Matéria escura confirmada... talvez
Para quem gosta de debater filosofia da ciência em botequim, a matéria escura representa um prato cheio: suja existência foi sugerida, originalmente, para dar conta de uma discrepância em observações astronômicas: basicamente, as equações da física previam que, girando na velocidade que estavam, as galáxias que vemos aqui da Terra deveriam se despedaçar, como uma massa de pizza girando no dedo de um pizzaiolo louco.
A gravidade das estrelas observadas simplesmente não era suficiente para manter as galáxias coesas, como a viscosidade da massa de pizza terrestre não seria páreo para um pizzaiolo kryptoniano. Postulou-se, então, que o que mantém as galáxias coesas é uma massa não observada.
Mas essa matéria não poderia estar sob a forma de poeira, planetas e outros astros que não emitem luz? Cálculos cuidadosos a respeito da abundância dos átomos criados no Big Bang mostraram que não, essa matéria escura não podia ser feita do mesmo material que eu, você, a Lua ou o planeta Saturno.
Aqui entra a questão filosófica: você tem um fato observado (as galáxias giram depressa e são coesas) que entra em conflito com duas postulações teóricas: as leis do movimento de Newton e o Big Bang. De acordo com os manuais mais genéricos a respeito de como o método científico funciona, a saída é óbvia: quando um fato nega uma teoria, joga-se a teoria fora.
Embora essa saída esteja perfeitamente correta em espírito, porém, tanto a física newtoniana quanto o Big Bang funcionam que é uma maravilha para prever e explicar inúmeros outros fatos. Seria uma pena descartá-los, assim, de primeira. A forma encontrada de salvá-los -- ainda que provisoriamente -- foi postulando a existência da matéria escura, um tipo de partícula que ninguém sabe o que é.
Agora, esse é um tipo de manobra que, no mundo científco, chama atenção e atrai críticas. Invocar coisas que ninguém nunca viu para tapar buracos em teorias é algo que cheira a religião. Tanto que alguns pesquisadores realmente preferiram ir atrás do pescoço de Newton em vez de engolir a história da matéria escura.
No entanto, e aqui a conversa de botequim fica mais animada, é interessante chamar a atenção para a distinção que o filósofo Imre Lakatos fazia entre ciência degenerada e ciência progressiva.
O que ele dizia, em resumo, era, óquei, cientistas, em princípio, não deveriam ficar inventando desculpas para salvar teorias negadas pelos fatos.
Porém, nem todas as violações desse princípio são necessariamente ruins. Às vezes, as desculpas que surgem são progressivas -- isto é, propõem novas experiências, novos desafios, trazem previsões testáveis e sugerem que os cientistas façam perguntas que nunca tinham sido feitas antes.
No campo oposto, estão as desculpas degeneradas: que não propõem nada de novo, mas apenas tentam oferecer um argumento para pacificar as consciências enquanto se varre o fato anômalo para debaixo do tapete. Os epiciclos de Ptolomeu são o exemplo clássico de ajuste degenerado, assim como as tentativas de se redefinir o éter luminífero às vésperas do surgimento da Relatividade Restrita.
A proposta da matéria escura, por sua vez, logo revelou um forte caráter progressivo, lançando cientistas em experimentos nunca antes imaginados. Um deles é o DAMA/LIBRA, realizado na Itália. E, embora a esmagadora maioria dos pesquisadores considere que a matéria escura continua "elusiva", que os melhores sinais de sua existência são observações astronômicas, o pessoal do DAMA/LIBRA insiste, há anos, ter encontrado sinais de matéria escura aqui mesmo, na Terra.
Eles têm um cristal, mantido no fundo de uma mina, e afirmam ter provas de colisões entre esse cristal e partículas de matéria escura. As colisões com matéria escura distinguem-se, em tese, das colisões com partículas "comuns" porque teriam um ciclo sazonal, correspondente ao movimento do Sistema Solar pelo interior do mar de matéria escura que, teoricamente, existe na galáxia.
No entanto, o resultado dos italianos não era levado muito a sério. Até agora, quando foi reproduzido por um detector semelhante mantido nos Estados Unidos.
Isso prova que a matéria escura está entre nós? Ainda não. Outras tentativas de reproduzir o resultado falharam. Mas, junto com os resultados astronômicos, a concordância entre italianos e americanos sugere que a decisão de esperar mais um pouco antes de jogar a teoria fora foi, nesse caso, correta -- e frutífera.
