Mensalão e o veredicto escocês

Não tenho, evidentemente, competência técnica para opinar sobre os padrões de prova usados pelo STF para separa culpados de inocentes no caso do mensalão, mas o debate todo me fez lembrar de uma curiosidade histórico-jurídica: o veredicto escocês.

Diferentemente da maioria dos países do mundo, na Escócia um tribunal penal tem três veredictos possíveis,em vez de apenas dois -- os tradicionais culpado e inocente. Além dessas categorias, um réu na Escócia pode acabar vendo-se enquadrado numa terceira classe, "não provado".

Um veredicto de "não provado" significa, na prática, uma absolvição no sentido jurídico -- ninguém vai preso -- mas pode ser uma condenação no sentido moral. Uma piada comum é a de que uma decisão de "não provado" significa "inocente, mas não faça isso de novo".

Historicamente, o veredicto triplo escocês parece ter surgido no século XVIII, quando um júri decidiu declarar que um réu contra o qual havia provas contundentes era "inocente". Até então, a Justiça escocesa aceitava apenas dois veredictos -- "provado" e "não provado", sendo que uma decisão de "provado" levava à aplicação da pena. No caso emblemático, os jurados consideraram que o réu, embora tivesse o caso provado contra si, era moralmente inocente.

A tradição do terceiro veredicto é alvo de polêmica na Escócia, de acordo com a Wikipedia. Seus detratores dizem que uma decisão de "não provado" pode lançar um peso de condenação moral e social sobre pessoas inocentes. Já seus defensores o veem como um meio de os jurados absolverem réus, mesmo se convencidos de sua culpa moral, caso as provas concretas do caso não sustentem a acusação.

Assim, o "não provado" pode funcionar tanto como a imposição de um estigma social quanto como um modo de impedir que inocentes, enredados em evidências circunstanciais, sejam indevidamente punidos pelo Estado. Este artigo defende uma ampliação do sistema de veredictos dos EUA para um modelo similiar ao escocês, argumentando que a dicotomia "culpado"-"inocente" limita a liberdade de expressão do júri.

No caso do mensalão, é difícil imaginar como a liberdade de expressão dos ministros do STF poderia ser vista como "limitada", dada a caudalosa prolixidade dos votos proferidos, mas a mensagem final acaba sendo sempre a de "condenado/culpado" ou "absolvido/inocente".

Uma opção "não provado", equivalente a "absolvido/culpado", talvez tivesse salvo algumas pessoas da cadeia -- ou, de modo inverso, tornado algumas condenações ainda mais contundentes, do ponto de vista moral.

Comentários

  1. Bom dia Carlos!
    Gostei muito do post, o assunto é pertinente mas faço uma ressalva. O veredicto escocês já existe no Brasil. Não de forma oficial, mas pense: mesmo com as condenações (muitas delas baseadas em evidências) os réus não cumprirão pena máxima. Os advogados persistirão na premissa do cumprimento do 1/3 da pena, atenuantes de réus primários, etc, etc. Sabemos que no fim só aqueles de menor expressão, ou poder aquisitivo irão de fato ser encarcerados. Mas o julgamento moral já ocorreu. O debate visto no Supremo (aliás, nunca teve tanta mídia e repercussão um evento destes julgado por esta instituição) atingiu seu objetivo: elucidar os fatos, trazer à luz tudo aquilo que nós especulávamos ser verdade. Debateu sobre um assunto que incomoda 9 em cada 10 brasileiros. Posso estar errado, mas creio que 10, 20, 30 anos, neste momento pouco importa. O que importa são as consequências históricas deste evento. Pela primeira vez na minha curta vida vi a justiça ser praticada como deve ser.

    Abraço!

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    1. Caro Wilton
      Dá pra perceber pelo seu post que você tmb não é operador do Direito, caso contrário saberia que a dosimetria da pena não é feita por advogados e que, dado o número absurdo de decisões "controversas", para dizer o mínimo, fez realmente falta caracterizar aquilo que foi e aquilo que não foi provado, principalmente lembrando que jornais e revistas (que estão longe de ser imparciais e idôneos) não são o Judiciário e o que vc chama de "justiça ser praticada" pode ser considerado simplesmente um caso de arbitrariedade ou julgamento de exceção.

