Carnaval e o massacre de mídia
Se você está online lendo blogs, em vez de estar preso na estrada a caminho de tomar chuva na praia e/ou curtindo uma ressaca desgraçada, talvez se identifique com o experimento imaginário que vou propor agora.
Suponha que, nos 30 dias anteriores ao carnaval -- também vale copa do mundo ou olimpíada -- os meios e comunicação se abstivessem, não de noticiar o assunto, mas de bombá-lo.
(Para quem estiver desconfortável com o jargão: noticiar é divulgar um fato específico de interesse público -- tipo, Geisy Arruda foi vítima de tentativa de agressão -- bombar é insistir no tema mesmo na ausência de novos fatos relevantes -- tipo, Geisy Arruda comprou vestidinho polêmico na loja "X".)
Hipótese a ser testada no experimento: afinal, o "brasileiro" -- este estereótipo que os marqueteiros adoram -- realmente se interessa tanto por festas e eventos esportivos?
Trata-se de uma tentativa de isolar o real interesse do público do efeito claque: o assunto "A" domina a pauta da mídia porque interessa às pessoas, ou as pessoas acabam se interessando por "A" porque é só o que veem na pauta da mídia?
Já digo que sou profundamente cético em relação ao chamado "poder da mídia". Não acho que foi a Globo que elegeu Fernando Collor, e nem acredito que uma grande conspiração de magnatas da comunicação seria capaz de transformar a bocha no novo esporte nacional.
Tendo afirmado isso, acrescento que tenho razoável confiança na possibilidade de a mídia intensificar e amplificar, até certo ponto, interesses já presentes no público.
Digamos, para efeito de hipótese, que 40% da população brasileira tem um interesse realmente profundo e arraigado em carnaval e é composta por foliões juramentados e inveterados; outros 20% têm um interesse, digamos, amador na festa; outros 30% oscilam entre uma vaga simpatia e indiferença. E os 10% restantes sentem verdadeira hostilidade.
Me parece razoável que a "bombação" seja capaz de converter os profissionais em fanáticos, os amadores em profissionais, os simpáticos em amadores e os indiferentes em simpáticos. Já os hostis provavelmente urram de desgosto, mas ninguém liga para eles.
A bombação é útil para as empresas e profissionais de mídia porque funciona como uma espécie de antibiótico de amplo espectro, já que reforça o poder de um conteúdo único que, logo de saída, já tinha algum nível de apelo para uma fatia expressiva da população, e acaba cativando cerca de 90% das pessoas (pela minha hipótese).
Bombar um assunto que já nasce com potencial de interessar ao público é simplesmente seguir a lei do menor esforço -- e, se o seu negócio depende de audiência de massa, reduz brutalmente os riscos.
Mas tem também um efeito perverso, o de reduzir a diversidade. Uma das coisas que me desencantaram em meus anos finais como funcionário do braço online de uma grande empresa de comunicação foi ver como a promessa de diversificação trazida pela internet -- que prometia ser um canal onde seria possível ouvir falar não só de samba, futebol cerveja, mas também de música tailandesa, bocha e aguardente peruana -- caiu num vazio, ao menos no que diz respeito às grandes empresas.
No fim, a evolução do conteúdo dos grandes portais noticiosos acabou trazendo, para mim, a mesma frustração que senti quando entrei nas primeiras as megastores de livros: em vez da grande variedade de temas e autores que esperava, o que vi foram apenas estantes e estantes lotadas com os mesmos velhos best-sellers de sempre.
E dá-lhe carnaval.
Suponha que, nos 30 dias anteriores ao carnaval -- também vale copa do mundo ou olimpíada -- os meios e comunicação se abstivessem, não de noticiar o assunto, mas de bombá-lo.
(Para quem estiver desconfortável com o jargão: noticiar é divulgar um fato específico de interesse público -- tipo, Geisy Arruda foi vítima de tentativa de agressão -- bombar é insistir no tema mesmo na ausência de novos fatos relevantes -- tipo, Geisy Arruda comprou vestidinho polêmico na loja "X".)
Hipótese a ser testada no experimento: afinal, o "brasileiro" -- este estereótipo que os marqueteiros adoram -- realmente se interessa tanto por festas e eventos esportivos?
Trata-se de uma tentativa de isolar o real interesse do público do efeito claque: o assunto "A" domina a pauta da mídia porque interessa às pessoas, ou as pessoas acabam se interessando por "A" porque é só o que veem na pauta da mídia?
Já digo que sou profundamente cético em relação ao chamado "poder da mídia". Não acho que foi a Globo que elegeu Fernando Collor, e nem acredito que uma grande conspiração de magnatas da comunicação seria capaz de transformar a bocha no novo esporte nacional.
