Alavancando placebos pela acupuntura
Anda fazendo sucesso um estudo publicado no prestigiado periódico médico JAMA, com o título Acupuncture for Chronic Pain, e que conclui que a acupuntura é uma intervenção "útil" no combate a certos tipos de dor crônica. Pus o "útil" entre aspas porque o efeito é extremamente sutil, com uma vantagem de meros 5% sobre o placebo -- no caso, tratamento com acupuntura falsa (usando agulhas sem ponta, enfiando as agulhas em pontos do corpo escolhidos ao acaso, etc.). Mas, ei, 5% é melhor do que nada, certo? Bom, devagar com o andor.
O trabalho lançado no JAMA é uma meta-análise, o que quer dizer que representa uma análise estatística de diversos outros estudos anteriores, em busca de algum padrão comum presente em todos. Meta-análises são fundamentais para a Medicina, mas também é muito fácil pisar na bola ao fazê-las. Sempre há o risco de misturar estudos bons e ruins de um modo que os segundos mascarem os primeiros, ou de tentar comparar bananas com abacaxis.
De qualquer forma, a meta-análise recente sobre acupuntura tem números impressionantes: foram usados nela 29 estudos, totalizando dados de 17.922 pacientes. Mas ela misturou dois tipos diferentes de estudo, usando tanto trabalhos que comparam "fazer acupuntura" com "não fazer acupuntura" -- isto é, continuar com o que quer que o paciente já estivesse usando, fosse aspirina ou bolsa de água quente, etc. -- quanto trabalhos comparando "fazer acupuntura" com "fazer falsa acupuntura".
Como notou o médico americano Steve Novella em seu comentário a respeito, o primeiro tipo de estudo é fundamentalmente inútil. Ao comparar um tratamento que talvez funcione com algo que todo mundo sabe, incluindo o paciente, que não está funcionando, fatores psicológicos virtualmente garantem que a primeira opção vai, ao menos, parecer funcionar, por puro poder de sugestão. Dê a uma pessoa uma pílula de farinha dizendo que é um sedativo e veja se ela não começa a bocejar.
Para evitar esse tipo de problema, os ensaios clínicos de boa qualidade costumam adotar procedimentos cegos, onde os pacientes não sabem se estão recebendo a versão correta do tratamento em teste, ou algum tipo de imitação barata. O tratamento é aprovado se o grupo da versão correta se sair substancialmente melhor que o outro.
Mas não é só o paciente que é sugestionável: o pesquisador também é. Principalmente se ele tiver um forte investimento emocional no caso -- digamos, se ele enxergar a si mesmo como um cavaleiro solitário da Medicina Alternativa lutando contra os dragões da Indústria Farmacêutica e da Academia Reacionária -- a tendência será de fazer com que as condições do teste favoreçam, ainda que apenas sutilmente, o resultado esperado por ele: tratando com mais carinho os pacientes de um grupo que os do outro, por exemplo, ou mesmo comunicando, por meio da linguagem corporal, quem ele espera que se recupere e quem ele espera que fique na mesma (ou piore).
Para evitar esse outro tipo de problema, os ensaios clínicos de melhor qualidade costumam adotar procedimentos duplo-cegos, onde nem o paciente, nem o médico sabem quem está recebendo o quê.
Os autores do artigo para o JAMA reconhecem que os estudos de "acupuntura contra nada" não são sequer cegos, e que os de "acupuntura contra falsa acupuntura" não são duplo-cegos (afinal, o acupunturista tinha de saber se estava espetando o paciente de verdade ou não), mas se defendem dizendo que "este problema se aplica a praticamente todos os estudos de intervenções não-medicamentosas". E eles estão certos.
Mas -- e aqui há um enorme, um gigantesco, um gritante mas! -- é exatamente por isso que se espera que intervenções não medicamentosas tenham efeito claro, cristalino, dramático: alguém que faça, digamos, uma cirurgia de catarata ou volta a enxergar, ou não. Você não vai ver um oftalmologista recomendando uma operação onde o efeito é apenas uns poucos pontos porcentuais superior que o de um colírio de soro fisiológico.
E este é o problema do estudo de acupuntura publicado no JAMA: o efeito detectado é pequeno demais para que se possa atribuí-lo a qualquer outra coisa que não placebo, magnificado pelos vieses e noções preconcebidas dos próprios pesquisadores.
