Vá para Marte, rapaz!

E eu ainda não escrevi nada sobre o plano de  Dennis Tito de mandar um casal para Marte em 2018, anunciado no fim de fevereiro. Que coisa.



Para quem perdeu: o milionário, ex-turista espacial e ex-engenheiro da Nasa, Dennis Tito, hoje um excêntrico septuagenário, decidiu financiar um plano para enviar um par de seres humanos, preferencialmente um casal casado, num fly-by de Marte no final desta década. "Fly-by" é passar voando, sem pousar. A tripulação da nave de Tito teria uma vista magnífica do planeta vermelho por cerca de 20 horas, e depois mergulharia de volta no caminho para a Terra. Entre ida e volta, os passageiros passariam 501 dias, a sós, no espaço, confinados num cilindro de 17 metros cúbicos, volume aproximadamente igual ao de um quarto de 6 metros quadrados.

É pouco, mas na ausência de peso todas as superfícies podem ser aproveitadas -- o equipamento de ginástica pode ficar parafusado no teto e as camas, ao longo das paredes,  por exemplo. Ainda assim, a pressão psicológica há de ser notável.

O plano todo lembra, dados os devidos descontos, o enredo de da Terra à Lua, de Jules Verne, cujos protagonistas sobrevoaram o satélite da Terra a bordo de uma bala de canhão, cuja trajetória já havia sido predefinida no ato do lançamento e sobre a qual não tinham nenhum controle. Pelo menos uma fonte cita Tito comparando a missão não exatamente a um obus, mas a um bumerangue. O princípio, no entanto, é o mesmo: uma vez tendo o bumerangue deixado a mão do arremessador (ou a bala, a boca do canhão) a trajetória é um fait acompli das leis da física newtoniana.

O plano é factível? Sim. De acordo com um historiador da Nasa, entre 1950 e 2000 foram realizados mais de 1.000 estudos sobre como enviar seres humanos a Marte, começando com o plano megalomaníaco de Von Braun para construção de uma frota invasora em órbita da Terra, cujos astronautas pousariam em Marte de asa-delta.



A viagem a Marte deve ser possivelmente o projeto de engenharia não executado mais planejado e estudado de todos os tempos e, na comparação com outras versões, a de Tito é até bem modesta.

As posições relativas entre Marte e a Terra variam em um ciclo de 15-16 anos, sendo que dentro de cada ciclo há aproximadamente 7 "janelas", ou oportunidades de transferir material de um planeta para o outro com gasto mínimo de energia.

Se você já jogou Angry Birds - Star Wars, sabe como é possível usar a gravidade de um objeto, colocado entre o autor do disparo e o alvo, para acelerar um petardo em direção ao destino. Trajetórias de baixa energia para Marte são assim. O objeto entre o disparo e o alvo é o Sol, o que significa que essas viagens só são possíveis quando Marte e a Terra estão em lados diferentes do astro-rei.

 O ano de 2018 foi escolhido por ser um onde os requisitos de energia serão especialmente baixos. Some-se a isso o fato de que, ao não pousar em Marte, a nave escapa de toda aquela parte chata de desacelerar e de ter de fazer manobras, entrar na atmosfera marciana, calcular o combustível para voltar ao espaço, etc., e dá para ver como tudo fica mais fácil.

Não que a missão planejada por Tito seja uma missão clássica de conjunção, como esse tipo de viagem é chamado: "conjunção" porque Marte e o Sol estão, ambos, juntos do mesmo "lado" da Terra. A expressão é de uma certa brejeirice geocêntrica, mas os engenheiros parecem gostar dela.

Não se trata de uma missão clássica de conjunção porque um caso típico iria requerer que os astronautas passassem alguns meses em Marte, esperando um novo alinhamento adequado entre o planeta vermelho, a Terra e o Sol.  Em vez disso, a versão de Tito requer um retorno imediato (trata-se, afinal, de um fly-by), e por isso a cápsula terá de mergulhar no sistema solar até tangenciar a órbita de Vênus antes de voltar para a Terra.






Disse que o plano apresentado torna as coisas mais fáceis do que num design clássico, mas "mais fácil" não significa fácil. Os principais problemas envolvem a tripulação: não só o desgaste psicológico, como também o físico (passar quase dois anos sem peso não é bolinho) e a exposição à radiação. Explosões solares inundam o espaço com partículas, o que não é nada bom para a saúde, se você estiver fora da atmosfera e do campo magnético da Terra. Astronautas do programa Apollo, por exemplo, escaparam por pouco de exposições a níveis possivelmente letais de radiação solar.

A nave usará parte do foguete que a jogará ao espaço como escudo -- mantendo o estágio apagado apontado para o Sol todo o tempo -- e possivelmente terá outros tipos de blindagem, como fazer a água do sistema de suporte de vida circular por dentro das paredes (água é uma proteção eficaz contra raios cósmicos). Além disso, os viajantes serão voluntários com, espera-se, plena consciência de que, mesmo se voltarem inteiros à Terra, o risco de desenvolver câncer em algum momento do futuro terá sido significativamente ampliado pelo passeio.

A questão dos voluntários traz, talvez, a mais candente de todas as que giram (sem trocadilho) em torno do plano: por que fazer isso? Levar astronautas à superfície de Marte, ou mesmo a uma de suas luas, pode gerar benefícios científicos ou, mesmo, iniciar uma onda de exploração econômica -- talvez colonização -- do sistema solar. Mas, um fly-by? Tripulado? Para quê?

Tito diz que seu objetivo é inspirar a "nova era de exploração espacial". É como se a missão fosse uma espécie de Colosso de Rodes tecnológico, um épico da vida real. É curioso ver um empresário pondo a coisas nesses termos, já que durante as últimas três décadas o discurso da iniciativa privada, quando se falava em ir para Marte, era de desprezo pelo esquema de justificativa simbólica, de "deixar pegadas e plantar bandeiras", e de exaltação da exploração sustentada, lucrativa, como descrita no livro How to Live on Mars, um divertido guia de sobrevivência para um possível futuro anarco-capitalista marciano.

Comentários

  1. De todos os textos que li sobre, achei este bem legal: http://www.thespacereview.com/article/2253/1

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