Por que o universo não precisa de Deus: segunda opinião

Depois do mais recente livro de Stephen Hawking, deponta no horizonte mais uma obra afirmando que o progresso da cosmologia permite pôr Deus para escanteio. Desta vez, trata-se de um artigo que será publicado no livro Blackwell Companion to Science and Christianity, que ainda não tem data para sair, mas já está em pré-venda na Amazon canadense (e custa uma grana preta).

Embora o livro ainda não tenha saído, o artigo, de autoria do astrofísico Sean Carroll, pode ser lido online. Trata-se de uma exposição acadêmica, com mais de duas dezenas de notas de rodapé. Felizmente, inscreve-se na tradição anglo-saxônica que valoriza a clareza sobre os (supostos) voos de estilo, e deixa-se ler sem dificuldade.

Em artigo para o site da revista Discover, Carroll pede comentários e críticas que possam ajudá-lo a dar forma final ao texto antes que o livro vá para a gráfica.

Eu não vi muito do que discordar no artigo para o livro, que inclui algumas pinceladas a respeito do papel da ideia de "criação do universo" na física moderna, e até oferece uma solução para a chamada questão do "ajuste fino" das leis da natureza que é exatamente o que suspeito que seja a verdade:

"Life is extremely robust, and would be likely to arise even if the parameters were very different, whether or not we understand what form it would take." 

("A vida é extremamente robusta, e provavelmente surgiria mesmo se os parâmetros fossem muito diferentes, mesmo se não compreendemos que forma ela teria".)

Já o artigo na Discover é interessante porque sintetiza muito bem o argumento da "desnecessidade" de Deus sem cair na arrogância que muita gente leu na versão de Hawking. O trecho precioso de Carroll é o seguinte (tradução minha):


"Nos últimos 500 anos, o progresso da ciência trabalhou para tirar de deus seus papéis no mundo. Ele não é necessário para manter as coisas em movimento, ou para desenvolver a complexidade das criaturas vivas, ou para dar conta da existência do universo. Talvez o maior triunfo da revolução científica tenha sido no reino da metodologia. Grupos de controle, testes duplo-cego, uma insistência em previsões precisas e testáveis – um conjunto de técnicas construídas para nos proteger da tendência, muito humana, de ver coisas que não existem. Não há um grupo de controle para o universo, mas em nossas tentativas de explicá-lo deveríamos ter como meta um nível semelhante de rigor. Se, e quando, os cosmologistas desenvolverem um uma compreensão científica da origem do universo, teremos um quadro onde não há espaço para Deus agir – se ele age (por exemplo, por meio de influências sutis em transições quânticas ou no progresso da evolução), é apenas de modos que são desnecessários e imperceptíveis. Não podemos ter certeza de que uma compreensão totalmente naturalista da cosmologia esteja a caminho, mas ao mesmo tempo não há razão para duvidar de que esteja. Há dois mil anos, era perfeitamente razoável invocar Deus como uma explicação para fenômenos naturais; agora, podemos fazer muito melhor."


Comentários

  1. "a vida é robusta e surgiria mesmo com regulagens diferentes"
    você criticou esta afirmação ou a aceitou "facilmente" por causa do amparo que ela dá para suas crenças?
    como você é evidentemente um cara muito esclarecido e informado (minha opinião sincera), eu aposto na segunda opção.
    eu poderia falar das precisas regulagens, onde mínimas (realmente mínimas) alterações poderiam resultar em um universo feito somente de radiação, ou somente com átomos de hidrogênio, ou somente com átomos pesados, ou átomos sem capacidade de formar moléculas, ... enfim, tenho certeza que você sabe isso muito mais detalhadamente que eu. E isso é muito curioso.
    há 500 anos não tínhamos noção do que era a vida. recentemente a ciência descobriu uma máquina que exige engenharia pesada, e muita criatividade. seja sincero: se este fato não implicasse em conclusões metafísicas, você mesmo desprezaria pessoas que pregassem que a vida surgiu através de acidentes químicos.

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  2. Oi, Anônimo! Mas você se esquece de que essas opções de universo de radiação, universo de hidrogênio, etc, surgem quando uma determinada variável é alterada e todas as outras de mantêm. E se duas, três ou quatro mudassem ao mesmo tempo? Mesmo em termos de "vida como a conhecemos", o que existe não é um universo único, mas um conjunto amplo, talvez infinito, de universos possíveis.

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  3. se mudassem ao mesmo tempo? não ficaria ainda mais difícil? ainda reitero que você é muito esclarecido, mas pense que a fonte onde você busca informação pode estar omitindo dados fundamentais.
    e os infinitos universos paralelos não seriam uma saída pela tangente?
    e a hipótese de infinitos universos não aumentaria o problema da origem? se não dá para explicar como o nosso universo surgiu do nada, como explicar infinitos?

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  4. Oi, Anônimo! Na verdade, um dos argumentos que tentam deduzir uma grande probabilidade de o universo ter sido criado por um planejador inteligente sustenta que o ajuste fino das leis da natureza torna a existência da vida improvável. Mas o "ajuste fino" se refere aos valores relativos das constantes naturais entre si. É concebível que relações iguais, ou muito próximas, possam ser obtidas a partir de outros conjuntos de cosntantes. Assim: a relação entre força forte e repulsão elétrica seria diferente (e poderia tornar o núcleo atômico instável) se um desses valores fosse diverso, o que sugere que os valores que temos são únicos, escolhidos a dedo.

    Mas essa sugestão não leva em conta a possibilidade de a força forte E a força elétrica serem diferentes. Assim que essa possibilidade é considerada, surge a hipótese que que pode haver um número infinito de conjuntos de leis universais condutoras à vida -- o que esvazia a aparência de "valores improváveis" da postulação original.

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