? Nosso planeta teve meia dúzia de setbacks que quase limparam por inteiro o ecossistema. O mais recente, há 65 milhões de anos. Ou seja, não é um problema de aonde a vida/inteligente vai surgir, mas de quando.

    Será que origens evolutivas particulares, aliadas a uma complexidade adquirida de milhões de anos de diferença não impossibilitariam o diálogo -- por mero desinteresse até de quem poderia iniciá-lo? Claro, eu *já* estou no campo da especulação solta, mas... makes me wonder.

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  3. srsrsrs eu fiquei a aqui a pensar se o que procuramos em mundo tão diferentes não é um tipo de inteligencia que conhecemos. Por exemplo: se o chamamos de vida toda as formas possíveis na terra, na lua, se tiver vida, inteligencia, nó não a notamos, mas não implica que por isso não somos notados. Parece-me, que podemos nos adaptar num outro lugar, mas parece que a terra é inadaptável para extraterrestres. talvez, já tentaram, mas foi devorado logo ao entrar na camada atmosférica. como um corpo produz seu anticorpos, a terra é um gigante vivo pelo fato de aqui ter vida, portanto, tem seu meio de defesa natural

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  4. Vasques,

    Creio q esteja a falar da equação de Drake. Ela não diz que todas as formas de vida no Universo surgem ao mesmo tempo, mas sim que há uma janela de tempo para que *hoje* recebamos um sinal - que, dada a condição da mediocridade copernicana, considera que a probabilidade é mais ou menos a mesma ao longo do tempo (menos bem no início do Universo), e, dada a quantidade de planejas na Via Láctea, o número de civilizações tecnologicamente avançadas ao longo do tempo permanece mais ou menos igual.

    []s,

    Roberto Takata

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  5. Para ilustrar melhor o argumento, basta lembrar que os dinossauros estiveram por aí durante milhões de anos sem serem ameaçados pelos nossos ancestrais. Não havia nenhum indício de que tomaríamos o poder deles com algum tipo de golpe militar, mas infelizmente, para eles, tinha uma pedra no meio do caminho.

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