Sherlock Homes, a Bíblia e eu

Ontem recebi uma carta -- veja bem uma carta, que veio pelo correio -- cumprimentando-me e confirmando a primeira publicação de um artigo meu (um "paper") numa revista acadêmica (um "journal"). Bom, mais ou menos. Ou quase.

A carta, muito gentil, do secretário dos Baker Street Irregulars -- o principal grupo internacional de estudo e discussão sobre Sherlock Holmes -- confirma a presença de meu "paper" The Brazilian Villainesses  of the Canon ("As Vilãs Brasileiras do Cânone") na edição de inverno do prestigioso periódico The Baker Street Journal, "BSJ" para os íntimos.

Essa edição deve sair até março (quando termina o inverno no hemisfério norte), então terei de esperar até lá para ver o filhote em papel.

Meu artigo faz parte daquilo que os aficionados por Holmes chamam de "O Grande Jogo" -- uma espécie de Role Playing Game acadêmico onde os autores fingem que os 56 contos e quatro romances estrelados por Holmes não são fruto da imaginação de Sir Arthur Conan Doyle, mas sim fragmentos das memórias de um homem real, o médico John H. Watson, a respeito de outro ser humano de carne e osso, o Sr. Sherlock Holmes.

O que torna o "jogo" divertido é o fato de os textos de Doyle estarem repletos de contradições, erros e imprecisões. O ferimento à bala sofrido por Watson durante a guerra no Afeganistão, por exemplo, aparece às vezes no braço, às vezes  na perna; Holmes diz ter escapado da morte em 1891 usando uma arte marcial que só foi inventada em 1898;  as regras do turfe usadas no conto Estrela de Prata simplesmente não são as regras verdadeiras das corridas de cavalo; e assim por diante.

(Meu artigo trata de demonstrar, entre outras coisas, como Isadora Klein, a vilã brasileira de As Três Empenas, pode ser membro de uma família "de conquistadores espanhóis que são líderes de Pernambuco há séculos".)

O exercício intelectual envolvido em "jogar o jogo" é muito parecido com teologia e exegese bíblica, na medida em que envolve reinterpretar fatos e encontrar desculpas para sustentar uma ficção implausível. A semelhança vem da raiz da atividade: o primeiro "jogador" foi um padre, monsenhor Ronald Knox, com o clássico ensaio A Study in the Literature of Sherlock Holmes.

Embora, diferentemente da teologia, o Grande Jogo não dê (ainda) acesso a elevados postos acadêmicos, à monarquia absoluta de um pequeno país europeu e/ou a pensões vitalícias, ele tem duas vantagens claras: a primeira é que Holmes e Watson são figuras infinitamente mais interessantes que Abraão e Moisés; a outra é que os defensores da ortodoxia segundo a qual Watson foi casado duas vezes, e os hereges que proclamam três casamentos na vida do bom doutor nunca promoveram massacres uns contra os outros, e nunca se ouviu falar de um dualista watsoniano tentando queimar um trinitário vivo (ou morto, por falar nisso) na estaca.


Comentários

  1. Opa, meio atrasado, registrei o feito no meu blog:

    http://cidadephantastica.blogspot.com/2011/01/as-vilas-brasileiras-de-sherlock-holmes.html

    Parabéns!

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  2. Obrigado, Romeu! Espero que eles também aceitem minhas próximas colaborações...

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