Tendo afirmado isso, acrescento que tenho razoável confiança na possibilidade de a mídia intensificar e amplificar, até certo ponto, interesses já presentes no público.
Digamos, para efeito de hipótese, que 40% da população brasileira tem um interesse realmente profundo e arraigado em carnaval e é composta por foliões juramentados e inveterados; outros 20% têm um interesse, digamos, amador na festa; outros 30% oscilam entre uma vaga simpatia e indiferença. E os 10% restantes sentem verdadeira hostilidade.
Me parece razoável que a "bombação" seja capaz de converter os profissionais em fanáticos, os amadores em profissionais, os simpáticos em amadores e os indiferentes em simpáticos. Já os hostis provavelmente urram de desgosto, mas ninguém liga para eles.
A bombação é útil para as empresas e profissionais de mídia porque funciona como uma espécie de antibiótico de amplo espectro, já que reforça o poder de um conteúdo único que, logo de saída, já tinha algum nível de apelo para uma fatia expressiva da população, e acaba cativando cerca de 90% das pessoas (pela minha hipótese).
Bombar um assunto que já nasce com potencial de interessar ao público é simplesmente seguir a lei do menor esforço -- e, se o seu negócio depende de audiência de massa, reduz brutalmente os riscos.
Mas tem também um efeito perverso, o de reduzir a diversidade. Uma das coisas que me desencantaram em meus anos finais como funcionário do braço online de uma grande empresa de comunicação foi ver como a promessa de diversificação trazida pela internet -- que prometia ser um canal onde seria possível ouvir falar não só de samba, futebol cerveja, mas também de música tailandesa, bocha e aguardente peruana -- caiu num vazio, ao menos no que diz respeito às grandes empresas.
No fim, a evolução do conteúdo dos grandes portais noticiosos acabou trazendo, para mim, a mesma frustração que senti quando entrei nas primeiras as megastores de livros: em vez da grande variedade de temas e autores que esperava, o que vi foram apenas estantes e estantes lotadas com os mesmos velhos best-sellers de sempre.
E dá-lhe carnaval.
Pois é, Carlos. Por falar a verdade pouco acredito no "poder" da mídia. Se porcarias como o BBB, por exemplo, completam anos ou mesmo décadas (como a Malhação) é porque o povo que gosta de assistir porcarias. A mídia transmite o que dá audiência e como diz um amigo meu: "o povo tende a gostar de porcaria." Afinal o que é instrutivo e educativo para o povo é desinterssante, chato, etc.
ResponderExcluirEu mesmo faço parte dos 10% que repudiam o carnaval (segundo a sua estimativa, mas acho que seja uns 5%...) e parece que muita gente rejeita a minha postura, o que acho chato. O modismo por parte de muitos brasileiros me irrita porque eles acabam rejeitando quem não adere a essa moda, só porque "fujo" da televisão e fofoca ele pensam que sou alguém sem assunto relevante, e o que é assunto relevante para 95% dos brasileiros? O que sai na TV e fofoca... Daí temos um povo compostos de ignorantes que elegem um Tiririca da vida e reclamam da política via internet... Vai entender...
Parabéns pelo blog. Prova que temos vida inteligente na internet ;)
Vou concordar com vocês e entretanto remar contra a maré :-)
ResponderExcluirPrimeiras coisas em primeiro lugar: o Carnaval no Brasil é tão onipresente quanto inescapável. Eu acho um desperdício de tempo e de dinheiro das prefeituras menores contratarem shows de artistas de fora, trios elétricos e tal quando tais lugares nunca tiveram tradição de Carnaval. Por outro lado, moradores dos núcleos da festa (Rio, Salvador, Recife etc.) que não gostam de Carnaval têm poucas opções a não ser se isolar em casa fazendo outras coisas. Por isso mesmo penso que os que não gostam da festa têm que se programar para evitar uma irritação maior. Não fazer isso é pedir para se frustrar.
Eu não pulo Carnaval, não gosto de muvuca, mas adoro ver os blocos, desfiles e festas nas ruas.
Nada disso me impede de usar o tempo do feriado para fazer outras coisas e de ler outras notícias no jornal, filtrando o que me interessa.
O cerne do seu artigo, entretanto, é um problema muito mais grave e muito mais entranhado que a agitação do Carnaval -- é a ditadura da opinião única. De que adiantam livrarias enormes se todas as prateleiras são iguais?
-Daniel Bezerra
Puxando esse tema pro cenário internacional, tive a alegria e a decepção de assistir ao filme 'Shi' (Poesia), do diretor sul-coreano Lee Chang Dong. Alegria pela alta qualidade do roteiro, direção e interpretação. Decepção, pois o drama poderia se passar em qualquer lugar do Brooklin, por exemplo. A massificação da cultura tá feia no mundo todo.
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