O zodíaco de 14 constelações e a Era de Aquário

(Nota aos leitores: esta postagem foi ampliada em 2015 e virou um capítulo inteiro do meu Livro da Astrologia, um tratamento mais detalhado da arte, sua história e dos testes científicos a que foi submetida.) 


Eis que, graças a um astrônomo de Minneapolis, EUA, a cultura popular redescobriu que o zodíaco usado na confecção de horóscopos não corresponde ao estado real das coisas no céu. O impacto e a surpresa provocados pela "chocante" informação (em domínio público há séculos), que causou ondas de comentários no Twitter, é o tipo de coisa que me faz pensar se o planeta não estaria em mãos mais sábias se as baratas tomassem o poder logo de uma vez.


Mas, não compensa ser ranzinza aos domingos. Se você se interessou pela história da entrada do "signo" de Ofiúco (o Carregador de Serpentes) e quiser ter uma ideia mais clara do que se trata essa confusão toda, continue lendo.

Antes de ser o nome de um disco com símbolos engraçados na borda, a palavra "zodíaco" fazia referência à faixa de estrelas que serve de pano de fundo para a trajetória aparente do Sol pelo céu durante o ano.

(Para ter uma ideia melhor do que isso significa, ponha uma cadeira no centro da sala e caminhe ao redor dela, matendo os olhos no móvel. À medida que você se move, os objetos que aparecem atrás da cadeira mudam -- uma hora pode ser a estante, na outra o vaso de flores, depois a televisão, etc. Se a cadeira fosse o Sol e você, a Terra, os objetos seriam as constelações do zodíaco.)

No mundo de fantasia em que os astrólogos vivem e que tentam empurrar para seus clientes, esse pano de fundo é formado por 12 constelações, cada uma delas ocupando exatamente 1/12 do anel zodiacal, e o Sol passa exatamente um mês em cada uma.

Os fatos, no entanto, são outros: o zodíaco contém 13 constelações inteiras e um fragmento de uma décima-quarta: além dos 12 signos tradicionais, há ainda Ofiúco, integralmente dentro da faixa zodiacal, e Baleia, que meramente tangencia a trajetória anual do Sol (suponho que seja melhor assim: "Baleia" provavelmente seria um signo com predisposição à anorexia nervosa).

Além disso, a divisão do céu entre as constelações está longe de ser equânime: Escorpião tem apenas 7 graus do anel zodiacal, enquanto que Virgem ocupa 44 graus. Se o zodíaco astrológico correspondesse ao astronômico, as pessoas teriam uma semana para nascer escorpianas e quase um mês e meio para serem virginianas!

Complicando um pouco mais, há um outro fenômeno que afeta o zodíaco: a precessão dos equinócios. O eixo da Terra -- a linha que une o polo norte ao sul e em torno da qual nosso planeta completa uma revolução a cada 24 horas -- é móvel, como a ponta de um pião, e completa um giro a cada 26.000 anos.

Essa precessão faz com que o ponto do zodíaco em que o Sol parece estar durante o início da primavera do hemisfério norte, o chamado equinócio vernal, mude ao longo do tempo. Há cerca de 3.000 anos, o equinócio acontecia em Áries, e até hoje Áries é o signo que começa em 20 de março, o primeiro dia da primavera setentrional.

O problema é que, de lá para cá, o eixo da Terra se moveu e, hoje, em 20 de março o Sol não está mais em Áries, mas em Peixes.

Seria injusto dizer que os astrólogos ignoram tudo o que foi exposto acima. A maioria deles talvez não faça mesmo a menor ideia (como seus clientes certamente não fazem), mas os mais sofisticados sabem da precessão dos equinócios há, pelo menos, 2.200 anos.

Ofiúco, por sua vez, já constava da lista de constelações de Cláudio Ptolomeu, elaborada no século II, e sua presença no zodíaco foi consagrada pela União Astronômica Internacional nas primeiras décadas do século passado.

E o que os astrólogos fizeram a respeito? Bem, uma minoria decidiu adotar a chamada "astrologia sideral", que corrige os signos de acordo com a precessão. Mas você provavelmente nunca viu um astrólogo sideral, e nem jamais encontrou um horóscopo feito por um deles. Exatamente um astrólogo -- chamado Stephen Schmidt -- adotou a "Astrologia 14",que  leva em conta a presença incômoda de Ofiúco (entre Escorpião e Sagitário) e da pontinha da Baleia (entre Peixes e Áries).



 A esmagadora maioria, por sua vez, fez aquilo que as religiões e as superstições organizadas fazem quando confontadas com fatos desagradáveis: simplesmente decidiu dar de ombos e fingir que nada havia ocorrido, fazendo de conta que as duas constelações extras não existem e que cada signo realmente ocupa 30° dos 360° do zodíaco. Essa ala é a da "astrologia tropical".

Talvez eu esteja sendo duro demais ao dizer que os astrólogos tropicais não tomaram conhecimento dos verdadeiros fatos acerca da precessão e do zodíaco. O que eles fizeram, de fato, foi um ajuste de discurso, onde não são mais as constelações visitadas pelo Sol e pelos planetas, e sim os setores do céu, que têm importância.

Uma vez que o céu tenha sido dividido em 12 setores iguais, e cada setor tenha sido batizado com o nome de um signo, o problema desaparece.

É uma jogada esperta, mas com ela desaparece, por exemplo, a Era de Aquário: essa seria uma época de paz e amor que teria início quando o equinócio vernal passasse a ocorrer em Aquário, e não mais em Peixes -- um efeito direto da precessão. Se a precessão deixa de ter valor astrológico, as Grandes Eras Astrológicas se evaporam.

É importante notar, por fim, que não são essas trapalhadas que tornam a astrologia inválida. O dado mais contundente contra a prática é a série de estudos estatísticos realizada nas últimas décadas e que demonstra, além de qualquer dúvida razoável, que os astrólogos são incapazes de prever eventos ou de descobrir características de personalidade com uma taxa de sucesso melhor que a esperada por pura sorte, como se vê nas tabelas abaixo:





Mas, como de costume, os fatos raramente ficam no caminho da superstição.

Comentários

  1. Obrigado, Carlos. Vi toda a besteirada sobre isso no Twitter e fiquei esperando um resumo inteligente aparecer, para entender a "polêmica" sem perder demais meu tempo. Seus esclarecimentos (especialmente a porção astronômica que permeia o assunto, sempre relegada a segundo plano na grande imprensa) foram engrandecedores.

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  2. A falta que você faz ao Estadão fica demonstrada com esse artigo...

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  3. Legal, pena que a maioria das pessoas prefira acreditar nas enganações da Astrologia à tentar entender a verdade Astronômica.

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  4. Eu gostaria de saber quanto tempo e que época o Sol passam na Constelação de Baleia.

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