Mr. Pond e a PM na USP
The Paradoxes of Mr. Pond é um livrinho de contos de mistério escrito pelo britânico G.K. Chesterton e publicado originalmente há quase 100 anos. Hoje em dia, a figura de Chesterton -- um ateu convertido ao catolicismo que até criou um sacerdote-herói para uma série de contos policiais, o Padre Brown -- foi meio que sequestrada pela ala mais intelectualizada direita católica, que o usa como garoto-propaganda póstumo.
Isso de certa forma é uma pena, já que joga uma sombra sobre sua obra literária, que embora resvale para o proselitismo aqui e ali, é muito mais rica, anárquica e divertida do que se poderia esperar de um sujeito que atualmente só é conhecido como o autor de uma apologia religiosa chamada Orthodoxy (Ortodoxia).
Além do Padre Brown, Chesterton criou diversos outros detetives, como Horne Fisher, O Homem que Sabia Demais; ou Gabriel Gale, o poeta no asilo de lunáticos; e Mr. Pond, o homem que vê o mundo com clareza -- através de paradoxos. No primeiro conto de Mr. Pond, o clássico Os Três Cavaleiros do Apocalipse, excesso de competência leva a um trágico fracasso.
Um dos paradoxos de Mr. Pond diz que "uma coisa que merece ser feita merece ser mal feita". Esta matéria do Jornal do Campus da USP, sobre a presença da PM na cidade universitária, trouxe-me esse paradoxo (um de meus favoritos) à mente.
(Eu me lembro vagamente de alguns fechamentos do Jornal do Campus. Uma vez, durante uma greve de professores, a foto da capa saiu em alto contraste, como as camisetas do Che. Um professor achou a solução interessante, mas na verdade tinha sido um defeito na gráfica. Também me lembro que toda noite, antes de prova na FFLCH, recebíamos ligações anônimas com ameaças de bomba na faculdade.)
Mas, voltando à matéria atual: nela, surge o seguinte questionamento: “Será que polícia é a única saída? Por que a gente vai se enganar, achar que a polícia por si só vai garantir a segurança aqui dentro?”.
A falácia não é muito clara, então vale a pena explicitá-la: é óbvio que a polícia por si só não garante nada, mas até aí, o acesso a recursos médicos de última geração, por si só, não garante a saúde de ninguém, mas então qual a alternativa? Voltar aos chás de rabo de lagartixa?
Este é o insight embutido no paradoxo da "coisa mal feita": basicamente, se uma coisa é necessária, é melhor fazê-la, ainda que não sejamos capazes de fazê-la muito bem, do que ficar sem ela. Uma refeição sem-graça é preferível a morrer de fome; um ônibus lotado é melhor do que atravessar São Paulo a pé; um posto de saúde mequetrefe é melhor do que agonizar até a morte.
Enfim, é óbvio que a polícia paulista está longe de ser a força investigativa que gostaríamos que fosse (com a taxa de solução de homicídios ficando por volta de 40%, o crime quase chega a ser uma opção atraente), e o tratamento "mão na cabeça vagabundo" não é exatamente uma forma cortês de se dirigir a cidadãos que pagam impostos e são inocentes até prova em contrário, mas polícia ruim ainda é melhor que polícia nenhuma.
E desde a redemocratização, em 1985 -- quando a garotada que está hoje na USP ainda nem tinha nascido, suponho -- a polícia responde a autoridades legitimamente eleitas; policiais não são mais "agentes da ditadura", portanto. E a Cidade Universitária ainda é parte do território do Estado de São Paulo, dentro da jurisdição de suas autoridades.
Isso de certa forma é uma pena, já que joga uma sombra sobre sua obra literária, que embora resvale para o proselitismo aqui e ali, é muito mais rica, anárquica e divertida do que se poderia esperar de um sujeito que atualmente só é conhecido como o autor de uma apologia religiosa chamada Orthodoxy (Ortodoxia).
Além do Padre Brown, Chesterton criou diversos outros detetives, como Horne Fisher, O Homem que Sabia Demais; ou Gabriel Gale, o poeta no asilo de lunáticos; e Mr. Pond, o homem que vê o mundo com clareza -- através de paradoxos. No primeiro conto de Mr. Pond, o clássico Os Três Cavaleiros do Apocalipse, excesso de competência leva a um trágico fracasso.
