Ciência, asteroide assassino e memória da internet
Como todo leitor deste blog sabe (ou deveria saber) a ciência é uma atividade sui-generis porque, entre outras coisas, avança e evolui em meio à crítica e à contestação. Cientistas detonam as ideias de outros cientistas. Cientistas buscam provas de que seus colegas estão errados. Cientistas duvidam de cientistas. E, eis aqui a maravilha da coisa, nada disso é considerado disruptivo, ou falta de educação, ou maus modos: é o processo normal da empreitada.
Como jornalista de ciência, eu me vi pego nesse turbilhão algumas vezes, mas nenhuma tão marcante quanto a que envolveu a questão da família de asteroides Baptistina e a extinção dos dinossauros. Você provavelmente encontrou pela internet a notícia de que a sonda Wise, da Nasa, eliminou a possibilidade de o asteroide que caiu no México no fim do período Cretáceo -- aniquilando os dinossauros -- ter sido um dos fragmentos da grande rocha que originou a família Baptistina.
Bom.
A ideia de que o asteroide que acabou com os dinos teria vindo dessa família foi levantada em 2007, em artigo publicado na revista Nature. Eu entrevistei algumas pessoas e fiz matéria a respeito.
Lembro-me muito bem disso porque na época tínhamos, no estadao.com.br, um ilustrador "emprestado" do jornal impresso, que fez uma linda animação de como teria sido o processo, começando com uma colisão no cinturão de asteroides e terminando com a colisão na Terra. Acho que foi o projeto multimídia mais legal de que participei em meus 14 anos no grupo. Depois o ilustrador voltou pro jornal, o pessoal da multimídia se atolou em coisas como tabelas de votação para prefeito, linhas do tempo da corrupção e rankings de faculdades, e bau-bau.
(Um aviso para quem quiser trabalhar com jornalismo online: os sites de notícia são meio que o equivalente do setor de motoboys de um grande restaurante. A cozinha -- a produção de conteúdo -- trabalha mesmo para o pessoal do salão, sejam eles os leitores, ouvintes, telespectadores. Os internautas são o equivalente do povo que liga pra pedir delivery.)
Enfim. Matéria dada, animação feita, um editor de ciência orgulhoso e satisfeito. Mas...
No início de 2010, uma equipe de brasileiros encontrou inconsistências entre observações feitas sobre os asteroides Baptistina e sedimentos deixados pela colisão que acabou com os dinossauros. Confesso que fiquei meio contrariado -- minha animação favorita era cascata? -- mas, enfim, é dessa forma que a ciência progride, o leitor tem o direito de saber, o assunto é legal pra caramba, então fui lé e fiz matéria.
Agora chegamos à questão da falta de memória: não só a animação superfodástica de 2007 não aparece maisno site do estadao.com.br associada aos textos relevantes, como o texto a respeito do resultado do Wise não aproveita, em nada, os dois resultados anteriores.
Esse é um problema comum com sites em geral (estou usando o estadao.com.br como exemplo porque trabalhei lá, então o caso me ocorre com facilidade, mas não se trata de algo único): a informação está lá, latente nos servidores, mas não há ninguém que se lembre, ou tenha a ideia, de procurá-la.
Porque a rotatividade de pessoal é grande, a cada reforma gráfica apagam-se milhares de arquivos antigos, o pessoal da home tá gritando na orelha do editor de ciência pra ele parar com essa frescura de Science e Nature e subir logo a matéria do óvni que abduziu o burro de duas cabeças com uma imagem de Nossa Senhora no lombo, etc., etc.
O que é um problema, que pode acabar condenado a internet a viver como o protagonista do filme Amnésia.
Aliás, alguém se lembra desse filme?
Como jornalista de ciência, eu me vi pego nesse turbilhão algumas vezes, mas nenhuma tão marcante quanto a que envolveu a questão da família de asteroides Baptistina e a extinção dos dinossauros. Você provavelmente encontrou pela internet a notícia de que a sonda Wise, da Nasa, eliminou a possibilidade de o asteroide que caiu no México no fim do período Cretáceo -- aniquilando os dinossauros -- ter sido um dos fragmentos da grande rocha que originou a família Baptistina.
Bom.
A ideia de que o asteroide que acabou com os dinos teria vindo dessa família foi levantada em 2007, em artigo publicado na revista Nature. Eu entrevistei algumas pessoas e fiz matéria a respeito.
Lembro-me muito bem disso porque na época tínhamos, no estadao.com.br, um ilustrador "emprestado" do jornal impresso, que fez uma linda animação de como teria sido o processo, começando com uma colisão no cinturão de asteroides e terminando com a colisão na Terra. Acho que foi o projeto multimídia mais legal de que participei em meus 14 anos no grupo. Depois o ilustrador voltou pro jornal, o pessoal da multimídia se atolou em coisas como tabelas de votação para prefeito, linhas do tempo da corrupção e rankings de faculdades, e bau-bau.
(Um aviso para quem quiser trabalhar com jornalismo online: os sites de notícia são meio que o equivalente do setor de motoboys de um grande restaurante. A cozinha -- a produção de conteúdo -- trabalha mesmo para o pessoal do salão, sejam eles os leitores, ouvintes, telespectadores. Os internautas são o equivalente do povo que liga pra pedir delivery.)
Enfim. Matéria dada, animação feita, um editor de ciência orgulhoso e satisfeito. Mas...
No início de 2010, uma equipe de brasileiros encontrou inconsistências entre observações feitas sobre os asteroides Baptistina e sedimentos deixados pela colisão que acabou com os dinossauros. Confesso que fiquei meio contrariado -- minha animação favorita era cascata? -- mas, enfim, é dessa forma que a ciência progride, o leitor tem o direito de saber, o assunto é legal pra caramba, então fui lé e fiz matéria.
Agora chegamos à questão da falta de memória: não só a animação superfodástica de 2007 não aparece mais
Esse é um problema comum com sites em geral (estou usando o estadao.com.br como exemplo porque trabalhei lá, então o caso me ocorre com facilidade, mas não se trata de algo único): a informação está lá, latente nos servidores, mas não há ninguém que se lembre, ou tenha a ideia, de procurá-la.
Porque a rotatividade de pessoal é grande, a cada reforma gráfica apagam-se milhares de arquivos antigos, o pessoal da home tá gritando na orelha do editor de ciência pra ele parar com essa frescura de Science e Nature e subir logo a matéria do óvni que abduziu o burro de duas cabeças com uma imagem de Nossa Senhora no lombo, etc., etc.
O que é um problema, que pode acabar condenado a internet a viver como o protagonista do filme Amnésia.
Aliás, alguém se lembra desse filme?
O povo de memória curta é o maior culpado pela situação do país, não só atual, mas de muito tempo.
ResponderExcluirE contra esse processo de construção e destruição de conceitos da ciência, que realmente é essencial para o enriquecimento do conhecimento, só tenho uma crítica: às vezes as pessoas exageram no ceticismo, e acaba virando ignorância.
Abraço
orsi, acredito que achei a animação superfodástica no estadao.com.br:
ResponderExcluirhttp://www.estadao.com.br/especiais/cientistas-rastreiam-meteorito-que-provocou-,3288.htm
é esta? busquei por "dinossauros" e fui direto nos resultados de "especiais".
Sim! Com a passagem por Marte e tudo! :-D
ResponderExcluirEu só tinha olhado dentro da matéria original, e como o link não estava mais lá, achei que a animação tinha sumido numa das limpezas de servidor que às vezes acontecem...
ainda bem que ainda estava lá! mas deveria estar mesmo no corpo da matéria...
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