Crime e Castigo
Uma das teorias usadas para explicar por que as pessoas cometem crimes é a da escolha racional: a pessoa que contempla a possibilidade de cometer um crime pesa os prós e os contras, o que tem a ganhar e o que tem a perder, as vantagens e os riscos, e decide com base nessa análise de custo-benefício.
A teoria da escolha racional está por trás da ideia de que a pena tem um efeito dissuasivo -- isto é, de que o risco de ser punido pela sociedade é um fator a mais na lista dos "contras" que o criminoso em potencial leva em consideração antes de se comprometer com o crime.
Daí decorre o princípio de que a dissuasão depende mais da certeza da punição do que do tamanho da pena: se a pessoa sabe que é altamente provável que seja pega, mesmo um pequeno castigo pode ter um grande efeito atenuante sobre a tentação de delinquir.
Inversamente, isso também ajuda a explicar porque, em sociedades onde o risco de ser pego é muito pequeno -- como foi durante a maior parte da história humana -- existe uma forte preferência por penas cruéis de públicas, como o quartering da Inglaterra medieval, onde o condenado era estripado vivo antes de ser decapitado, e assistia enquanto suas entranhas eram removidas pelo carrasco. Em praça pública.
A ideia, no caso, é que a força do exemplo sobrepuje, na mente dos criminosos em potencial, a consciência do baixo risco de captura.
Foi, claro, a prisão de Pimenta Neves que me trouxe à lembrança a teoria criminológica da escolha racional. Isso, e um comentário que me recordo de ter lido na seção de correspondência de um jornal -- teria sido o Painel do Leitor da Folha? -- argumentando que, do jeito que as leis e o Judiciário são no Brasil, qualquer branco rico maior de 60 anos tem garantido o "direito" de cometer um homicídio com impunidade.
Ou, em outras palavras, na sociedade brasileira o efeito dissuasório da pena por homicídio desaparece a partir de uma certa faixa etária e, mais importante, de renda.
O caso Pimenta Neves é um teste bem razoável dessa hipótese (ele nasceu em 1937, e portanto tinha 62 ou 63 anos quando matou Sandra Gomide). O fato de a prisão ter ocorrido onze anos mais tarde pode até ser visto como uma sugestão de que foi apenas o acaso que impediu o jornalista de morrer em paz e impune na cama de sua casa, enquanto os recursos se arrastavam pela Justiça.
Para checar a possibilidade, consultei a tabela de expectativa de vida do IBGE de 2000. Nesse ano, um brasileiro do sexo masculino com 63 anos de idade tinha uma expectativa de vida de mais 14 anos -- isto é, uma chance bem razoável de chegar aos 77. Não se pode dizer, portanto, que Pimenta tenha tido o "azar" de estar vivo para ir para a cadeia; a menos, claro, que se considere um azar a protelação da sentença ter durado "apenas" 11 anos, e não 14.
A parte etária da "hipótese-painel" falha, portanto -- mas por bem pouco.
De qualquer forma, parece evidente que a garantia da demora na aplicação da pena tem impacto sobre o efeito dissuasório. A probabilidade de que o castigo pode levar mais de uma década para chegar pode até ser vista como um incentivo para o crime, invertendo de vez a lógica da punição.
(A demora enfraquece até mesmo o aspecto penitencial da pena -- a ideia de que o tempo preso serve para que o criminoso reflita e se arrependa. Alguns estudos indicam que criminosos que passam um longo tempo em liberdade após o crime acabam elaborando desculpas e justificativas para seus atos e que, quando finalmente são encarcerados, sentem-se mais injustiçados do que penitentes).
Por fim, cabe constatar que a renda do réu tem um efeito brutal sobre a probabilidade de punição -- neste ano, o Estadão publicou uma reveladora reportagem sobre jovens pobres presos por acusação de tráfico, muitas vezes com base em evidência altamente duvidosa.