Um dos paradoxos de Mr. Pond diz que "uma coisa que merece ser feita merece ser mal feita". Esta matéria do Jornal do Campus da USP, sobre a presença da PM na cidade universitária, trouxe-me esse paradoxo (um de meus favoritos) à mente.
(Eu me lembro vagamente de alguns fechamentos do Jornal do Campus. Uma vez, durante uma greve de professores, a foto da capa saiu em alto contraste, como as camisetas do Che. Um professor achou a solução interessante, mas na verdade tinha sido um defeito na gráfica. Também me lembro que toda noite, antes de prova na FFLCH, recebíamos ligações anônimas com ameaças de bomba na faculdade.)
Mas, voltando à matéria atual: nela, surge o seguinte questionamento: “Será que polícia é a única saída? Por que a gente vai se enganar, achar que a polícia por si só vai garantir a segurança aqui dentro?”.
A falácia não é muito clara, então vale a pena explicitá-la: é óbvio que a polícia por si só não garante nada, mas até aí, o acesso a recursos médicos de última geração, por si só, não garante a saúde de ninguém, mas então qual a alternativa? Voltar aos chás de rabo de lagartixa?
Este é o insight embutido no paradoxo da "coisa mal feita": basicamente, se uma coisa é necessária, é melhor fazê-la, ainda que não sejamos capazes de fazê-la muito bem, do que ficar sem ela. Uma refeição sem-graça é preferível a morrer de fome; um ônibus lotado é melhor do que atravessar São Paulo a pé; um posto de saúde mequetrefe é melhor do que agonizar até a morte.
Enfim, é óbvio que a polícia paulista está longe de ser a força investigativa que gostaríamos que fosse (com a taxa de solução de homicídios ficando por volta de 40%, o crime quase chega a ser uma opção atraente), e o tratamento "mão na cabeça vagabundo" não é exatamente uma forma cortês de se dirigir a cidadãos que pagam impostos e são inocentes até prova em contrário, mas polícia ruim ainda é melhor que polícia nenhuma.
E desde a redemocratização, em 1985 -- quando a garotada que está hoje na USP ainda nem tinha nascido, suponho -- a polícia responde a autoridades legitimamente eleitas; policiais não são mais "agentes da ditadura", portanto. E a Cidade Universitária ainda é parte do território do Estado de São Paulo, dentro da jurisdição de suas autoridades.
Até ler esta matéria sobre o conflito "alunos USP X PM" pensei que minha visão do assunto fosse coisa de "gente antiquada". Concordo plenamente que alguma polícia é melhor do que nenhuma e que o campus da USP é parte deste Estado ... portanto, não está acima de suas leis. A morte recente de um estudante assaltado em pleno campus não significou nada?
ResponderExcluirOi, Carlos! Meu nome é Andrea, acompanho teu blog desde o Estadão e estive com você na mesa de bar pós-Fantasticon ano passado (esse ano fiquei na mesa que estava fora do bar :) ) Eu só não li Guerra Justa ainda porque eu sou besta! Mas o Livro dos Milagres eu vou ler assim que sair!
ResponderExcluirestudo na USP desde 2006, participo parcamente do movimento estudantil e reclamo da presença da PM no campus desde a primeira vez que a vi, em 2006. E, o que pode tornar minha posição meio suspeita, sou a favor da descriminalização das drogas.
Eu estava lá em 2007, na Ocupação da Reitoria em que conseguimos a revogação dos decretos que interferiam na autonomia das Universidades paulistas. Foram 50 dias de ocupação depois de mais de 3 meses tentando todas as vias democráticas para dialogar com a reitoria. Foi muito tenso, mas a tensão se dissipava na coletividade. Apesar de fragmentado ao extremo, o pessoal é muito solidário. E não foi em vão! Nossas reinvidicações foram atenidas.
E eu também estava na manifestação contra a presença da PM em 2009. Cheguei quando o pessoal já estava na Av. Afrânio e me juntei a eles. Ficamos cerca de 2h, gritando palavras de ordem contra políciais SEM IDENTIFICAÇÃO. O movimento fragmentou quando quiseram seguir para a Vital Brasil: metade do grupo voltou pra USP, metade ficou lá fora. Eu voltei, não adiantava mais ficar lá fora. Corri de volta pro P1 quando ouvi as bombas e as sirenes. Aquela linha de policiais fechando de um lado a outro da Av. da Universidade me parte o coração até hoje (mesmo que isso soe como sentimentalismo idiota). Fomos perseguidos pela Av. da Universidade, até a Reitoria e de lá até a FFLCH. Ou seja, uma baita distância! Se fosse apenas para dispersar o movimento que já estava dispersado, teriam parado lá atrás, no P1 mesmo, onde começaram a jogar as bombas de gás, balas de borracha e tiros de efeito moral.