(A imagem no alto da postagem mostra um dos detectores de gemânio usados no experimento americano)
A gravidade das estrelas observadas simplesmente não era suficiente para manter as galáxias coesas, como a viscosidade da massa de pizza terrestre não seria páreo para um pizzaiolo kryptoniano. Postulou-se, então, que o que mantém as galáxias coesas é uma massa não observada.
Mas essa matéria não poderia estar sob a forma de poeira, planetas e outros astros que não emitem luz? Cálculos cuidadosos a respeito da abundância dos átomos criados no Big Bang mostraram que não, essa matéria escura não podia ser feita do mesmo material que eu, você, a Lua ou o planeta Saturno.
Aqui entra a questão filosófica: você tem um fato observado (as galáxias giram depressa e são coesas) que entra em conflito com duas postulações teóricas: as leis do movimento de Newton e o Big Bang. De acordo com os manuais mais genéricos a respeito de como o método científico funciona, a saída é óbvia: quando um fato nega uma teoria, joga-se a teoria fora.
Embora essa saída esteja perfeitamente correta em espírito, porém, tanto a física newtoniana quanto o Big Bang funcionam que é uma maravilha para prever e explicar inúmeros outros fatos. Seria uma pena descartá-los, assim, de primeira. A forma encontrada de salvá-los -- ainda que provisoriamente -- foi postulando a existência da matéria escura, um tipo de partícula que ninguém sabe o que é.
Agora, esse é um tipo de manobra que, no mundo científco, chama atenção e atrai críticas. Invocar coisas que ninguém nunca viu para tapar buracos em teorias é algo que cheira a religião. Tanto que alguns pesquisadores realmente preferiram ir atrás do pescoço de Newton em vez de engolir a história da matéria escura.
No entanto, e aqui a conversa de botequim fica mais animada, é interessante chamar a atenção para a distinção que o filósofo Imre Lakatos fazia entre ciência degenerada e ciência progressiva.
O que ele dizia, em resumo, era, óquei, cientistas, em princípio, não deveriam ficar inventando desculpas para salvar teorias negadas pelos fatos.
Porém, nem todas as violações desse princípio são necessariamente ruins. Às vezes, as desculpas que surgem são progressivas -- isto é, propõem novas experiências, novos desafios, trazem previsões testáveis e sugerem que os cientistas façam perguntas que nunca tinham sido feitas antes.
No campo oposto, estão as desculpas degeneradas: que não propõem nada de novo, mas apenas tentam oferecer um argumento para pacificar as consciências enquanto se varre o fato anômalo para debaixo do tapete. Os epiciclos de Ptolomeu são o exemplo clássico de ajuste degenerado, assim como as tentativas de se redefinir o éter luminífero às vésperas do surgimento da Relatividade Restrita.
A proposta da matéria escura, por sua vez, logo revelou um forte caráter progressivo, lançando cientistas em experimentos nunca antes imaginados. Um deles é o DAMA/LIBRA, realizado na Itália. E, embora a esmagadora maioria dos pesquisadores considere que a matéria escura continua "elusiva", que os melhores sinais de sua existência são observações astronômicas, o pessoal do DAMA/LIBRA insiste, há anos, ter encontrado sinais de matéria escura aqui mesmo, na Terra.
Eles têm um cristal, mantido no fundo de uma mina, e afirmam ter provas de colisões entre esse cristal e partículas de matéria escura. As colisões com matéria escura distinguem-se, em tese, das colisões com partículas "comuns" porque teriam um ciclo sazonal, correspondente ao movimento do Sistema Solar pelo interior do mar de matéria escura que, teoricamente, existe na galáxia.
No entanto, o resultado dos italianos não era levado muito a sério. Até agora, quando foi reproduzido por um detector semelhante mantido nos Estados Unidos.
Isso prova que a matéria escura está entre nós? Ainda não. Outras tentativas de reproduzir o resultado falharam. Mas, junto com os resultados astronômicos, a concordância entre italianos e americanos sugere que a decisão de esperar mais um pouco antes de jogar a teoria fora foi, nesse caso, correta -- e frutífera.
(A imagem no alto da postagem mostra um dos detectores de gemânio usados no experimento americano)
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