A teoria da escolha racional está por trás da ideia de que a pena tem um efeito dissuasivo -- isto é, de que o risco de ser punido pela sociedade é um fator a mais na lista dos "contras" que o criminoso em potencial leva em consideração antes de se comprometer com o crime.
Daí decorre o princípio de que a dissuasão depende mais da certeza da punição do que do tamanho da pena: se a pessoa sabe que é altamente provável que seja pega, mesmo um pequeno castigo pode ter um grande efeito atenuante sobre a tentação de delinquir.
Inversamente, isso também ajuda a explicar porque, em sociedades onde o risco de ser pego é muito pequeno -- como foi durante a maior parte da história humana -- existe uma forte preferência por penas cruéis de públicas, como o quartering da Inglaterra medieval, onde o condenado era estripado vivo antes de ser decapitado, e assistia enquanto suas entranhas eram removidas pelo carrasco. Em praça pública.
A ideia, no caso, é que a força do exemplo sobrepuje, na mente dos criminosos em potencial, a consciência do baixo risco de captura.
Foi, claro, a prisão de Pimenta Neves que me trouxe à lembrança a teoria criminológica da escolha racional. Isso, e um comentário que me recordo de ter lido na seção de correspondência de um jornal -- teria sido o Painel do Leitor da Folha? -- argumentando que, do jeito que as leis e o Judiciário são no Brasil, qualquer branco rico maior de 60 anos tem garantido o "direito" de cometer um homicídio com impunidade.
Ou, em outras palavras, na sociedade brasileira o efeito dissuasório da pena por homicídio desaparece a partir de uma certa faixa etária e, mais importante, de renda.
O caso Pimenta Neves é um teste bem razoável dessa hipótese (ele nasceu em 1937, e portanto tinha 62 ou 63 anos quando matou Sandra Gomide). O fato de a prisão ter ocorrido onze anos mais tarde pode até ser visto como uma sugestão de que foi apenas o acaso que impediu o jornalista de morrer em paz e impune na cama de sua casa, enquanto os recursos se arrastavam pela Justiça.
Para checar a possibilidade, consultei a tabela de expectativa de vida do IBGE de 2000. Nesse ano, um brasileiro do sexo masculino com 63 anos de idade tinha uma expectativa de vida de mais 14 anos -- isto é, uma chance bem razoável de chegar aos 77. Não se pode dizer, portanto, que Pimenta tenha tido o "azar" de estar vivo para ir para a cadeia; a menos, claro, que se considere um azar a protelação da sentença ter durado "apenas" 11 anos, e não 14.
A parte etária da "hipótese-painel" falha, portanto -- mas por bem pouco.
De qualquer forma, parece evidente que a garantia da demora na aplicação da pena tem impacto sobre o efeito dissuasório. A probabilidade de que o castigo pode levar mais de uma década para chegar pode até ser vista como um incentivo para o crime, invertendo de vez a lógica da punição.
(A demora enfraquece até mesmo o aspecto penitencial da pena -- a ideia de que o tempo preso serve para que o criminoso reflita e se arrependa. Alguns estudos indicam que criminosos que passam um longo tempo em liberdade após o crime acabam elaborando desculpas e justificativas para seus atos e que, quando finalmente são encarcerados, sentem-se mais injustiçados do que penitentes).
Por fim, cabe constatar que a renda do réu tem um efeito brutal sobre a probabilidade de punição -- neste ano, o Estadão publicou uma reveladora reportagem sobre jovens pobres presos por acusação de tráfico, muitas vezes com base em evidência altamente duvidosa.
Carlos. Só por curiosidade. Você conheceu o Pimenta Neves quando trabalhou no Estadão?
ResponderExcluirOi, Evandro! Na verdade, não. na época dele, eu trabalhava na Agência Estado, que fica num prédio ao lado do EStadão. E era muito soldado raso pra ter contato com o diretor de redação do jornal...
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