Mas imagino que devo agradecer por eles não terem usado as escopetas e pistolas, as armas de fogo que carregavam! Eu certamente teria sido alvejada, já que fiquei pra trás, tirando pedras da mão de estudantes, erguendo caídos e os que ficaram em choque.
Quando o menino da FEA morreu este ano, eu já tinha visto mais viaturas da PM na USP do que em qualquer lugar na rua. Então, entendo que esse acordo entre a Reitoria e a PM seja completamente desnecessário! A PM tem feito suas rondas na USP tanto quanto na cidade! Principalmente ao redor da ECA, FFLCH, Educação, FAU, locais movimentados e cheios de pontos de ônibus e de maior articulação política e os estudantes tem reclamado de abordagens violentas. Não viram viaturas e nem abordaram estudantes na FEA, POLI, Fìsica, que ficam lá perto da Rua do Matão e é tão perigoso! Mas lá os movimentos politicos são alinhados com a Reitoria...
Estudantes tem feito assembléias, discussões, atos, panfletos, passado em sala desde maio para aumentar a discussão e trazer soluções mais democráticas, com a maior participação possível, para uma outra solução. Mas imagino que você saiba que as reinvindicações do DCE para a segurança nos campi são as mesmas há muito tempo: melhor preparo da Guarda Universitária, melhores salários para os guardas, incorporação dos seguranças tercerizados no quadro de funcionários da USP para garantir seus direitos trabalhistas, melhores equipamentos para a Guarda Universitária, efetivo feminino para atender os casos de violência contra a mulher, iluminação, aumento do número de ônibus circulares, abertura da Universidade para a comunidade ao seu redor... leio isso há tanto tempo que nem precisei consultar o site do DCE!
ResponderExcluirMas temos que levar em consideração o Rodas. Eu me recuso a chamá-lo de excelentíssimo reitor posto que é persona non grata até na sua unidade de origem, a Faculdade de Direito. Um ser obscuro, que surgiu do nada e foi eleito Diretor de sua unidade, onde chamou a tropa de choque para expulsar membros de movimentos sociais que participavam de grupos de discussões dentro da Universidade. E mais de uma vez!
E que foi escolhido pelo governador José Serra sem a maioria dos votos da Congregação. E eu queria saber que autonomia universitária é essa em que o Reitor é escolhido pelo governador do estado!
Eu sou quase bibliotecária portanto devo falar do que ele fez com o acervo da biblioteca de Direito: porque o Rodas quis, numa sexta-feira à tarde, ele demitiu todo o corpo bibliotecário da Direito, mandou um caminhão de mudanças recolher todo o acervo e jogar num prédio com infiltração e problemas elétricos de todo o tipo. E livros raríssimos, já que a biblioteca é do tempo do Aguia de Haia, o seu Rui B. O Ministério Público Federal teve de interferir pra consertar os mandos e desmandos.
Atualmente, o Rodas, porque quer voltar pro antigo prédio da reitoria, está alugando prédios a valores absurdos fora do campus e movendo departamentos estratégicos da universidade e que precisam conversar entre si para lugares bem distantes da USP. Mesmo que tenha escritórios dentro da USP para remanejar esse pessoal!
Então não fica difícil de imaginar que querem despolitizar e desmobilizar a USP. Acho que acertamos em algum lugar... Mas precisa avisar o governador e o reitor que a Ditadura acabaou e que eles não podem mandar e desmandar na Universidade. Principalmente usando a PM, tão mal paga, tão explorada, tão abusada...
"Ei você fardado! Também é explorado!"
ResponderExcluirE, bem, desculpa pelas milhares de palavras!
E obrigada por não agredir os estudantes! Tenho lido tantas coisas tão violentas que eu tenho de agradecer quando não as leio....
Até o lançamento do Livro dos Milagres!!! Dessa vez, deixo a timidez de lado e te cumprimento =)!
Oi, Andrea! Obrigado pela audiência!
ResponderExcluirEm minha opinião, a questão que você oferece --de a PM estar, aparentemente, sendo usada mais para reprimir estudantes de esquerda ou com estilos de vida alternativos do que para combater o crime ou dar segurança efetiva à comunidade -- é importante, mas é mais uma questão de grau do que de mérito.
