Para o mundo que eu quero descer!

Olha que domingo legal: João de Deus no Estadão, JJ Benítez na Folha. A entrevista com o autor de Operação Cavalo de Troia tem o pretexto de estar num caderno de entretenimento, onde nada é para se levar muito a sério mesmo (quem ainda se lembra de quando a Ilustrada era um caderno sério de cultura?), mas sofre do título inepto: "Autor que refuta a Bíblia...". Refutar, crianças, é provar de forma cabal que algo está errado. Benítez não faz isso. O que o editor responsável pelo título queria dizer é "Autor que contesta" ou, vá lá, "que polemiza". Fica a dica.

(Uma pequena digressão: na entrevista, Benítez diz que os Evangelhos omitem o fato de que Maria não entendia a missão de Jesus. Ele está errado: em Marcos, fica bem claro que a família de Jesus achava que o Filho do Homem estava doidão e precisava ser detido. Mc 3:31: "Quando os seus o souberam, saíram para o reter; pois diziam: "Ele está fora de si."").

O caso do Estado é, certamente, mais grave. O texto expõe, acriticamente, afirmações como "Quem não pode se deslocar até Abadiânia, manda fotos ou peças de roupa por intermediários. As curas de João de Deus, garantem os funcionários da casa, podem ser sentidas à distância." Ou, "A ele são creditadas curas de cegos e paralíticos".

O repórter evita se comprometer com as alegações, afastando-se delas por meio de expressões ensaboadas como "os funcionários garantem" e "a ele são atribuídas". Mas, primeiro, o jornalista está ali para dar os fatos ao leitor ou para reproduzir boatos? O leitor não merece algo além de testemunhais que poderiam estar num comercial de TV? E, segundo, supondo que o jornalista não tivesse mesmo os meios de levantar todos os dados necessários para emitir um juízo honesto, que tal oferecer, ao menos, uma perspectiva crítica? A análise do Skeptic Dictionary está a um Google de distância, pelamordezeus.

E suponho que os conselhos de medicina tenham algo a dizer a respeito. Ou não? Outra fácil de achar no Google é esta matéria aqui, da imprensa goiana, com opiniões de médicos e do Ministério Público.

Do jeito que o texto está, nada impede que algum pobre-diabo que o leia resolva interromper a quimioterapia, na esperança de mandar uma cueca usada para ser "operada" por João. Uma chamada de capa a mais no currículo vale isso?

Comentários

  1. O jornalismo acabou. Um jornalista, dono de um blog que leio diariamente, como o seu, escreveu isso dias atrás. Concordo plenamente.

    Evidências ? Sou assinante da Sky. A GloboNews tem um sistema de "interatividade" que permite ler notícias enquanto a imagem ao vivo fica em uma janelinha. As notícias, ao que parece, são copiadas dos grandes portais, especialmente da Globo. Lendo, constata-se facilmente duas coisas:
    - Mais da metade, talvez mais de três quartos dos textos tem erros básicos de concordância. Coisas que não ficariam impunes se eu as cometesse na sexta série do primário. Mas que hoje são escritas por pessoas que provavelmente são formadas em jornalismo.
    - Toda e qualquer notícia tem pelo menos duas vezes o adjetivo "suposto", que visa tirar a responsabilidade do autor e do veículo sobre qualquer fato novo que surja. Se o nível fosse esse em 2001, teríamos lido que o World Trade Center foi supostamente atingido por dois aviões, e supostamente desabou. O suposto ataque terrorista foi atribuído à Al-Qaeda, baseado em declarações de Osama bin-Laden, suposto lider da organização.

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  2. Minha esperança, se é que existe alguma, é criarmos uma mídia paralela, através de blogs e redes sociais.

    A mídia tradicional não tem mais nada a oferecer, muito menos a verdade.

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