Mars500 entra 'em órbita' de Marte
A missão Mars500, uma espécie de Big Brother high-tech que simula uma viagem a Marte, acaba de entrar "em órbita" do planeta vermelho. Embora a nave Mars500 não tenha escotilhas (qual a graça de ver o laboratório em volta do simulador?), eles têm telas onde aparece uma simulação de Marte gerada pelo software Celestia (que você pode baixar de graça).
Os astronautas farão o "pouso" em Marte no próximo dia 12. A missão usa o mesmo esquema do programa Apollo, com um módulo que permanece em órbita e outro que que faz o desembarque dos astronautas.
Confesso que tenho sentimentos conflitantes a respeito da Mars500. Por um lado, a ideia toda parece bem legal, mas por outro -- para que diabos isso serve?
Digo, se o propósito é testar como seres humanos se comportam em situação de confinamento e estresse por longos períodos, um estudo muito mais realista seria ver como se saem as tripulações de inverno das várias estações científicas mantidas na Antártida. Com a vantagem de que essas tripulações não "simulam" nada: realmente estão com o, como direi, rabo na reta.
Além disso, um dos fatores mais complexos de uma viagem a Marte -- a gravidade reduzida -- não tem como entrar na jogada. A gravidade em Marte é cera de 40% da terrestre, sem falar na microgravidade que os astronautas deveriam experimentar durante ao menos parte do voo.
Mas o que realmente me irrita na Mars500 é o fato de o design da missão ser do tipo "de oposição", e não "de conjunção". Missões tripuladas de oposição para Marte são um desperdício de tempo e dinheiro.
Agora, claro que você adoraria saber do que estou falando. Existe uma explicação bem completa aqui, mas resumindo: numa missão "de oposição", a nave com os astronautas é lançada num momento em que Marte e o Sol estão de lados opostos da Terra, daí o nome; numa missão "de conjunção", o Sol se encontra entre Marte e nós. Na imagem abaixo, "E" é "Earth", Terra; "M" é "Mars", Marte. A conjunção está à esquerda, a oposição, à direita:
Por questões de mecânica celeste e economia de combustível, os dois tipos de oportunidade de lançamento têm perfis de missão radicalmente diferentes. Uma missão de oposição teria de durar cerca de 500 dias ("Mars500", sacou?), dos quais 400 seriam passados em trânsito no espaço e apenas 100 em órbita de Marte.
Deu para ver a estupidez da coisa? Você expõe os astronautas a mais de um ano de microgravidade, ao risco de colisão com detritos espaciais, à radiação dos raios cósmicos durante mais de um ano -- para que eles tenham de estudar um planeta inteiro em três meses. Se o objetivo foi mais ambicioso (por exemplo, preparar o terreno para uma colônia), então a viagem toda não passa de perda de tempo. É como se Colombo fosse embora quinze minutos depois de desembarcar no Caribe.
Já na missão de conjunção, os astronautas também passam um bocado de tempo em trânsito -- 360 dias, no total -- mas em compensação ganham-se 500 dias na superfície do planeta. O risco da viagem pelo vácuo é igual, mas o ganho em termos de exploração e colonização é cinco vezes maior.
As agências espaciais tendem a preferir missões de oposição porque o ganho político -- pôr um homem/mulher em Marte -- é o mesmo, enquanto que a duração e o risco global são muito menores (900 dias, a duração de uma missão de conjunção, oferecem muito mais oportunidades para um astronauta ter apendicite ou quebrar a perna pulando dunas do que os 500 da missão de oposição).
No caso da Mars500, outro ponto contra simular uma missão de conjunção é o fato de que passar 500 dias fazendo pesquisa científica de mentirinha num galpão cheio de areia, fingindo que se está em Marte, deve ser considerado violação dos direitos humanos pelo Parlamento Europeu.
Mesmo assim, espero que, se um dia astronautas forem mesmo para Marte, os 500 dias sejam apenas a duração da estada por lá -- e não da viagem inteira!
Parabéns pelas postagens frequentes e muito interessantes!
ResponderExcluirObrigado, Anderson! vamos ver por quanto tempo eu consigo manter o ritmo...
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