Vamos tirar uma comissão para analisar a sua proposta...

Sabe a velha piada sobre como a melhor forma de impedir que um problema seja resolvido é marcar uma reunião e montar uma comissão? Pois é, não é uma piada. É um fato científico.

E nem se trata de um fato novo, na verdade: sua primeira demonstração ocorreu na década de 1880, quando o engenheiro francês Max Ringelmann mediu o esforço feito por trabalhadores que tinham de puxar cordas para erguer pesos.

O resultado, descrito no livro 59 Seconds, do psicólogo Richrad Wiseman, foi o seguinte: puxando a corda sozinho, cada trabalhador erguia, em média, 90 quilos; puxando a corda em grupo, o peso médio sustentado individualmente caiu para 70 kg.

Wiseman compara esse efeito de "vadiagem coletiva" à difusão de responsabilidade que comumente afeta multidões: outras pesquisas já demonstraram que, se uma pessoa está sozinha um ambiente onde uma emergência tem início -- um incêndio, um ataque epilético -- esse indivíduo solitário se apressa em fazer o melhor possível para contornar o problema. Já se a emergência ocorre numa sala lotada, todo mundo fica parado, esperando alguém tomar a iniciativa.

(A dica, por falar nisso, é, quando precisar de ajuda numa emegência, não gritar "socorro" genericamente, mas, sempre que possível, olhar bem nos olhos de alguém e pedir ajuda diretamente para aquela pessoa.)

Outros experimentos citados pelo psicólogo de como a difusão da responsabilidade prejudica o desempenho:


  • Peça a pessoas que facam o máximo de barulho possível, e um indivíduo, sozinho, será mais barulhento do que a mesma pessoa dentro de um grupo;
  • Peça a um grupo de pessoas que some uma coluna de cifras e, quanto maior o número de envolvidos, menor será a eficiência da operação;
  • Peça que pessoas ofereçam ideias originais e elas serão mais criativas sozinhas do que num "brainstorming" coletivo.
Outro fator que torna reuniões e comissões especialmente ineficientes é o poder da conformidade. Em um experimento descrito por Wiseman em outro livro, Paranormality, voluntários foram integrados a grupos compostos, majoritariamente, de "cúmplices" do experimentador. Aos grupos foram mostrados dois cartões, um contendo uma única linha traçada e o outro, com três linhas desenhadas, sendo uma delas do mesmo comprimento que a linha solitária  do primeiro cartão.

Em seguida, pediu-se aos membros do grupo que apontassem qual das três linhas do segundo cartão era igual, em comprimento, à linha única do primeiro. O voluntário legítimo era sempre o último a responder.

Resultado: quando os cúmplices do cientista davam todos, deliberadamente, uma resposta unânime e errada à questão, o voluntário legítimo, falando por último, concordava com eles em 75% das vezes.

Por fim, reuniões e comissões tendem a reforçar o fenômeno que os americanos chamam de "groupthink", ou "pensamento grupal". Isso ocorre quando pessoas com os mesmos preconceitos, valores e preconcepções se põem a discutir um problema. Nesse contexto, a concordância geral do grupo quanto às premissas subjacentes ao problema impede que elas sejam desafiadas, ou avaliadas de modo objetivo.

"Groupthink" é um problema especialmente grave em igrejas, partidos políticos, governos e no meio acadêmico. No mundo ocidental, os dois casos mais desastrosos provavelmente foram os processos que levaram ao envolvimento dos EUA no Vietnã e no Iraque.

"Groupthink" é um problema para o qual existem alertas, até mesmo, na mitologia: de que outra forma, afinal, poderíamos classificar a decisão dos troianos de levar o cavalo de madeira para dentro da cidade?

Comentários

  1. Não entendi uma coisa, Carlos, este "groupthink" é o mesmo que egrégora e consciente coletivo?
    (josé Roberto vieira)

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  2. Hmmm... Talvez dê para interpretar desse jeito, mas eu acho que ele é um fenômeno mais específico, que afeta mais os indivíduos que o coletivo. No groupthink, as pessoas entram nareunião convencidas de que "X" é verdade, e saem de lá ainda mais convencidas disso. Ele não refelete, necessariamente, a "personalidade" do grupo.

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  3. O fenômeno pode ter uma explicação simples,

    o valor do reforçador não é a unica variável que controla o desempenho do organismo, mas também o custo de resposta.

    O organismo tende a preferir um menor custo de resposta do que um maior valor de reforçador (mesmo porque a ética capitalista de produção "a mais" não é compartilhada pelos padrões herdados do organismo biológico).

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  4. Como ética capitalista eu quis chamar, a relação de produção em que se produz mais do que é preciso para a subsistência de forma a vender e trocar o excedente(e em alguns casos grotescos, queimar ou jogar fora).

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  5. O assunto também é abordado no livro " A Marcha da Insensatez - De Tróia ao Vietnã" que analisa o processo de tomada de decisão.
    Cris

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  6. Eu não diria "fato científico", mas fato suportado por experimentos científicos. Só para deixar aberta a porta da mudança. Como escreveu Saramago, ser não é ter sido, ter sido não é será.
    Além disso, esses experimentos foram feitos em contextos específicos e, creio, não se aplicam a todos os exemplos de trabalho coletivo. O voluntarismo, por exemplo, pode aterar esse cenário. Além disso, nem todos os objetivos a serem construídos seguem a mesma lógica.

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