E se a lei da inércia estiver errada?
O importante periódico científico Physical Review Letters deve publicar em breve um artigo que apresenta dados experimentais que militam a favor de uma teoria hoje em dia pouco favorecida pela comunidade, a Dinâmica Newtoniana Modificada, ou "Mond" (pela sigla em inglês). Basicamente, essa teoria postula que, em escalas muito específicas, a equação newtoniana F = m*a não corresponde exatamente aos fatos, e precisa receber um fator de correção.
Proposta como uma alternativa à teoria da matéria escura, a Mond (assim como a matéria escura) tenta explicar como as galáxias se mantêm coesas girando com a velocidade que giram, já que a massa visível que contêm não deveria ser suficiente para impedir que se despedaçassem.
Os propositores da Mond (seu principal defensor é o israelense Moti Milgrom) destacam o fato de que não é absolutamente necessário apontar para uma falta de massa: talvez as leis que usamos para calcular as forças envolvidas estejam erradas!
Trata-se de uma proposta ousada, mas Milgrom insiste que ela não é mais ousada do que pressupor a existência de enormes massas de partículas que ninguém vê, a matéria escura.
Ele diz ainda que a Mond é uma proposta mais honesta que a matéria escura. Seu ponto é a chamada questão da falsificabilidade: uma hipótese científica tem o dever de permitir, ainda que apenas em princípio, a realização de observações que podem prová-la falsa.
Milgrom argumenta que, uma vez dado o fator de correção para F = m*a, surge automaticamente uma série de previsões sobre o resultado de experimentos realizados na escala de influência da teoria. Já as hipóteses sobre matéria escura podem ser manipuladas à vontade para se encaixar, a posteriori, nos dados, e portanto não têm falsificabilidade.
Isso não é exatamente verdade: embora existam várias hipóteses sobre matéria escura, produzindo diferentes previsões, cada uma delas é falseável em si. Mas talvez ele esteja certo quanto ao conceito de matéria escura.
Em 2006, O Observatório Chandra de Raios X produziu um resultado que foi apresentado como a vitória do modelo de matéria escura sobre a Mond, ao permitir o cálculo da massa envolvida numa colisão entre dois aglomerados de galáxias. A imagem do Chandra tornou-se um clássico:
Onde a mancha roxa mostra a zona de influência da matéria escura. Em um artigo publicado na internet, Milgrom reconhece que a Mond não é capaz de dar conta do resultado, mas que a aplicação de sua hipótese, nesse caso, reduz a necessidade de se postular uma massa não-observada por um fator de 5, o que permitiria supor que essa massa existe sob a forma de estrelas de brilho tênue ou de neutrinos, em vez de uma quantidade enorme de partículas desconhecidas pela ciência.
(Críticas ao modelo da matéria escura também apareceram recentemente na Scientific American.)
Quem está certo nessa história? Não faço a menor ideia. A maioria dos físicos ainda parece preferir o modelo da matéria escura, então seguindo a sugestão de Bertrand Russell -- quando há um consenso entre os especialistas, o leigo faz bem em acompanhá-lo; quando os especialistas estão divididos, o leigo faz bem em calar a boca -- continuo a dar mais crédito às partículas misteriosas que não interagem com a luz.
Mesmo assim, acompanhar o debate não deixa de ser fascinante, à medida em que revela o que há de mais belo na ciência: a negação do dogmatismo, o confronto aberto de ideias, o recurso final ao dado empírico.
E a hipótese Mond não deixa de ser interessante em si mesma, mesmo que apenas para fins de ficção científica. Em um universo onde a Mond seja real, é possível que a equivalência entre gravidade e inércia não seja mais tão exata quanto supomos, por exemplo.
Proposta como uma alternativa à teoria da matéria escura, a Mond (assim como a matéria escura) tenta explicar como as galáxias se mantêm coesas girando com a velocidade que giram, já que a massa visível que contêm não deveria ser suficiente para impedir que se despedaçassem.