Como escreve Steve Novella: "Embora essa diferença seja estatisticamente significativa nesta meta-análise, é altamente duvidoso alegar que a diferença de 5% seja clinicamente significativa, ou mesmo perceptível. Para mim, não há diferença nenhuma". Ele se refere à tática usada pelos autores como "alavancagem de placebo". É um ótimo nome.
O trabalho lançado no JAMA é uma meta-análise, o que quer dizer que representa uma análise estatística de diversos outros estudos anteriores, em busca de algum padrão comum presente em todos. Meta-análises são fundamentais para a Medicina, mas também é muito fácil pisar na bola ao fazê-las. Sempre há o risco de misturar estudos bons e ruins de um modo que os segundos mascarem os primeiros, ou de tentar comparar bananas com abacaxis.
De qualquer forma, a meta-análise recente sobre acupuntura tem números impressionantes: foram usados nela 29 estudos, totalizando dados de 17.922 pacientes. Mas ela misturou dois tipos diferentes de estudo, usando tanto trabalhos que comparam "fazer acupuntura" com "não fazer acupuntura" -- isto é, continuar com o que quer que o paciente já estivesse usando, fosse aspirina ou bolsa de água quente, etc. -- quanto trabalhos comparando "fazer acupuntura" com "fazer falsa acupuntura".
Como notou o médico americano Steve Novella em seu comentário a respeito, o primeiro tipo de estudo é fundamentalmente inútil. Ao comparar um tratamento que talvez funcione com algo que todo mundo sabe, incluindo o paciente, que não está funcionando, fatores psicológicos virtualmente garantem que a primeira opção vai, ao menos, parecer funcionar, por puro poder de sugestão. Dê a uma pessoa uma pílula de farinha dizendo que é um sedativo e veja se ela não começa a bocejar.
Para evitar esse tipo de problema, os ensaios clínicos de boa qualidade costumam adotar procedimentos cegos, onde os pacientes não sabem se estão recebendo a versão correta do tratamento em teste, ou algum tipo de imitação barata. O tratamento é aprovado se o grupo da versão correta se sair substancialmente melhor que o outro.
Mas não é só o paciente que é sugestionável: o pesquisador também é. Principalmente se ele tiver um forte investimento emocional no caso -- digamos, se ele enxergar a si mesmo como um cavaleiro solitário da Medicina Alternativa lutando contra os dragões da Indústria Farmacêutica e da Academia Reacionária -- a tendência será de fazer com que as condições do teste favoreçam, ainda que apenas sutilmente, o resultado esperado por ele: tratando com mais carinho os pacientes de um grupo que os do outro, por exemplo, ou mesmo comunicando, por meio da linguagem corporal, quem ele espera que se recupere e quem ele espera que fique na mesma (ou piore).
Para evitar esse outro tipo de problema, os ensaios clínicos de melhor qualidade costumam adotar procedimentos duplo-cegos, onde nem o paciente, nem o médico sabem quem está recebendo o quê.
Os autores do artigo para o JAMA reconhecem que os estudos de "acupuntura contra nada" não são sequer cegos, e que os de "acupuntura contra falsa acupuntura" não são duplo-cegos (afinal, o acupunturista tinha de saber se estava espetando o paciente de verdade ou não), mas se defendem dizendo que "este problema se aplica a praticamente todos os estudos de intervenções não-medicamentosas". E eles estão certos.
Mas -- e aqui há um enorme, um gigantesco, um gritante mas! -- é exatamente por isso que se espera que intervenções não medicamentosas tenham efeito claro, cristalino, dramático: alguém que faça, digamos, uma cirurgia de catarata ou volta a enxergar, ou não. Você não vai ver um oftalmologista recomendando uma operação onde o efeito é apenas uns poucos pontos porcentuais superior que o de um colírio de soro fisiológico.
E este é o problema do estudo de acupuntura publicado no JAMA: o efeito detectado é pequeno demais para que se possa atribuí-lo a qualquer outra coisa que não placebo, magnificado pelos vieses e noções preconcebidas dos próprios pesquisadores.
Como escreve Steve Novella: "Embora essa diferença seja estatisticamente significativa nesta meta-análise, é altamente duvidoso alegar que a diferença de 5% seja clinicamente significativa, ou mesmo perceptível. Para mim, não há diferença nenhuma". Ele se refere à tática usada pelos autores como "alavancagem de placebo". É um ótimo nome.
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