Por exemplo, o fato de a PM muitas vezes agir de forma preconceituosa, abordando, sem causa provável, jovens negros e pobres de modo desrespeitoso, é um problema da sociedade paulista em geral. Se esse preconceito é reproduzido na USP de outra forma -- com estudantes de humanas fazendo as vezes dos "negros pobres" -- isso também é, certamente, um problema.
Mas é um problema que tem de ser tratado na esfera mais ampla da relação entre polícia, governo e sociedade, e não simplesmente pondo a PM pra fora! O que me parece é que o foco da questão não deveria ser "tirem a polícia daqui", e sim "façam a polícia nos respeitar".
Como escrevi, a polícia brasileira em geral (e a paulista, em particular) ainda está bem longe do tipo de eficácia investigativa e de respeito à cidadania que vemos nos seriados americanos... Mas isso não significa que devamos ter "terras de ninguém" no Estado. E, bem ou mal, a polícia ainda está sob algum tipo de controle social, ao contrário de outras forças que poderiam ocupar o vácuo deixado por ela.
Ótimo texto.
ResponderExcluirConcordo que a permanência da PM é necessária agora. Mas deveria haver um plano para melhorar a guarda universitária: ela saberia tratar diretamente com estudantes e com o ambiente universitário e poderia ser responsável por encaminhar os problemas maiores para a PM.
A permanência é necessária, mas procurar soluções melhores também.
Oi, Carlos! Sempre leio seu blog, e nem sei direito o porquê de nunca ter comentado, já que adoro tudo que você escreve. :)
ResponderExcluirSó queria dizer que concordo com tudo que você disse! Sou estudante da USP e totalmente a favor da presença da PM no campus. É bem como você falou: ela sozinha pode não ser a garantia total de segurança (e o que seria? estamos em São Paulo!), mas já é alguma coisa.
E eu não considero essas manifestações estudantis legítimas, já que esses alunos representam uma porcentagem mínima dos frequentadores da Cidade Universitária. Não é justo eles fazerem exigências que interessam apenas a eles e que afetariam todas as milhares de pessoas que estudam e trabalham lá.
No mais, só queria aproveitar e dizer que pretendo comprar seu livro assim que for lançado. E que seu blog é um dos meus preferidos, sou sua fã!
Um beijo :)
Você falou algo que a Raquel Rolnik também colocou e eu achei brilhante: que os privilégios da Universidade, de expressão livre do pensamento, de abertura e pertencimento devem ser ampliados para a sociedade e que a Universidade deve ser integrada a cidade. O texto esta aqui: http://goo.gl/M8KGG
ResponderExcluirMuitas universidades federais que conheci tem essa mistura (e mais antigas que o governo petista ;P): não há muros, não há guardas, estudantes se misturam aos munícipes. Mas eu também não sei como é a vida política deles pra dizer se é diferente da USP.
Mas mais fundo do que isso, acho que polícia alguma no mundo está preparada para manifestações, basta ver as repressões aos movimentos Occupy ao redor do mundo.
No fim, continuará assim: manifesta-se e os governos vão mandar bater e prender. Polícia, pros governos, são pra colocar medo em todo mundo. E, para que a polícia seja ameaçadora, ela própria deve ser ameaçada.
Desculpa de novo por tomar tanto do seu espaço!!!
e, claro! espero que o fato de vc ter deixado meu imenso comentário não atraia os trolls!
ResponderExcluirHmmm, não sei se "PM ruim é melhor que PM nenhum". Eventualmente é válido em situação geral, mas pode não ser o caso da situação em particular.
ResponderExcluirSe (e é um grande se) o clima de tensão for continuar - e não é o primeiro confronto entre a PM e parte da comunidade uspiana - pode ser o caso de que PM nenhum seja uma solução melhor.
Se a PM for continuar, no entanto, é melhor que haja um grupo treinado especificamente para fazer rondas dentro do câmpus. Do mm modo como PMs são treinados para fazer rondas em outros pontos que merecem/necessitam de uma abordagem diferente: certas favelas, escolas, policiamento de bairro...
O q é meio absurdo é que há um Núcleo de Estudos de Violência lá na USP. Há gente capacitada em analisar e traçar estratégias de combate à criminalidade e violência. Por que a USP não usa a si mesma como laboratório e experimenta essas soluções?
[]s,
Roberto Takata