Os propositores da Mond (seu principal defensor é o israelense Moti Milgrom) destacam o fato de que não é absolutamente necessário apontar para uma falta de massa: talvez as leis que usamos para calcular as forças envolvidas estejam erradas!
Trata-se de uma proposta ousada, mas Milgrom insiste que ela não é mais ousada do que pressupor a existência de enormes massas de partículas que ninguém vê, a matéria escura.
Ele diz ainda que a Mond é uma proposta mais honesta que a matéria escura. Seu ponto é a chamada questão da falsificabilidade: uma hipótese científica tem o dever de permitir, ainda que apenas em princípio, a realização de observações que podem prová-la falsa.
Milgrom argumenta que, uma vez dado o fator de correção para F = m*a, surge automaticamente uma série de previsões sobre o resultado de experimentos realizados na escala de influência da teoria. Já as hipóteses sobre matéria escura podem ser manipuladas à vontade para se encaixar, a posteriori, nos dados, e portanto não têm falsificabilidade.
Isso não é exatamente verdade: embora existam várias hipóteses sobre matéria escura, produzindo diferentes previsões, cada uma delas é falseável em si. Mas talvez ele esteja certo quanto ao conceito de matéria escura.
Em 2006, O Observatório Chandra de Raios X produziu um resultado que foi apresentado como a vitória do modelo de matéria escura sobre a Mond, ao permitir o cálculo da massa envolvida numa colisão entre dois aglomerados de galáxias. A imagem do Chandra tornou-se um clássico:
Onde a mancha roxa mostra a zona de influência da matéria escura. Em um artigo publicado na internet, Milgrom reconhece que a Mond não é capaz de dar conta do resultado, mas que a aplicação de sua hipótese, nesse caso, reduz a necessidade de se postular uma massa não-observada por um fator de 5, o que permitiria supor que essa massa existe sob a forma de estrelas de brilho tênue ou de neutrinos, em vez de uma quantidade enorme de partículas desconhecidas pela ciência.
(Críticas ao modelo da matéria escura também apareceram recentemente na Scientific American.)
Quem está certo nessa história? Não faço a menor ideia. A maioria dos físicos ainda parece preferir o modelo da matéria escura, então seguindo a sugestão de Bertrand Russell -- quando há um consenso entre os especialistas, o leigo faz bem em acompanhá-lo; quando os especialistas estão divididos, o leigo faz bem em calar a boca -- continuo a dar mais crédito às partículas misteriosas que não interagem com a luz.
Mesmo assim, acompanhar o debate não deixa de ser fascinante, à medida em que revela o que há de mais belo na ciência: a negação do dogmatismo, o confronto aberto de ideias, o recurso final ao dado empírico.
E a hipótese Mond não deixa de ser interessante em si mesma, mesmo que apenas para fins de ficção científica. Em um universo onde a Mond seja real, é possível que a equivalência entre gravidade e inércia não seja mais tão exata quanto supomos, por exemplo.
O problema é que a equivalência entre as massas gravitacional e inercial *é* bastante preciso, verificável até (salvo engano) 14 casas decimais!
ResponderExcluirEu não posso falar da MOND porque não a conheço em detalhes, mas acho que o Milgrom exagera ao dizer que o modelo da Matéria Escura falha em testes de falseabilidade.
Mas a Física é assim mesmo, de controvérsia em controvérsia a gente vai se aproximando mais da verdade. Quem viver, verá :-)
-Daniel Bezerra
Mas otelhado, acho que nas escalas em que medimos a equivalência das massas incerciais e gravitacionais, a MOND também prevê equivalência.
ResponderExcluirPelo que entendi a MOND só apontaria diferenças entre as duas massas em escalas muito maiores. Os experimentos atuais que comprovam essa equivalência não devem chegar nem perto do que seria previsto pela teoria modificada como limiar para detecção de alguma diferença.