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    2. Caro Adriano,

      Entendo seu ponto de vista. Realmente sou ignorante no que tange o conhecimento e aplicação do Direito. Mas creio que a opinião pública, independente da mídia ser tendenciosa ou não, precisava de uma resposta. Não qualquer resposta, ou como vc citou, um julgamento de exceção, mas algo palpável, algo que provasse que não importa a magnitude de um crime, nem quem quer que seja que o praticou, mas sim que todos estão sujeitos às mesmas regras. Vou me apropriar mais uma vez do termo "julgamento de exceção" só para fazer uma analogia. Nenhum crime é admissível, mas será que um pai de família que diante da necessidade de alimentar seus filhos, furta comida, terá REALMENTE todas as chances de Ampla Defesa e Contraditório previstas na constituição federal? Será que ele conseguirá uma Habeas Corpus? Será que será levado em consideração todo o cenário sócio-econômico que o levou a cometer o ato? Será que ele teria a mesma tratativa de José Dirceu, Genoíno, Marcos Valério? Todos sabemos a resposta. O que discuto aqui é que não vemos o oxigênio, mas sabemos que ele existe, assim como o mensalão e seus mentores, portanto estes devem, de uma forma ou de outra, ser punidos. Daí sim discutiremos toda a reforma que o Judiciário necessita.
      Agradeço sua opinião e o espaço que o Carlos Orsi abriu no seu blog.

      Att,

      Wilton

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    3. Caro Wilson
      Existe um mito chamado "opinião pública" que nada mais é do que o pensamento de rebanho e a preguiça mental.
      Eu não me lembro de ter passado procuração para ninguém falar em meu nome quando vejo alguém falando que "o Brasil quer isso ou aquilo".
      Mas o que a grande massa de manobra dos consumidores teleguiados parece querer e está amplamente recebendo é mais do mesmo: pão e circo.
      No caso em questão, muito circo orquestrado milimetricamente para atender alguns interesses, e o que me entristece é ver que a grande massa está se sentindo "vingada" porque prenderam o sujeito que comprou o produto contrabandeado sem nem chegar perto de quem vendeu, dos transportadores nem dos idealizadores originais do contrabando (e não, não estou falando do Lula, como a VEJA quer fazer acreditar e sim daqueles que ela tenta proteger).
      No caso que vc citou, um juiz responsável e diligente iria desqualificar o crime como "furto famélico" e soltar o sujeito (provavelmente diriam que ele era um vendido como um Lewandovski).
      Eu realmente fico admirado com as certezas das pessoas quanto a fatos que não presenciaram, que não sabem, que, como foi dito até a exaustão, não conseguiram provar, mas "todo mundo sabe"... me dá muito medo esse tipo de raciocínio e as atrocidades que já foram cometidas na história da humanidade por conta de coisas que "todo mundo sabe".
      Desculpe Wilson, mas até o momento, só vi o circo.
      Se tiver tempo, leia esse artigo e entenderá um pouco mais do meu ceticismo:
      http://www.cartacapital.com.br/politica/o-stf-e-suas-contradicoes/?autor=28

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  2. É perigoso o tal "não provado" por aqui, o jeitinho brasileiro encaixaria como uma luva isso quando interessasse aos tubarões, tanto tubarões que julgam como para os que seriam julgados.

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  3. E aí... SACANDO DA "CARTA CAPITAL", uma revista financiada com dinheiro público pra refletir a opinião petralha na nação de crédulos em Deus Lula, o Adriano finalmente se mostrou sem máscara: um petralhinha de carteirinha!

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  4. Aqui no Brasil existe absolvição por falta de provas. Inclusive, respeitada a prescrição, o processo nestes casos pode ser reaberto

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